Em entrevista exclusiva, técnico conta histórias do 'lado B' da carreira e vive a expectativa de poder se consagrar com o título no Japão
Tite sabe que esta é a viagem mais importante da carreira. O técnico um dia questionado e ridicularizado por falar difícil se transformou fora e dentro de campo. Aprendeu a fazer piada dele mesmo, ganhou prestígio e acumulou títulos: do Brasileirão, da Libertadores, e agora tem a chance de ter o mundo a seus pés.
– Se imaginarmos o alpinismo, seria fincar a bandeira no topo da montanha e dizer assim: “eu subi tudo o que tinha para subir” – afirmou.
Nesta entrevista concedida ao GLOBOESPORTE.COM no CT Joaquim Grava, dias antes do embarque, Tite relata suas viagens e mostra que nem sempre teve o glamour de ter o nome cotado para a Seleção Brasileira. Para poder atingir o ápice, rodou por estradas perigosas do Rio Grande do Sul no comando de clubes quase amadores, aprendeu a perder logo nos primeiros trabalhos e até a conviver com o lado podre do futebol, a manipulação de resultados.
– Tenho muito orgulho da minha conduta profissional. Ganhar ou perder é do jogo. Foram “N” vezes que surgiram oportunidades de acertos. Ninguém é babaca ou ingênuo, mas comigo não tem vencer a qualquer custo – diz.
O técnico Tite, no CT do Corinthians (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
GLOBOESPORTE.COM: Esta é a viagem mais importante da sua vida?
Tite: Sim. Digo que, se imaginarmos uma escada, eu percorri todos os degraus e agora tem o último. O Corinthians tem um Mundial, mas eu não. Se imaginarmos o alpinismo, seria fincar a bandeira no topo da montanha e dizer assim: “eu subi tudo o que tinha para subir”. É a mais importante, sim.
Como foi essa subida até o penúltimo degrau?
Demorou, mas as coisas acontecem. A preparação é constante. Demora um pouco, depois vai mais rápido. Em seis meses, conquistei o Brasileiro e a Libertadores. Veio a recompensa do trabalho, a aquisição de conhecimento, as experiências fora do país, de viajar para a Itália para conhecer sistemas táticos diferentes, ler, de ficar p... desempregado, de chutar a parede...acabou refletindo a construção desses últimos tempos.
Você disputaria o Mundial de 2010 pelo Al Whada-EAU, mas aceitou voltar ao Corinthians prestes a perder o Brasileirão. Foi dar um passo atrás nessa escada?
Eu não sei como foi. Sei que brotou dentro de mim de forma espontânea, um sentimento. Eu nunca saí de um clube na minha carreira. Quando comecei no Guarany de Garibaldi, ganhava três salários mínimos e não tinha contrato assinado. O Juventude tentou me contratar. Eu disse que só iria se a diretoria me liberasse. Ela não liberou. Na hora que o Andrés (Sanches) me perguntou se eu queria voltar, eu disse que sim. Eu já tinha camisa do Mundial da Fifa, fotos com a taça de campeão. Eu queria chegar perto dela porque depois seria difícil (risos).
Tite concede entrevista no CT do Corinthians
(Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
(Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
Baaaah, eu me lembro! Pqp, que m...,meu! (risos). Foi um jogo contra o Coritiba fora de casa. Fomos para um hotel que você precisava botar a chave no elevador para liberar o andar. Eu cheguei, entrei, apertei e nada. Tentei de novo e nada. Saí do elevador e fiquei ao lado esperando alguém entrar. Um cara entrou, fui atrás e vi que precisava colocar a chave. Agora eu conto isso, mas fiquei bem quietinho naquela época (risos).
Muito antes disso, você precisou tomar uma decisão importante: abandonar a carreira com 27 anos depois de seis cirurgias no joelho direito. Como foi essa viagem até contar isso para a família?
A viagem de carro é o trajeto, mas a viagem mental que fiz, o quanto aquilo me perturbou, me afligiu, me fez chutar cadeiras e perguntar: por que comigo? Eu não queria fazer outra cirurgia quando estourei o ligamento. Chega! Eu não aguentava mais! Havia feito uma de ligamento cruzado, três artroscopias, depois voltei a jogar e fiz outras duas. O (Cláudio) Frias, fisioterapeuta (do Guarany) foi de uma lucidez muito grande. Ele me disse que eu precisava me recuperar para jogar ou ter qualquer outra atividade sadia. Eu teria tempo para me formar. Isso me bateu. Fui para casa e parei para pensar. Eu seria professor de educação física. Fiz o concurso, passei em terceiro lugar no estado e logo seria nomeado, quando surgiu a possibilidade do Guarany.
O Tite atual teve o nome até cotado para assumir a seleção brasileira. Mas em início de carreira a estrutura de trabalho era bastante diferente, não?
Eu não pensei em ser técnico. Eu jogaria no Guarany e seria preparador físico, mas o treinador saiu e a diretoria me convidou. Em cinco jogos, ganhamos quatro e quase subimos para a primeira divisão
.
E pegou gosto pela coisa?
Foi ao natural. Mas vi que esse negócio é bom (risos). O clube me convidou no outro ano de novo. Jogamos 26, perdemos um e ficamos fora da subida para a Primeira Divisão. Uma equipe que não tinha tradição no quadrangular contratou meio time do Esportivo e meio time do Passo Fundo, formando um time muito forte. Era o Taguá, de Getúlio Vargas. Garibaldi lotou 20 ônibus. Quando estávamos chegando ao estádio, via toda a torcida do Guarany. A cidade estava mobilizada. No jogo final tinha gente em cima das torres de iluminação. Tínhamos um patrocinador que exportava frango. As viagens eram muito simples, mas bem feitas.
Os números de Tite no Corinthians incluem dois títulos: Brasileiro-2011 e Libertadores-2012
Minha esposa foi assistir a esse jogo. Quando ela estava descendo a escada, uma pessoa ligada ao clube falou: “Quanto seu marido ganhou para perder o jogo?”. Ela tem um trauma do c...! As coisas no futebol transcendem para a violência ou para questionar a integridade de alguém.
Então, é por isso que você sempre se irrita quando recebe perguntas sobre facilitar um jogo para prejudicar um rival?
Tenho muito orgulho da minha conduta profissional. Ganhar ou perder é do jogo. Foram “N” vezes que surgiram oportunidades de acertos. Ninguém é babaca ou ingênuo. Comigo não tem vencer a qualquer custo. Você tem de ser o melhor numa finta, num lance pessoal, ter a equipe mais coesa.
Você deixou de ganhar muito dinheiro por causa dessa conduta?
Não sei se perdi, mas acho que ganhei muito mais sendo assim. Ganhei respeito e ascensão profissional. Mas o diabinho bate! Uma vez, lá atrás, acabou a fase de classificação de um campeonato e o treinador adversário me disse: “No segundo jogo, quem precisar, um dá (a vitória) para o outro”. No penúltimo jogo, o resultado combinado na casa deles nos daria a classificação. Esse diretor me disse que o treinador passava perto dele e falava: “Está vendo, se ele quisesse acertar, estaria tudo bem”. No fim, fomos para o jogo normal, empatamos e fomos campeões.
Contra o Vasco, na Libertadores, Tite foi para o meioda galera (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
Elas trouxeram aprendizado, mas foram, sim. Eu acrescentaria uma com o Grêmio depois de perder para o Independiente de Medellín-COL nas quartas da Libertadores. Tomamos o gol aos 47 do segundo tempo e fomos eliminados. Eu saí do hotel às 2h da manhã e fiquei andando na chuva. Depois fiquei pensando que um daquelas caras das Farc poderia me pegar (risos). Foi uma viagem pesada. No Palmeiras, eu me expus. Ali, no aeroporto, você olhava para os olhos dos torcedores e via que não estavam normais.
E a volta da Colômbia?
O que assustou foi quando começaram bater no ônibus. O motorista parou e tentou dar ré. Eu pensei: “F...!”. Lembro que quando chegamos ao hotel após o jogo, o Saulo (Magalhães, supervisor) recebeu uma ligação dizendo que quebraram os carros no CT. Do meu foi só o vidro. Saí no lucro. Eu lembro mais da beirada do campo, olhando para o refletor e vendo que a equipe não conseguia reagir. Era minha primeira derrota. Uma só e vai tudo por água abaixo em um projeto de crescimento profissional. No vestiário, ninguém consola ninguém. Era só esperar acalmar a coisa lá fora, mas seria difícil continuar (no clube). Eu sabia que seria difícil.
Sou respeitado porque respeito os atletas embasado em duas coisas:
competência profissional e conduta pessoal. Falo para eles na cara, na
frente. Não exponho problemas"
Tite
Lendo bastante, mexendo no computador, projetando a equipe com as imagens que eu tenho dos adversários, montando treinamentos e pautando situações individuais. Estou terminando o último livro sobre o Mourinho, tenho um outro do (Jorge) Valdano para relembrar. Vou checar aquelas partes grifadas do livro do Phil Jackson, tenho um outro mais light da Martha Medeiros e um de crônicas do Tostão. Gosto de Paulo Coelho também. Li uma série de livros dele. Gostei de uma manifestação em uma entrevista dele sobre livros de auto-ajuda. O que é auto-ajuda? É o livro do Irving Wallace, “Sete Minutos”, que fala da relação sexual, do início até o cara gozar, da relação com a prostituição? Esse livro resultou no “Onze Minutos”, do Paulo. Falaram como uma coisa pejorativa, e ele ficou chateado.
E a música?
Gosto, mas prefiro leitura ao invés de música. Na MPB, gosto de Lulu Santos. Assisto ao The Voice Brasil e gosto bastante dele. Eu cantarolo todas dele, mas não guardo nomes. Sou eclético, gosto de sertanejo, esse último que falam universitário e o tradicional, de raiz. Gosto de dance music também, de Donna Summer. Eu bailava na minha época de noitada! Tinha Lionel Richie, aquela música “Please Don’t Go”. Isso deu muito namoro (risos)!
Qual é o segredo para um time comprar tanto a ideia de um técnico como acontece com você no Corinthians?
Eu sou respeitado porque respeito os atletas embasado em duas coisas: competência profissional e conduta pessoal. Se fizermos uma entrevista e vocês emitirem um comentário diferente do que fizemos, vocês perdem credibilidade. Comigo é da mesma forma. Falo para eles na cara, na frente, individualmente ou com o grupo todo. Não exponho problemas.
Em muitas viagens do Corinthians, você e o presidente Mário Gobbi Filho vão rezar em alguma igreja da cidade, como aconteceu na Argentina e no México. Isso vai se repetir no Japão?
Espiritualidade independe de religião. Pode ser Buda, Deus, Maomé...não acredito em ateu. Alguém, no fundo, tem algo maior. Na Argentina, fomos na Nossa Senhora do Pilar. O presidente gostou. No México, fomos em Guadalupe, um lugar lindo. Não faço isso para vencer, mas para estar sempre em paz e para procurar um direcionamento.
Tem algum amuleto para os jogos?
Isso aqui (tira um terço do bolso da calça) é de Nossa Senhora do Pilar, uma proteção. Ele vai comigo. No jogo, não sei se o terço ou alguma outra coisa.
O Tite campeão do mundo vai ligar para quem primeiro? A viagem de volta vai ser regada a caipirinha?
Primeiro, para minha mãe, meu irmão e minha irmã. Minha mulher e meus filhos (Gabriele e Mateus) estarão comigo. No avião sou mais conservador, mas no hotel vai ter, pode escrever! Tem de ser algo forte. Não venham com esse negócio meia-bomba. Se for forte, pode ser saquê também (risos).
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