FONTE:
http://jornalggn.com.br/blog/bruno-lima-rocha/uma-sintese-didatica-do-emprego-de-lawfare-no-brasil-por-bruno-lima-rocha
BRUNO LIMA ROCHA
por Bruno Lima Rocha
Vou retomar o assunto neste artigo, e em função de algumas boas conversas que tive com pessoas experientes e nada simpatizantes do golpe jurídico-midiático-parlamentar, todos estes colegas me sugeriram esta síntese. O tema não é fácil e como fiz nos dois anteriores, reforço a cautela nas afirmações categóricas (em função da falta de provas materiais) e o ponto de partida. Parto de um lugar (o famoso local de fala) à esquerda do lulismo, bem à esquerda eu diria, com ênfase numa proposta mesclada entre o igualitarismo e o ideal de libertação popular latino-americano (próximo do chamado campo nacional popular nos países Hermanos). Assim, tenho pouca ou nenhuma confiança em pactos de classe e vejo o colonialismo interno e a fraqueza ideológica do andar de cima do Brasil como uma das causas determinantes para o enfraquecimento de todo o país e o empobrecimento de nossa sociedade. Dito isso, seguimos adiante.
O tema central e a sequência inequívoca
Voltando ao tema central, o importante, na minha modesta opinião, é fazer a narrativa de forma inequívoca, sem cair em armadilhas intelectuais de tipo monocausalidade. Ou seja, na vida real, na vida em sociedade, nada tem uma só causa, embora por vezes, relações de força têm uma ação que determina a outra. Travemos assim algumas comparações de evidências.
Afirmar que a Força Tarefa da Lava Jato é uma invenção da CIA seria leviandade; não levar em conta que o acionar descontrolado deste grupo operacional com autoridade judicial e sem supervisão direta alguma, além das costas quentes e do “tudo pode” do TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4a Região, com sede em Porto Alegre) seria de uma inocência criminosa.
Sigo nas comparações. A corrupção endêmica e estrutural das relações do Estado com o que resta de oligopólios de ponta no Brasil é nefasta. O oligopólio da mídia, o mais poderoso politicamente, o que marca ideologicamente a sociedade brasileira contemporânea - tipo, padrão William Bonner de expectativas de vida - é o mesmo que subordina os demais oligopólios no simbólico, ainda que estes tenham mais poder do que os grupos de mídia operando no Brasil sob o controle de famílias brasileiras. Assim, o poder da Globo inverte a lógica do interesse nacional pelo interesse do "cidadão de bem", policlassista, não importando seu padrão material de vida ou origem étnico-cultural. É como o núcleo do “bem” de novela das nove; nas narrativas de fábulas urbanas e contemporâneas, as contradições da vida privada são mais relevantes do que a estrutura social que as condiciona. O inverso seria a regra básica de qualquer sociologia séria, mas afirmar esta manipulação grosseira soa como teoria conspiratória diante da desinformação estrutural.
Afirmo o parágrafo acima porque, para o cálculo de realidade no Sistema Internacional (SI) – e infelizmente digo isso - os Estados apoiados em seus conglomerados empresariais observam potenciais hostilidades ainda no nascedouro. Assim como o Pacto ABC (Argentina, Brasil e Chile) ajudou ao envolvimento da Embaixada dos EUA na derrubada de Vargas em 24 de agosto de 1954, o mesmo se deu no posicionamento do Brasil dentro dos BRICS (o bloco informal de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Nosso país, ainda que seja um dos sócios menores e em segunda escala de grandeza é de suma importância para o SI. Somos ainda um pivô geopolítico, mas éramos até pouco atrás, aspirantes a agente geoestratégico.
Logo, o alvo visível, o cluster (em escala nacional, estou ampliando o conceito) das empresas de construção pesada e seus conglomerados subsidiados pelo Estado – as campeãs nacionais, no chamado Bismarckismo Tropical - formam o Complexo de Óleo e Gás, o complexo subsequente da Indústria Naval e o ativo de exportação da expertise em construção pesada, engenharia estrutural e complexa. Isso o país tem - tinha - para projetar no plano interno-externo e gera (pode gerar, chegou a gerar) um Excedente de Poder que entra nas estruturas decisórias dos países da América do Sul, América Latina e África. Logo, quando um Estado e suas empresas líderes, aliadas ao co-governo de coalizão (sendo que o partido líder ganha quatro eleições consecutivas), opera com este nível de expressão internacional – alinhando-se parcialmente com o Eixo Eurasiano de poder – imediatamente torna-se alvo de hostilidade. Como afirma qualquer manual de estratégia, o primeiro passo para vencer um conflito é retirando as condições de entrar em choque de um dos competidores. No caso brasileiro, esta observação mais acurada teve como Cavalo de Tróia o Projeto Pontes, iniciado em fevereiro de 2009 (ver e rever sempre:
http://migre.me/vOaKG). Ou seja, imediatamente após a posse de Barack Hussein Obama e com Hillary Rodham Clinton como secretária de Estado, teve início o projeto embrionário que culmina na Conferência Regional de uma semana de duração e alcance nacional de convidados brasileiros.
Esta é a hostilidade observada da parte dos EUA e cujo combate se deu - supostamente estaria se dando - na forma de LAWFARE (sugiro a leitura deste blog financiado pelo centenário think tank de Washington Brookings Institution,
https://www.lawfareblog.com/) ou seja, o uso do Direito como arma de guerra. A difusão deste emprego opera através da captura de corações e mentes de uma espécie de "tenentismo de toga" (mesclando modernização conservadora e idealização patética dos sistemas liberais doutrinários, vide ‘propinocracia’) da geração cujos expoentes públicos se encontram também na Força Tarefa da Lava Jato.
A dimensão da presença dos EUA e a prepotência do Império como “polícia seletiva” do mundo corporativo impressionam pela franqueza. Vejam estas declarações na nota oficial (na íntegra em:
http://migre.me/vQMrQ) do Departamento de Justiça dos Estados Unidos:
“This case illustrates the importance of our partnerships and the dedicated personnel who work to bring to justice those who are motivated by greed and act in their own best interest,” said Assistant Director Richardson. ‘The FBI will not stand by idly while corrupt individuals threaten a fair and competitive economic system or fuel criminal enterprises. Our commitment to work alongside our foreign partners to root out corruption across the globe is unwavering and we thank our Brazilian and Swiss partners for their tireless work in this effort’.”
E também o reconhecimento que o volume e a dimensão destas punições – sobre Odebrecht e Braskem – são sem precedentes:
““No matter what the reason, when foreign officials receive bribes, they threaten our national security and the international free market system in which we trade,” said Assistant Director in Charge Sweeney. “Just because they’re out of our sight, doesn’t mean they’re beyond our reach. The FBI will use all available resources to put an end to this type of corrupt behavior.”
Um resumo plausível da derrota interna que atende os interesses do Império
Estaríamos por tanto diante de uma nova elite do Estado; em ascensão e surpreendentemente anti-Estado. Tal elite, ou frações de classe dentro da tecnocracia togada, das carreiras jurídico-policiais, estaria de forma direta ou indireta, racional (intencional) ou não, atendendo e tornando partícipe aos EUA dentro do processo clássico de tipo “revolução colorida” ou na mudança de regime no Brasil. Tentamos abaixo, na linha conclusiva deste breve texto, expor em termos conceituais o que está acontecendo na internalização de interesses imperialistas no país.
O Brasil teve nos treze anos de governos de Lula e Dilma um tipo de crescimento econômico que não chegou a ser desenvolvimento, mas aprofundou as vantagens comparativas que o país já tinha. Neste processo, e com todas as falhas possíveis, o governo de coalizão tentou realizar uma aliança Estado-Empresa e como tal apontar uma estratégia de inserção autônoma no Sistema Internacional.
Tal acionar, do ponto de vista militante, igualitário, decolonial e porque não, socialista, este arranjo do governo anterior foi pífio. O partido de governo, de forma absurda hipotecou as chances de resistência ao custo de uma aliança de classe que resultou em derrota ideológica do PT, seus aliados e movimentos de apoio, subordinando tudo diante da lógica do lulismo: pacto conservador com melhoria de condições materiais de vida.
Dentro da expectativa militante, embora previsível, houve um avanço pífio. Mas, esta percepção é que para quem milita e vive no Brasil. No plano externo, as realizações do lulismo já deram motivos suficientes para ser visto como potencial hostilidade pelos EUA. Logo, na gestão de Hillary Clinton à frente do Departamento de Estado e no primeiro governo de Obama, se aprofunda a solução de tipo "revoluções coloridas e mudanças de regime". Sim, em parte a ação midiática dos EUA reforça tema importantes (como o dúbio e suspeitíssimo papel da Open Society, por exemplo), mas ao mesmo tempo, opera como desestabilização. Em nenhuma hipótese afirmo que a rebelião de 2013 é responsável pela queda do governo, e sim ao contrário; ao não atender as demandas da rebelião de 2013, o primeiro governo Dilma abriu espaços para a direita, aprofundados com o austericídio de Joaquim Levy e a traição ao segundo turno plebiscitário.
Com um enorme senso de oportunidade e já com setores de Estado comprando as teses liberais, os EUA teriam agido de forma diversionista, buscando entradas por "todos os lados". Obviamente e mais uma vez, vejo que a análise de Luis Nassif está correta: entraram pelo Mercado (na vinculação ideológica com lideranças empresariais e corporativas no Brasil), pela Cooperação Internacional e pela guerra midiática ampliada (aí entram as redes sociais e os grupos da nova direita cibernética). Enfim, conflito assimétrico, Guerra Irregular de 4ª Geração, mas como vetor principal o emprego da versão civil da LAWFARE.
Venho demonstrando que houve descontrole e autonomização de instâncias do aparelho de Estado, onde os EUA enfiaram núcleos de sua confiança (MPF, Judiciário Federal, DAT/PF, MRE). Tudo isso se deu no embalo das viagens e intercâmbios de “reguladores”, com funcionários de carreiras das agências de “regulação” indo aos EUA para apreender experiências de gestão de conflitos. Na esteira do mimetismo, o inimigo cresceu. As teses liberais encontraram eco no viralatismo; o abandono da perspectiva nacional viu no entreguismo seu espelho de Narciso. Semeando em solo fértil, onde o moralismo, a ideologia liberal colonizada, vantagens do corporativismo das carreiras jurídico-policiais, levaram ao momento perfeito de se atacar o Estado, as oligarquias políticas e os direitos sociais - tudo ao mesmo tempo junto.
Pelo partido de governo e o setor de centro-esquerda da coalizão, pouco ou nada se fez. Em algum momento da história recente, a atenção para o acionar da superpotência no Brasil, de baixo ou pequeno, virou nenhum. Falando com pesar afirmo: percebe-se muito discurso e pouca ou nenhuma operação de contra inteligência. Talvez seja por isso mesmo que a maior parte dos titulares do governo deposto não queira mexer nisso, para não serem também responsabilizados pela derrota. O buraco é profundo como um poço no Campo de Libra. O problema não é mais o da perda da virtude política e as suspeitas de corrupção, mas sim a possível acusação impactante de terem agido como omissos e fracos dirigentes políticos.
Teremos um longo caminho pela frente para demonstrando o absurdo desta situação e o acionar de instituições que de fato operam contra os interesses do país e da maioria.
Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais