Reunidos na Copa Brasil Sub-15, competição mais importante da primeira categoria disputada em alto rendimento em gramados brasileiros, 400 jovens nascidos entre 96 e 97 viveram para valer pela primeira vez uma realidade que os espera cada vez mais cedo. Com a chegada ao time de cima se tornando mais precoce ano após ano, os próprios garotos se impõem uma conduta profissional até pouco imaginável nesta idade. Se direitos e deveres são comuns a qualquer grupo social, nas categorias de base eles são vividos com maior intensidade. E muitas vezes sem uma imposição radical dos clubes.
Desespero dos jogadores do PSTC após eliminação: alto nível de cobrança (Cahê Mota / Globoesporte.com)
- A competitividade é cada vez maior. Não dá muito mais para brincar. Todo mundo quer ser jogador. Poucos chegam – resume Juninho Polidoro, zagueiro do São Paulo.
Quem convive diariamente com este tipo de comportamento busca explicações para a situação:
- A resposta acho que está muito na nossa economia. Na maneira como o Brasil vê o futebol, a formação. Realmente, aos 15 anos eles são adultos e não mais crianças em alguns aspectos. Atrapalha se o clube não olhar bem essa precocidade – aponta Gustavo Fragoso, técnico do Sub-15 do Grêmio.
Apesar do clima de descontração natural do convívio em grupo, a imensa maioria encara a antiga “brincadeira de bola” como se fosse o ofício para o restante da vida.
- Já é uma profissão. É uma profissão porque é muito difícil. Muitos acham que é fácil, mas trabalhamos muito, ficamos exaustos. Nos dedicamos muito – disse o goleiro cruzeirense Jordan.
Assédio de empresários contribui para aumento de cobranças
No São Paulo, nenhum jogador tem empresário.
Postura pouco comum no futebol atual
(Foto: Pedro Veríssimo / Globoesporte.com)
Postura pouco comum no futebol atual
(Foto: Pedro Veríssimo / Globoesporte.com)
- Ninguém entra em par ou ímpar ou qualquer tipo de jogo para perder. Todos querem ganhar. Mas não adianta entrar em campo bravo, com a cara fechada. É importante ficar mais solto, alegre. Eles só têm a ganhar com isso – analisa Emerson Ballio, técnico do Santos.
O exemplo dado foi refletido na preleção do próprio santista antes da semifinal contra o Cruzeiro. No lugar de aspectos táticos ou padrão de jogo engessado, Ballio trabalhou a parte motivacional dos jovens, pedindo leveza e que se preocupassem apenas com o jogo que estava por vir, e não com tudo que o futebol pode um dia lhes proporcionar.
- Quando fazemos bem o hoje, planejamos o futuro.
Nem sempre, no entanto, é fácil lidar com a forma como o futebol é tratado no mundo globalizado. Minutos antes da mesma preleção, por exemplo, foi entregue no vestiário para determinado jogador uma chuteira novinha em folha de um fornecedor de material esportivo de ponta. O remetente? Não se sabe, mas muito provavelmente empresários que cativam o jovem antes de um contato mais direto.
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Este, por sinal, é um outro ponto que faz com que a garotada se veja cada vez mais profissional. Se nos clubes a regra é receber ajuda de custo entre R$ 250,00 e R$ 1 mil nesta categoria (com poucas exceções), a aproximação de agentes é responsável por dar moradia ao restante da família (o clube banca somente o jogador) e solucionar “todo tipo de problema”.Tirando o São Paulo, onde, por orientação do clube, nenhum atleta conta com empresário, poucos estão “livres” em suas equipes. É o caso, por exemplo, do volante Raphael, de 14 anos, do Santos. Único aprovado em uma peneira com 2.000 jovens, ele se mantém exclusivamente com o pai, que vive em Campinas.
- O empresário ajuda a entrar no clube. Como já consegui isso com meu pai, não preciso mais. Meu pai pode tomar conta disso.
O tema, por sinal, foi motivo de mudanças recentes na Lei Pelé para que os clubes fiquem mais seguros no processo de formação. Com o acesso ao jogador cada vez mais cedo, um novo artigo prevê ressarcimento de 200 vezes o valor investido a partir do momento em que a promessa ingressa nas categorias de base. Contrato profissionais só podem ser registrados a partir dos 16 anos, mas já aos 14 contratos de formação, sem exigências trabalhistas, estão liberado. Estes, inclusive, já garante os 5% sobre qualquer transação futura.
Longe de casa, seriedade é cada vez maior
Ceará, goleiro do Santos, vive longe de casa desde
os 12 anos e aposta na fé para se superar
(Foto: Pedro Veríssimo / Globoesporte.com)
os 12 anos e aposta na fé para se superar
(Foto: Pedro Veríssimo / Globoesporte.com)
Foi o que aconteceu com o goleiro Ceará, do Santos. Nascido no estado que carrega no próprio apelido, ele deixou Fortaleza por volta dos 12 anos para cruzar o país e tentar a sorte no Internacional de Porto Alegre. A frustração após dois anos não o fez desistir, até que, com a ajuda de empresários, chegou ao Santos, onde teve destaque na campanha do título nacional Sub-15.
- Temos que plantar para colher no futuro. As coisas não acontecem de uma hora para outra. Vim de Fortaleza com a ajuda de um empresário. Lá não tem muitas oportunidades. Já passei pelo Internacional por dois anos e agora estou feliz no Santos. Moro no alojamento e já me acostumei. Cada coisa que acontece serve para motivar ou fazer desistir. Agora, no Santos, as coisas têm feito com que eu pense em crescer. Saí da dificuldade e quero melhorar de vida. O clube me dá essa condição.
A conduta é a mesma de Lucas Cavalcante. Diferenciado pelo estilo sereno e esclarecido das metas traçadas para carreira, o capitão do São Paulo e da Seleção Brasileira deixa claro que as barreiras superadas ao deixar Brasília não o permitem errar.
- Chegar até aqui foi muito difícil. E, nessa longa caminhada, eu vi que a coisa não é bem como eu pensava. Não há mais espaço para brincadeiras. Dentro de campo até dá para ser descontraído, ter um “olé”, mas fora tudo mudou de uns anos para cá. Se não tivermos seriedade, nunca vamos chegar lá em cima. Já somos profissionais, só não estamos no time principal - diz o zagueiro.
As situações do cotidiano longe de casa acabam fazendo com que o jovem amadureça cada vez mais precocemente. Até mesmo para superar situações extremas como a saudade da família, algo encarado já com naturalidade pelo pernambucano Vandinho, também do São Paulo, há um ano e meio alojado no CT da base, em Cotia.
- Quando bate a tristeza, é só pegar o celular e ligar para mãe. Se estiver tudo certo, o foco volta para o futebol.
Preocupação para que frustração não deixe traumas
Referência no tratamento dado aos jovens da base, o Tricolor Paulista aloja em Cotia todos os jogadores da categoria Sub-15. No Centro de Treinamento, eles contam com o acompanhamento de assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, além de estudarem em escola particular. O rendimento nos estudos, inclusive, está diretamente ligado à participação em campeonatos e treinos.
Preleção no Santos: cobrança comedida por parte dos treinadores (Pedro Veríssimo / Globoesporte.com)
- Não há problema em um garoto de 14, 15 anos ser maduro. Lógico que não vai ser como adulto, mas é algo construído em três perguntas básicas: “Quem sou eu?”, “De onde vim?” e “Para onde vou?”. São respostas que favorecem a formação do indivíduo. Eles se cobrarem é importante, desde que tenham o momento certo para descontração, a brincadeira de criança. Para isso, é preciso não exceder nas cobranças. Ninguém vai ser perfeito. O erro faz parte.
Cruzeirenses também sofrem precocemente
(Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)
(Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)
- A mídia mostra que a remuneração, tudo que envolve o futebol, resolve a vida das pessoas. Mas isso é uma ilusão. Se pegarmos os dados, dos meninos que começam a jogar futebol com 13, 14, 15 anos, menos de 10% chegam ao profissionalismo. Desses, é baixíssimo o percentual de quem fica bem financeiramente. É algo ilusório. E jogamos limpo com eles. Não dá para dizer: “Você vai ser um craque”. Por isso, cobramos estudo e inserção na sociedade como cidadão de bem.
Para evitar que o foco não fique somente no futebol e no alto rendimento, virou moda entre os clubes também determinar parte do dia para a realização de atividades lúdicas. No São Paulo, por exemplo, os atletas tinham diariamente tempo livre para empinar pipas. O objetivo? Fazer com que, mesmo que por pouco tempo, vivam a liberdade de qualquer amigo da mesma idade. Vivam o que são: adolescentes e não ainda jogadores.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2011/07/acabou-brincadeira-aos-15-anos-atletas-tratam-futebol-como-profissao.html