Com passagem no Flu e Vitória,
ex-lateral, que marcou Figo na Champions, foi auxiliar do Santa Cruz-PB.
Agora, se dedica ao futebol amador
Por João Neto -João Pessoa
Esquerdinha não quer saber de virar treinador
(Foto: João Neto)
“É ali mesmo”, apontou Esquerdinha, com o dedo mirando o meio-fio da
calçada do Centro Comunitário do Geisel, em João Pessoa, onde ele bate
ponto todas as quartas e sextas para ver o seu filho Matheus, de apenas
13 anos, treinar em uma escolinha do bairro. Com passagem pelo Porto, de
Portugal, e por grandes clubes brasileiros, entre eles o Fluminense e o
Vitória, Marcelo Januário da Silva agora é o rei da várzea na capital
paraibana. É figura carimbada nos jogos amadores da cidade, onde faz
questão de reviver o passado.
Recentemente, Esquerdinha atuou como auxiliar técnico do Botafogo-PB e
do Santa Cruz de Santa Rita. Não por livre e espontânea vontade, mas por
pressão do amigo e treinador Neto Maradona, que foi demitido do Bota na
véspera da estreia da equipe na Copa Paraíba Sub-21.
- Estou com Neto, principalmente pela amizade que nós temos. Por isso,
saí junto com ele do Botafogo. Não tenho a intenção de seguir carreira
de treinador ou algo do tipo. Ele pede ajuda algumas vezes, e eu não
tenho como recusar. É um grande amigo. Além do mais, não consigo ficar
longe dos gramados. Nunca me afastei do futebol desde que resolvi
encerrar a carreira - disse o ex-jogador, que chegou a ocupar a função
de técnico, depois de Neto Maradona ter pedido para deixar o Santa
Cruz-PB nas rodadas finais da segunda divisão do Paraibano.
Nunca me afastei do futebol desde que resolvi encerrar a carreira"
Esquerdinha
Com os mesmos cabelos longos que o fizeram conhecido, agora um pouco
mais grisalhos, é verdade, o ex-jogador dispensa uma sala com
ar-condicionado para contar sua história em uma conversa de 55 minutos.
Prefere o meio-fio. Nada de óculos escuros ou correntes grossas. Ele não
sabe o que é luxo. Está sempre com sandálias e roupas simples. Com
simplicidade, de Caiçara, interior da Paraíba, rumou para o mundo. Seu
roteiro de vida foi bem dirigido. Não lhe faltaram percalços, antagonistas, grandes conquistas e até mesmo algumas decepções.
- Saí de CaIçara e fui para o Botafogo-PB, aos 12 anos. Meu pai não
queria. Dizia que bola não era profissão. A pressão foi grande. Minha
profissionalização foi no Santos-PB, em 1989. Na base, ganhei quase tudo
que joguei. Passei um tempo lá e aí voltei para o Botafogo, em 1992. Quando fui assinar meu contrato, me ofereceram muito pouco. Então,
decidi parar de jogar. Arrumei um emprego e fui ser carregador de
mercadoria e verdura.
Naquele momento, Esquerdinha achava que estava pendurando as chuteiras.
Enganou-se. A vontade de ser jogador de futebol era maior do que
qualquer decepção. E, na primeira oportunidade que apareceu, o coração
falou mais alto. Abandonou o emprego e voltou aos gramados em 1993.
Novamente no Botafogo. Seu destino e sonho eram outros. Embora ele quase
tenha desistido outra vez.
Da esquerda para a direita, Esquerdinha é o último uniformizado em pé (Foto: Acervo Raimundo Nóbrega)
O divisor de águas da carreira do atleta surgiu no ano seguinte. Sob o
comando do ator Nuno Leal Maia, que na época se aventurava como
treinador de futebol, o Botafogo-PB precisava de um lateral-esquerdo.
Coube ao diretor Raimundo Nóbrega perguntar a Esquerdinha se ele queria
atuar na posição. Por uns instantes, a dúvida. Por outro, a certeza de
que ali poderia se firmar e ser titular pela primeira vez como
profissional. Foi o que aconteceu.
- Eu só entrava nos 10 minutos finais do coletivo. Toda vez era isso.
Deu logo vontade de largar de novo. Até que Raimundo, certo dia, pela
dificuldade em contratar um lateral, perguntou se eu tinha interesse em
atuar na posição. Fiquei em dúvida na hora. Só tinha jogado como lateral
em pelada. Mas pensei rápido. "Se eu errar, é porque não conheço a
posição. Se eu acertar, é mérito meu." Resolvi encarar o desafio. Acabou
dando certo, já que virei titular, fiz minha estreia como profissional e
me firmei.
Copa do Nordeste 1994: cobiça de clubes
Esquerdinha mantém a forma em jogos na várzea (Foto: João Neto)
Em 1994, Esquerdinha foi com o Botafogo-PB para a disputa da Copa do
Nordeste. Lá, ele se destacou. Chamou a atenção de empresários,
inclusive do treinador Joel Santana, que estava no Bahia na época. Teve
uma possível transferência para o Fluminense cogitada. Mas foi parar no
Paraguaçuense, da Série A2 do Campeonato Paulista.
O paraibano diz que caiu no conto do vigário. Assinou documento sem
saber do que se tratava. Era um contrato que o prendia a um empresário.
Um desleixo que poderia ter custado caro. E acabou fazendo com que fosse
ignorado por Joel - o técnico havia mandado um recado pelo massagista
que queria levá-lo para o Tricolor das Laranjeiras.
Assinei (um papel) e descobri, enquanto estava indo ao hotel para
conversar com o Joel, que estava vinculado ao Corinthians Alagoano"
Esquerdinha, sobre ter sido 'enganado' por empresário
- Eu fui muito bem naquela competição. Depois da estreia, contra o
Bahia, o empresário foi ao hotel em que nós estávamos e pediu alguns
atletas. Eu não estava no meio. Fiquei chateado. Só que, logo depois,
arrebentei contra o CSA (venceu por 1 a 0). Desta vez, ele veio atrás de
mim. E eu não quis. Resolvi ignorá-lo. Apesar disso, segui focado e
fiz outra grande partida diante do Náutico.
Foi aí que o empresário resolveu procurá-lo
- Um pouco antes disso, o massagista do nosso time (Zominha) me falou
que o Joel Santana tinha mandado um recado de que queria falar comigo.
Pediu para eu não acertar com ninguém. Mas o empresário me deu um papel
para assinar sem dizer o que era. E descobri, enquanto estava indo ao
hotel para conversar com Joel, que aquela assinatura me vinculou a ele.
Fiquei indignado e vim parar em casa, extremamente desiludido.
Em seguida, Esquerdinha explicou como foi parar em São Paulo.
- Não faço a menor ideia como ele descobriu onde eu morava. Mas sei que
ele me disse que havia conseguido este time para eu ir (o
Paraguaçuense), e se eu fizesse oito gols na 2ª divisão do Campeonato
Paulista, ganharia uma casa e um carro. Fui embora. Fiz 12 gols na
competição. Não ganhei o que ele havia garantido, mas recebi a promessa
de que só jogaria em clube grande.
Bahia, Galo e Flu até idolatria no Vitória
A promessa foi cumprida. Imediatamente. E Esquerdinha acertou sua
transferência para o Bahia, em 1995. Logo depois, ainda na mesma
temporada, foi se aventurar no Atlético-MG. Por questões contratuais e
algumas complicações impostas pelo seu empresário, passou pouco tempo
nas duas equipes. Seu próximo destino era o Fluminense.
Ao chegar nas Laranjeiras, um choque de realidade. Olhava para um lado e
via um ídolo. Olhava para o outro, via um campeão mundial pela seleção
brasileira em 2002. O que antes parecia surreal agora nada mais era do
que um capítulo da vida real. E Esquerdinha garante que se emocionou.
Sentiu-se realizado. Mas não amedrontado.
Olhava para Renato Gaúcho, Vampeta, e passava aquele filme na cabeça.
Só tinha visto aqueles caras na televisão. Lembrava logo da minha
comunidade"
Esquerdinha
- Quando eu me apresentei ao Fluminense, confesso que fiquei espantado. Olhava para Renato Gaúcho, Vampeta, e passava aquele filme na cabeça.
Só tinha visto aqueles caras na televisão. Lembrava logo da minha
comunidade. Apesar disso, sempre tive comigo que se eu estava ali é
porque tinha condições. Nunca deixei de acreditar no meu potencial.
Infelizmente, o Flu estava naquela fase ruim, de ser rebaixado, e, como
eles queriam me comprar, o João Feijó (empresário) achou que não era o
ideal.
O empresário do atleta acertou. Esquerdinha foi para o Vitória. Lá, foi
tricampeão baiano, levou o Rubro-Negro a uma competição sul-americana
pela primeira vez e ainda se sagrou bicampeão da Copa do Nordeste. Uma
passagem que, para ele, vai ficar guardada na memória (assista no vídeo acima a um gol de Esquerdinha no clube baiano).
Aos 40 anos, Esquerdinha elege passagem pelo Vitória como mais marcante no Brasil (Foto: João Neto)
- Foi minha passagem mais marcante no Brasil. Sem dúvida. O presidente
havia me visto jogar pelo Bahia uma vez. Ele mesmo me comprou. Nosso
grupo era muito bom. Tinha Bebeto, Petkovic, Russo, Chiquinho e outros
excelentes atletas. Foram três temporadas de muito sucesso. Pena que não
conseguimos aquela classificação para a fase final do Campeonato
Brasileiro de 1997 (o time empatou com o Atlético-MG na última rodada,
no Mineirão, e terminou na nona colocação, um ponto atrás do Juventude).
Porto: história de amor
Esquerdinha chegou ao Porto após fazer sucesso no Vitória (Foto: Divulgação / Porto FC)
O sucesso com a camisa do Vitória rendeu o interesse de vários times.
Até do futebol europeu. Venezia, da Itália, e Porto brigaram pelo
atleta, que preferiu ir para o futebol português. Começava ali uma
história de amor que durou quatro temporadas. E o ápice da carreira de
Esquerdinha, que não esquece suas grandes atuações pelos Dragões.
Tampouco as estrelas do futebol mundial que encarou. De Pepe Guardiola a
Oliver Kahn. Ele lembra de cada detalhe. E fala de um episódio
engraçado, quando teve que superar um dos maiores dilemas da sua vida:
marcar o astro português Luís Figo – Porto e Barcelona se enfrentaram
pela Liga dos Campeões, em 2000, no Camp Nou, e os espanhóis venceram
por 4 a 2.
- Eu sempre fui fã de Roberto Carlos (que na época jogava no Real
Madrid) e, para mim, ele era o melhor da posição. Mas via que nem ele
conseguia marcar Figo direito. Fiquei com aquilo na cabeça. Queria
enfrentar Figo de todo jeito para ver como era. Aconteceu na Champions
League. Pior que antes da partida todo mundo ficava dizendo que eu ia
sair todo torto de campo. No vestiário, um dos meus companheiros, o
lateral-direito Secretário, olhou para mim e falou: "Vamos sair daqui
direto para uma oficina. Você com Figo e eu com Rivaldo." Levei minha
família para ver. Foi tudo muito engraçado, até porque no primeiro lance
ele deu um baita drible em mim. Só que depois ganhei uma bola, em uma
dividida, e moral. Apesar da derrota, fiz um excelente jogo. Fui
aplaudido pelos colegas e por boa parte da torcida.
Esquerdinha disse que adaptação foi tranquila no Porto (Foto: Direitos reservados/Jornal de Notícias)
Os primeiros meses em Portugal foram complicados. Não por questão de
adaptação ao clima, da mudança radical de continente. A maior
dificuldade, segundo o camisa 30 do Porto, foi em relação ao esquema
tático do então treinador Fernando Santos, que o impedia de apoiar como
nos tempos de Vitória.
- Quando cheguei a Portugal, diziam que eu era africano, pelo estilo
agressivo de atuar. No Brasil, eu não me preocupava muito em marcar.
Atuávamos com dois volantes de contenção. Em Portugal, não. O técnico
usava o 4-3-3, com dois pontas e apenas um cabeça de área, que ficava
fixo no meio. Ou seja: tive que fazer um trabalho especial para poder me
acostumar com esta nova necessidade e assim poder me firmar. Após todos
os treinos, durante um mês, ficava com o preparador físico Roger Spry.
Ele tinha feito algo semelhante com o Roberto Carlos. E valeu a pena.
Com 15 dias, eu estava voando – disse Esquerdinha.
Depois de sair do Porto devido à mudança de técnico, o ex-lateral teve
passagens não muito marcantes por Zaragoza-ESP e Acadêmica-POR. Encerrou
a carreira em 2007, no Botafogo-PB. Agora, é o rei da várzea paraibana.
Esquerdinha deixou o Porto após mudança de técnico e foi para Zaragoza (ESP) (Foto: http://globoesporte.globo.com/pb/noticia/2013/02/lembra-dele-ex-jogador-do-porto-esquerdinha-vira-rei-da-varzea-na-pb.html / Porto FC)
FONTE: