Maza no CT do Botafogo, em Marechal Hermes, onde treina e mora com outros atletas
A caminho do porto de Conacri, capital da Guiné, país africano de cerca
de 10 milhões de habitantes, as imagens dos civis mortos pelo exército
meses atrás, em protestos contra o ditador Lansana Conté, ainda estavam
vivas na lembrança de um jovem, à época com 16 anos. Despediu-se do pai,
da mãe e dos seis irmãos, entrou no pequeno barco propulsado a vela e
de apenas um motor com pouco mais que a roupa do corpo. Além disso,
carregava apenas um sonho comum, que contrasta com a história mais que
singular, se tornar jogador de futebol.
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Alguns dias depois, em 28 de janeiro de 2008, os moradores do pequeno
município de São Bento do Norte, litoral do Rio Grande do Norte, se
agitaram com a notícia de uma embarcação encalhada na praia com 13
africanos que buscavam refúgio. Entre eles estava Abdoulaye Maza Sylla,
ou somente Maza, 19 anos e atualmente nas categorias de base do
Botafogo.
“Desde criança sempre gostei muito de jogar bola. Quando meu pai
perguntava o que gostaria de ser, a única coisa que vinha na minha
cabeça é que queria ser jogador. Quando fiz 16 anos, começamos a falar
sobre isso, de ter uma oportunidade de ir para fora do país. No início
meu pai não concordou, mas depois acabou me deixando ir. Até existem
clubes de futebol lá na Guiné, mas não são como aqui, que tem uma
estrutura para a garotada tentar realizar seu sonho. Tudo ainda é muito
amador”, explicou o meia no centro de treinamento do clube carioca, em
Marechal Hermes, com bom português e traços do sotaque francês da terra
natal.
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Antes de chegar ao Botafogo, no começo deste ano, Maza se tornou um
andarilho do futebol. Adotado pelo marinheiro Waldemar Câmara de Góis
Júnior, que ouviu a história do jovem nos jornais locais e decidiu
ajudar traduzindo as conversas para o francês, Maza conseguiu documentos
para permanecer no Brasil e acabou atuando nas categorias de base do
Alecrim, equipe de Natal que disputa a terceira divisão do Campeonato
Brasileiro.
“Fizemos um bom campeonato com o Alecrim e um empresário me levou para o
juvenil do Santos, mas não fiquei porque disseram que o documento que
eu tinha era provisório e não poderiam fazer um contrato. A CBF não
aceitaria. Voltei para Natal e fui direto para o ABC, mas meu empresário
acabou desistindo de mim pela questão da documentação e nunca mais tive
notícias dele. Um mês depois a documentação ficou pronta e eu podia
assinar qualquer contrato”, relembrou Maza.
Foto: Divulgalção
Maza, de 19 anos, durante treinamento nas categorias de base do Botafogo
Ao ouvir o nome do jovem africano, o gerente das categorias de base do
Botafogo, Sidnei Loureiro, repete quase ao mesmo tempo a palavra que
sintetiza parte da personalidade do jogador: “animado”. Bastam alguns
minutos caminhando ao lado do meia em Marechal Hermes, onde Maza treina e
mora desde março, para confirmar as palavras. Praticamente todos os
funcionários param para brincar ou provocar o guineano. “Não faz muito
tempo que ele chegou, mas já está bem enturmado. Os outros atletas têm
um carinho muito grande por ele, que está sempre animado e rindo”,
contou Loureiro.
Apesar de estar separado do convívio da família pelo oceano Atlântico, a
realidade de Maza é parecida com a de muitos outros jovens de outros
estados do país que moram nas instalações do clube. Todos recebem
suporte para encarar a distância e a solidão. “A vida não é fácil para
um garoto que está tentando ser jogador. Apesar da família dele estar em
outro país, a preocupação é igual a que temos com os outros atletas que
moram na concentração. Temos a assistente social e a psicóloga que
fazem um trabalho de apoio”, disse o gerente da base.
É no quarto da concentração, pelo computador, que Maza mata saudade da
família. De duas a três vezes por semana, o jogador conversa com os pais
por um programa que realiza ligações gratuitas pela internet. E muitas
vezes são nas conversas que encontra forças para continuar tentando
alcançar o sucesso no mundo do futebol. “Várias vezes pensei em voltar,
mas minha mãe e meu pai me motivam e dão força para ficar. Eles falam
para não se preocupar com eles, para que eu faça tudo para conseguir
realizar meu sonho. É muito tempo sem ver eles, mas eles dizem que estou
mais perto do que longe”, revelou o jovem.
Uma vez por mês, Maza veste o jeans e os óculos comprados com orgulho
com o dinheiro economizado e vai ao Banco do Brasil, onde envia cerca de
R$ 700 aos pais. O valor, que na Guiné vale muito mais, financia os
estudos dos irmãos e complementa a renda familiar. O pai é motorista de
caminhão no aeroporto da cidade, enquanto a mãe é farmacêutica. “Levava
uma vida razoavelmente boa comparada a outras pessoas, porque lá a
pobreza é muito, muito grande. Tudo é difícil. Acabava estudando de
manhã e jogando bola de tarde para esquecer os problemas”, disse Maza.
Segundo dados de 2008 da Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas 19%
da população do país têm acesso a rede sanitária. A taxa de
alfabetização de pessoas com 15 anos ou mais é de 29,5%, de acordo com a
Organização das Nações Unidas (ONU). A Guiné está na 156ª colocação no
ranking do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, que contém 169
países. Por isso, a esperança de Maza é fazer sucesso no futebol
brasileiro e poder trazer a família para o Brasil. As principais
lembranças da terra natal ainda são de tristeza.
“Pouco antes de vir para o Brasil, a população se revoltou com o
presidente que estava no poder desde 1984, (Lansana Conté, que morreu em
dezembro de 2008) um ditador que não ajudava a população, só pensava
nele. Houve uma revolta e os militares reagiram e mataram muita gente,
foi uma situação muito triste. Quando estiver tudo bem aqui, queria
trazer minha família para o Brasil, para que meus irmãos possam estudar e
que meus pais fiquem do meu lado. Aqui eles vão ter uma
vida bem
melhor, não vão ficar com tanto medo. Essa é minha ideia", confessou
Maza.
Não era incomum observar um jovem correndo de ponta a ponta da praia
'dos Artistas', nos primeiros raios da manhã em Natal. Preocupado em
manter uma boa forma física boa desde que chegou ao Brasil, Maza corria
sozinho e tentava ganhar uma vantagem qualquer na disputa com outros
jovens. Meia-atacante de força física e explosão, o jovem revela que
melhorou a parte técnica e tática no Brasil. Para não desviar do foco,
também evita as festas, e tentações comuns da sua idade.
Maza sonha em trazer a família ao Brasil
"Durante a semana é aquela rotina diária de treinamentos e
academia, descanso. Mas quando chega o final de semana, muitos vão
embora para suas casas em outras cidades do Rio de Janeiro. Eles até me
chamam para ir em alguma festa, mas eu acho melhor ficar. É difícil
perder um período da vida, mas no final acredito que vai valer a pena
todo esse esforço. A gente tem que abrir mão de algumas coisas para ter
outras na vida".
Tirando Neymar do sério
Foram apenas dois meses treinando nas categorias de base do Santos, mas
tempo suficiente para ter atuado ao lado da principal esperança da
seleção brasileira na disputa da Copa América, na Argentina, neste mês.
Durante o tempo que ficou na Vila Belmiro, Maza conheceu Neymar e se
lembra bem do estilo do atacante santista fora dos campos, e do dia em
que deixou o craque irado.
“Ele é muito brincalhão, mas ele gosta mais de rir dos outro, não gosta
quando brincam com ele. Um dia, um dos garotos do time disse para eu
chamar ele de ‘sagüi’. Ele sempre me zoava porque eu ainda não falava
direito português, então ele ficava pedindo para eu falar as palavras e
se divertia. Quando eu chamei ele de sagüi, ele ficou muito bravo
(risos), foi engraçado. Ele fazia muita festa, brincava com os ropeiros,
técnicos, todos”, diz Maza, que aponta Neymar como melhor jogador do
país na atualidade. O outro ídolo é o recém aposentado atacante Ronaldo.
"É o melhor jogador que vi em toda vida", admite.
A motivação de Maza para seguir está em Cidinho, Lucas Zen, Caio, Alex,
Milton Rapahel e outros jogadores que eram das categorias base da
equipe carioca e hoje recebem oportunidades no time principal. Com 19
anos, o guineano está no limite da categoria juniores e tem contrato com
o Botafogo até dezembro para mostrar que poder ser útil. Caso
contrário, deve ter que procurar outra equipe. O primeiro desafio
acontece no próximo domingo, na primeira partida da final do Campeonato
Carioca de Juniores. Mas se não conseguir agora, para Maza tudo bem.
Para quem cruzou o oceano, começar de novo nunca parece tão complicado.
FONTE:
http://esporte.ig.com.br/futebol/jovem+africano+tenta+brilhar+no+botafogo+para+reencontrar+familia/n1597057817652.html