Atreva-se
a tirar a bola do pé esquerdo de Lincoln. É missão difícil até para os
profissionais, embora ele tenha apenas 16 anos completados em novembro.
Impossível mesmo, no entanto, é arrancar do garoto franzino e ligeiro o
sonho de ganhar o mundo com a tal bola no pé. Nada o faz parar de
correr, chutar, treinar e sonhar. Nem a morte do pai. A curta história
de vida do jovem humilde e de nome pomposo mostra que impressionar
Felipão num único treino pode ser quase brincadeira de criança. Criança
essa que Lincoln ainda poderia ser. Mas não é. Tornou-se esperança da
família e do Grêmio. A joia reluzente da Arena para 2015.
Lincoln veste a camisa do Grêmio e também
é convocado para seleções de base (Foto:
Carlos Macedo/Agência RBS)
Lincoln
Henrique dos Santos tem uma vida dedicada ao Grêmio. Começou nas
escolinhas alojadas no bairro Cristal, com vista inspiradora para o
Guaíba, com oito anos. Aos dez, passou a frequentar os times da base. Em
2011, com 11 anos, sofreu um baque que poderia ter lhe tirado o norte. O
pai Natalício morreu. Um dos treinadores da base, Luiz Gabardo Júnior
ficou sabendo da triste notícia e só não ficou mais abatido porque a
surpresa de avistar Lincoln indo treinar o deixara estupefato.
- Bah, cara, tu conseguiste treinar? - questionou Gabardo, que só seria treinador de Lincoln três anos mais tarde.- Fazer o quê?
"Pode ser o melhor do mundo", disse o pai
A
resposta foi curta, mas não foi grossa. Educação não parece faltar a
Lincoln, que faz da sua família uma fortaleza. E uma escola. Tem seis
irmãos, sendo três homens. Assim como o pai, taxista e trabalhador na
construção civil, todos jogaram ou jogam futebol, em clubes ou de forma
amadora.
Um dos irmãos, lateral e volante Leonardo Rincón, 18 anos, está
na base do Corinthians. Sobram, portanto, dicas e conselhos. Por isso,
basta bater um papo rápido com o jovem para ver que sua maturidade
transcende os 16 anos.
Joia de 2014, Luan se tornou titular no início do ano é a principal aposta de grande venda para esta janela
Assim
como a voz. É cavernosa, muito grave. Se Felipão não tivesse se
apercebido de seu talento, poderia facilmente cantar sambas Brasil
afora. Até porque o repertório já tem. Antes de morrer, seu pai compunha
uma música especial para a família. Ela nunca fora gravada, mas Lincoln
leva letra e melodia na cabeça do que chama de “hino da família”. Se um
dias fizer três gols num jogo, por que não estreá-la em nível nacional
com pedido no Fantástico? Pode ser um bom começo. O fim, ele planeja
mais grandioso. Lincoln quer honrar o nome ousado e a memória do pai e
conquistar o mundo.
- Ele falou para mim que nasci para ser
vencedor. Das poucas vezes que me viu jogar, disse que eu poderia ser o
melhor do mundo. Se Deus quiser, um dia vou honrar essa promessa que eu
fiz para o meu pai - define, entre a saudade e a ambição.
Lincoln no treino de agosto em que conquistou
Felipão (Foto: Diego Guichard)
Felipão o chamou de "diamante negro"
O
primeiro passo para ganhar o planeta foi dado em 18 de agosto. Longe do
glamour que paira sobre seus ídolos Ronaldinho e Messi. Era um treino
de praxe no velho gramado suplementar do Olímpico. Os garotos do sub-17
desafiariam os reservas que não atuaram na partida anterior do Grêmio,
pelo Brasileirão. Lincoln foi tão bem que, no segundo tempo da
atividade, foi puxado para a equipe profissional reserva. Destacou-se
ainda mais.
Assim que terminou o treino, Felipão voltou-se para
Luiz Gabardo Júnior, ávido por aproveitar o moleque. Ouviu uma resposta
angustiante. Lincoln ainda tinha 15 anos e sequer firmara contrato
profissional. Precisava completar 16 para tal.
Ele falou para mim que nasci para ser vencedor. Das poucas vezes que me
viu jogar, disse que eu poderia ser o melhor do mundo. Se Deus quiser,
um dia vou honrar essa promessa que eu fiz para o meu pai
Lincoln
- Mas quando ele faz aniversário? - insistiu Scolari, que o definiria como "diamante negro".
Faltavam
três meses ainda. Imediatamente a cúpula gremista tratou de “esconder” a
joia descoberta. Vitrine excessiva naquele momento poderia custar a
vida longa ao projeto de craque no Grêmio.
O zelo deu resultado
e, ao celebrar 16 anos em 7 de novembro, Lincoln assinou seu primeiro
contrato profissional, por três anos. Garantiu, de quebra, uma vaga no
grupo que fará a pré-temporada em janeiro. Sem contar a festa em casa. A
notícia da renovação foi comemorada com espumante e explosão de alegria
digna de um gol em final de Copa do Mundo.
- Coloquei na cabeça
que era a oportunidade da minha vida. Não sabia, podia ser o último
treino, não haveria mais... Fui sem medo de errar. A partir dali, a
minha vida mudou.
A mão de Sonda muda tudo
Lincoln treina nas férias no litoral para manter a forma antes da pré-temporada (Foto: Arquivo Pessoal)
Na
verdade, a mudança havia começado um pouco antes. E fora do campo. A
DIS, grupo de investidores chefiado pelo influente empresário Delcir
Sonda, passou a tomar conta dos negócios do garoto desde os seus 14
anos. Em 2012, a mãe Clode foi surpreendida com o rasante de um carro
importado na sua antiga e humilde morada no bairro Lomba do Pinheiro, em
Porto Alegre. Eram os emissários de Sonda, dispostos a cuidar do jovem.
Mais ligado ao Inter, por envolvimento nas negociações de
Aránguiz, Nilmar, entre outros, Sonda virou mais do que um agente. Tudo o
que Lincoln precisar o empresário não poupa esforço e dinheiro para
atender. Assim foram com suas roupas, o celular da moda até aquisições
mais relevantes, como o apartamento próximo ao Olímpico e, atualmente,
uma casa para a mãe no bairro Guarujá.
Quem acompanha a carreira
do prodígio com marcação cerrada é o irmão mais velho. Natalício
Natalício Rick Davis, 30 anos, foi quem atendeu a ligação do
GloboEsporte.com. Antes de passar o telefone a Lincoln, que descansa
neste final de ano no litoral gaúcho, em casa providenciada por Sonda,
alerta que não gostaria de ver em pauta assuntos como contratos,
salários, valores (nos últimos dias, assinou contrato com a
multinacional Nike).
Na seleção: polêmica com Gallo e gols
O
negócio de Lincoln é, mesmo, jogar bola. Houve uma vez em que a sua
qualidade, no entanto, ficou em segundo plano. Em 2013, teve problemas
com o coordenador da base da CBF, Alexandre Gallo, descontente por seu
corte de cabelo, que tinha a inscrição “L10” raspada na cabeça.
Bate falta que é brincadeira. Dos que passou pelas minhas mãos, é um dos mais diferenciados que vi
Luiz Gabardo, treinador da base do Grêmio
O
tempo e uma boa máquina zero foram suficientes para ele retornar com
tudo à seleção. Em sua última convocação à sub-17, anotou seis vezes em
sete partidas. Apesar dos gols em profusão, Luiz Gabardo Júnior define
Lincoln como um meia canhoto clássico. Um armador de jogadas, com
vocação maior para deixar os atacantes na cara do gol.
- É um
meia-atacante, como a última ponta de um losango no meio-campo. Tem um
bom biotipo para sua categoria. Aos poucos, amadureceu bastante seu
jogo. Era um peladeiro, muito bom, com talento. Agora, sabe jogar o
jogo. Ficou mais forte, ganhou mais massa muscular... - diz Gabardo, que
o conhece desde os dez anos e se derrete mesmo ao falar da bola parada:
- Bate falta que é brincadeira. Dos que passou pelas minhas mãos, é um
dos mais diferenciados que vi.
- Me inspiro muito no Ronaldinho nas cobranças de falta - define o garoto.
Lincoln
não descuida dos estudos e mantém a linha compenetrada na escola
estadual que frequenta em Porto Alegre. Também começou a fazer aulas de
inglês e espanhol. O tom extrovertido surge apenas nas vestimentas
largas, nas correntes e brincos espessos e no boné de aba reta que
costuma esconder seus olhos fundos. Mas não consegue ocultar a
felicidade de quem joga pelo pai, pelo futuro e, principalmente, por
vocação. Não é a toa que está cada vez mais difícil tirar a bola de seu
valioso pé esquerdo.
> Confira a letra da música feito pelo pai de Lincoln:
Por toda a minha vida sei que iria me arrepender
Se falasse aquele dia do encontro que tinha com você
Nem mesmo a chuva que caía na cidade me tirou
A vontade de me encontrar com você, é…
Mas a chuva que caía eu nem sentia
Para mim, parecia orvalho
Era dia de seu aniversário
Mas eu estive pensando
E cheguei a ficar descontente
Pois não tinha na mão um presente
Para entregar a você
Mas quanto eu te encontrei
Radiante de felicidade
Compreendi que na verdade a nossa presença
Era o maior presente para você
Lincoln (primeiro à esquerda) ainda pequeno, em
2009, com os irmãos, em seu antigo lar
(Foto: Arquivo Pessoal)
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FONTE:
http://glo.bo/1wV1gWA