Ranking mostra que quase todos grandes
eventos têm arenas sem uso. Engenhão aparece no meio da lista, mas
Brasil corre riscos para 2014
Por Rafael Maranhão
Direto de Estocolmo
Elefantes brancos são mais fáceis de encontrar em grandes cidades do
que na natureza. A espécie albina do animal de tromba e quatro patas
raramente sobrevive nas savanas e florestas. Mas a versão urbana, ainda
mais pesada, espalha-se com facilidade por sedes de torneios esportivos.
Novos exemplares devem aparecer ainda neste ano em Londres, Varsóvia e
Kiev após as Olimpíadas e a Eurocopa. Arenas que custam milhões e que
ficam praticamente sem uso. Segundo um estudo publicado na Dinamarca,
quase nenhum grande evento nos últimos 16 anos escapou de um elefante
branco. Os maiores deles estão no Japão e em Portugal. Os próximos,
talvez no Brasil.
O "World Stadium Index" (WSI, "Índice dos Estádios do Mundo" em inglês)
é um relatório do Instituto Dinamarquês de Estudos do Esporte (Idan) em
parceria com a organização "Play the Game" que investigou 75 arenas em
20 países construídas entre 1996 e 2010 para grandes competições
esportivas. A lista inclui Jogos Olímpicos, Copa do Mundo, Eurocopa,
Copa Africana de Nações, Jogos Pan-Americanos, Jogos Asiáticos, Jogos
Pan-Africanos e Jogos da Comunidade Britânica. O índice WSI é baseado no
total de público dos estádios durante o ano de 2010 (em eventos
esportivos ou não) dividido pela capacidade desses estádios. Os custos
de construção também foram levados em conta. Por causa da falta de
informações disponíveis sobre algumas arenas, sobretudo na África,
apenas 46 dos 75 estádios analisados aparecem no ranking.
Engenhão é o único estádio brasileiro no ranking "WSI" (Foto: Janir Júnior / Globoesporte.com)
Segundo o estudo, coordenado pelo pesquisador Jens Alm, a arena com
pior WSI e, portanto, o elefante branco número 1 encontra-se em Nagano,
no Japão. O Estádio Olímpico da cidade foi construído para os Jogos de
Inverno de 1998. Não é nem de longe o mais caro da lista (US$ 108
milhões) mas é o que menos tem uso. Atualmente, serve de casa para o
Shinano Grandserows, time de beisebol de uma liga semi-profissional
japonesa. Em 2010, a arena de 30 mil lugares recebeu apenas 11 partidas
durante todo o ano, com uma média de apenas 1.620 torcedores por jogo
(índice WSI, 0.6)
O único estádio brasileiro no WSI é o Engenhão, o Estádio Olímpico João
Havelange, no Rio de Janeiro. Construído para os Jogos Pan-Americanos
de 2007, ele também será o local das competições de atletismo das
Olimpíadas de 2016. Os pesquisadores citam o fato de o Engenhão ter
custado quase três vezes mais do que os US$ 70 milhões estimados
inicialmente, com cada assento ao preço de US$ 4.263, o 28º mais caro
entre os 75 estádio do estudo. Baseado nos números da temporada 2010, a
frequência de utilização do estádio foi considerada boa (WSI, 12),
aparecendo em 23º lugar entre 46 arenas. Mas o estudo questiona o que
irá acontecer após a reabertura do Maracanã.
OS CINCO MAIORES ELEFANTES BRANCOS SEGUNDO O RANKING DINAMARQUÊS: |
POSIÇÃO |
ESTÁDIO |
LOCAL |
EVENTO |
WSI* |
46º |
Estádio Olímpico de Nagano |
Japão |
Olimpíadas de Inverno 1998 |
0.6 |
45º |
Miyagi Stadium |
Japão |
Copa do Mundo 2002 |
1.5 |
44º |
Khalifa Stadium |
Qatar |
Jogos Asiáticos 2006 |
1.8 |
43º |
Municipal de Aveiro |
Portugal |
Eurocopa 2004 |
2.0 |
42º |
Dr.Magalhães Pessoa |
Portugal |
Eurocopa 2004 |
2.7 |
*O WSI é o número de vezes por ano em que um estádio teria
ficado com lotação esgotada, dividindo o total de público pela
capacidade da arena |
"O número de espectadores do Estádio Olímpico irá provavelmente
diminuir pois Flamengo e Fluminense deverão disputar seus jogos
novamente no Maracanã. A média de público do Botafogo sozinho contribui
apenas para um índice modesto. A pista de atletismo também deverá
receber poucos eventos após as Olimpíadas", diz o estudo.
Além da arena de Nagano, outros três dos quatro piores colocados são
estádios construídos para torneios de futebol. A arena com o segundo
pior WSI também fica no Japão. O Miyagi Stadium, em Rifu, custou US$ 318
milhões e tem capacidade para 49.133 pessoas. Foi sede de três
confrontos na Copa do Mundo de 2002, um deles a surpreendente eliminação
da Argentina na primeira fase após um empate em 2 a 2 com a Suécia. A
exemplo de outras arenas do Mundial, raramente enche. No ano do estudo,
foi palco de quase 80 eventos, mas em média não passou de mil
espectadores.
Em Rifu, as principais equipes de futebol, Vegalta Sendai, e beisebol,
Tohoku Rakuten Golden Eagles, já tinham seus próprios estádios e
continuaram a usá-los após a construção do Miyagi Stadium. O mesmo
problema ameaça o Estádio Olímpico de Londres (preço: US$ 750 milhões) e
o Estádio Nacional de Varsóvia (US$ 650 milhões), sede do jogo de
abertura do Euro 2012, cidades onde os clubes locais já contam com os
próprios campos.
Estádio Olímpico de Londres ainda não tem 'dono'
para depois dos Jogos (Foto: Getty Images)
No caso de Londres, a negociação sobre quem vai tomar conta da arena
olímpica depois dos Jogos já se arrasta há mais de três anos. Um dos
principais motivos é o futuro da pista de atletismo. O Tottenham
interessou-se em arrendar a arena mas retirando a pista e
transformando-a num estádio apenas para futebol - a exemplo do que foi
feito no Etihad Stadium, do Manchester City, construído para os Jogos da
Comunidade Britânica de 2002. Manter a pista de atletismo foi o
depromessa feita ao COI quando da vitória da candidatura londrina, por
isso, a proposta do clube foi descartada.
Outro time londrino, o West Ham, apresentou um projeto mantendo a área
para atletismo mas com alterações na cobertura da arena e assentos
retráteis que ficariam a cargo da administração do estádio e custariam
ainda mais dinheiro aos cofres públicos. Ainda assim, parecia o favorito
a assumir o local. Na última terça-feira, porém, o processo de
apresentação de projetos foi estendido por mais oito semanas. O risco de
o Estádio Olímpico virar um elefante branco continua.
Por causa de situações como esta, o estudo dinamarquês questiona tanto o
legado esportivo quanto o desperdício de dinheiro das cidades que
constroem estádios para grandes eventos.
"Em vez de levar em conta as necessidades locais, muitos responsáveis
pelos estádios escolhem construi-los levando em conta a exigências
externas. Isso faz com que muitas arenas não se adaptem ao uso diário
depois dos eventos, resultando não apenas em estádios vazios e um legado
esportivo negativo, mas também em custos mais altos de manutenção para
os proprietários - normalmente estados e municípios. Eventos semanais
capazes de atrair bom público são fundamentais para que uma arena não se
torne um grande prejuízo", diz o estudo.
O relatório também critica as organizações esportivas pelas exigências
em relação à capacidade das arenas, lembrando que tanto Fifa quanto Uefa
não aceitam estádios com menos de 40 mil lugares na Copa do Mundo e na
Eurocopa.
"Afrouxar as exigências de infraestrutura dos estádios não diminuiria
as preocupações com segurança, mas reduziria a pressão em relação à
capacidade e o número de estádios que cada candidato precisa para
organizar um evento de grande porte", acrescenta.
OS CINCO PRIMEIROS COLOCADOS DO RANKING DINAMARQUÊS |
POSIÇÃO |
ESTÁDIO |
LOCAL |
EVENTO |
WSI* |
1º |
Turner Field |
EUA |
Olimpíadas 1996 |
50.6 |
2º |
Sapporo Dome |
Japão |
Copa do Mundo 2002 |
46.4 |
3º |
Allianz Arena |
Alemanha |
Copa do Mundo 2006 |
33.3 |
4º |
RheinEnergie Stadion |
Alemanha |
Copa do Mundo 2006 |
22.2 |
5º |
Stadion Letzigrund |
Suíça |
Eurocopa 2008 |
20.3 |
*O WSI é o número de vezes por ano em que um estádio teria
ficado com lotação esgotada, dividindo o total de público pela
capacidade da arena | | |
Portugal aparece com dois estádios entre os cinco maiores elefantes
brancos, ambos levantados para o Euro 2004 em cidades onde os times de
futebol não costumam atrair grande público, a exemplo do que pode
acontecer no Brasil após 2014 em sedes como Brasília, Cuiabá e Manaus.
Quarto pior WSI, o Estádio Municipal em Aveiro tem capacidade para
30.127 espectadores mas a equipe da casa, o pequeno Beira-Mar, não atrai
nem 4 mil torcedores em média. Enquanto isso, a prefeitura local gasta
US$ 5,3 milhões por ano em custos de manutenção e discute a demolição da
arena. O quinto maior elefante branco, o Estádio Dr. Magalhães Pessoa,
em Leiria, não foi sequer usado pelo rebaixado União Leiria na última
temporada. A arena de US$ 121 milhões foi construída para receber apenas
dois jogos do Euro 2004.
O Khalifa International Stadium em Doha, no Qatar, tem o terceiro pior
WSI. Construído para os Jogos Asiáticos de 2006, ele será uma das sedes
da Copa do Mundo de 2022, com sua capacidade passando dos 50 mil atuais
para 68 mil lugares. Desde sua abertura, foi também local de partidas da
Copa da Ásia e dos Jogos Pan-Árabes em 2011, mas passa a maior parte do
ano vazio. O estudo lembra que o Qatar, que já tem problemas de público
com os estádios atuais, ainda irá construir ou reformar outras dez
arenas até o Mundial.
Bons exemplos também existem. A Copa do Mundo de 2006 na Alemanha é o
evento mais bem sucedido entre todos os analisados pelo estudo. As novas
arenas, os preços dos ingressos mais em conta do que das outras grandes
ligas europeias, o equilíbrio entre os times e o bom momento da seleção
alemã, cuja maioria dos jogadores atua no país, são alguns dos fatores
que explicam o porquê de a Bundesliga ser o campeonato de melhor média
de público da Europa.
Estádio Olímpico de Nagano, no Japão, é o maior elefante branco do mundo (Foto: Getty Images)
Dois estádios do Mundial de 2006 aparecem entre os quatro melhores dos
75 avaliados pelo WSI. A Allianz Arena, casa do Bayern de Munique e
local da final da Liga dos Campeões, ficou em terceiro e o RheinEnergie,
estádio do Colonia, recém-rebaixado na Bundesliga, em quarto. Mas nem a
Alemanha escapou do seu elefante branco, por causa de uma sede
escolhida por motivos mais políticos do que esportivos. Leipzig foi a
única cidade da antiga Alemanha Oriental a receber jogos da Copa do
Mundo de 2006, mas mesmo na época não contava com equipes nas duas
principais divisões do futebol alemão. O Zentralstadion, hoje RB Arena,
foi arrendado por um time da Quarta Divisão, o RB Leipzig, cujos
torcedores nunca ocupam mais do que um quarto dos 44.345 lugares.
No lado oposto da lista dos elefantes brancos, o estádio de melhor
índice entre todos foi o Turner Field, na cidade americana de Atlanta,
construído para ser o estádio olímpico dos Jogos de 1996. Desde então,
foi transformado numa arena de beisebol com capacidade para 49.586
espectadores e virou a casa do Atlanta Braves, equipe da Major League
Baseball. Em segundo lugar ficou o Sapporo Dome, no Japão, construído
para apenas três partidas do Mundial de 2002. Após a Copa, passou a ser
utilizado não apenas para jogos de futebol e beisebol mas também uma
série de outros eventos, desde shows de música até competições de esqui e
ralis.
Palco da final da última Champions, Allianz Arena é exemplo de estádio bem aproveitado (Foto: EFE)
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2012/05/estudo-revela-os-maiores-elefantes-brancos-entre-os-estadios-do-mundo.html