Ex-jogador fala do clima de histeria que
envolvia time antes e após Barcelona, da emoção do bi em 2004 e do
sonho de ser campeão como técnico
Por Danielle Rocha e Leo Velasco
Rio de Janeiro
Giovane com as medalhas de Barcelona e Atenas
(Foto: Tria Sports / Divulgação)
O tempo se encarregou de puir, mas não conseguiu tirar a aura mágica
que aquela camisa tem até hoje para Giovane. Mesmo 20 anos depois, ele a
deixa ao alcance das mãos. E sempre que precisa resgatar boas coisas, a
tira do armário. Num piscar de olhos está de novo em Barcelona, com 21
anos, jogando e cantando com os amigos, com uma medalha de ouro olímpica
no peito. As histórias foram contadas e recontadas aos filhos, que
demoraram a entender que aquele homem que chamam de pai tinha feito
parte de uma geração inesquecível e que ainda era apontado como o galã
daquela equipe.
- Aquele time se mantém vivo na cabeça das pessoas. Só não sei se meus
filhos têm muita noção do que foi realmente porque não existe isso
agora. Por mais que a seleção continue ganhando, não tinha a febre da
nossa época. Ao ponto de sermos comparados a uma banda de rock, devido à
histeria. Mas meus filhos sabem que foi um grande momento. O
ensinamento que deixamos para as gerações futuras foi como se comportar
fora da quadra e não deixar que nada de fora interfira dentro dela. O
assédio antes e, principalmente depois do ouro, era ótimo e dava muito
trabalho. Eu me casei antes das Olimpíadas de 92, imagina, e me fiz de
bobo muitas vezes. Era cantado todo dia pelo menos três vezes. Muita
gente se hospedava no mesmo hotel, pulava muro de vestiário. Era uma
histeria que não existe hoje porque tem mais ídolos e acesso - disse.
Giovane festeja a vitória do Brasil sobre a Holanda na final de Barcelona 92 (Foto: Agência Getty Images)
Apesar dela, o time não se deslumbrou. Encarou os Jogos com seriedade,
fez da harmonia o seu grande trunfo para bater adversários que em tudo
pareciam mais fortes e melhores.
- A gente rompeu uma barreira, o fato de achar que a gente é pequeno e
não pode. A gente imaginava chegar em quarto lugar porque a geração
anterior a nossa tinha ficado em segundo em Los Angeles-84 e no também
no Mundial de 82. E tinha essa barreira de achar que a gente não
treinava igual, não tinha o uniforme igual. Ali mostramos que é possivel
vencer sim. E não foi sorte.
Foi sonho. Quando as vitórias começaram a se acumular, Tande tratou
logo de arrumar uma trilha sonora. Precisou entoar apenas dois versos de
"Sonhar não custa nada", samba da Mocidade, para receber o aval dos
companheiros. No dia 9 de agosto, a cantoria se repetiu. E terminou na
Vila, com todos comemorando aquela façanha comendo sanduíches.
Após título da Superliga, Giovane recebe abraço dos
filhos (Foto: Danielle Rocha / Globoesporte.com)
- Voltamos para a Vila quase meia-noite, com medalha no peito, todo
mundo cantando abraçado. A comemoração foi assim. Fomos comer na
lanchonete, todos juntos, como foi a nossa marca durante toda aquela
campanha. A alegria era enorme. Aquele era um grupo jovem, sem problema
nenhum. Tínhamos menos condição e preparo do que a seleção tem hoje. Mas
era a primeira Olimpíada da maioria, e foi motivamente. Lembro da
euforia, da alegria da equipe de estar ali. Quando as vitórias começaram
acontecer, essa alegria ficava contagiante e a gente cantava muito
aquele samba, porque nosso sonho era tão real... A gente se divertiu
muito mais do que qualquer outro grupo porque, embora não fôssemos
amadores, tínhamos menos peso do que os jogadores têm hoje, pelo
movimento que o vôlei atingiu.
Depois dali, a vida mudou. Os compromissos aumentaram, a fama, o
assédio e a conta bancária também. O problema é que eles ainda não
estavam preparados para passar por tudo aquilo. O preço seria cobrado em
Atlanta-96.
- Houve uma carga excessiva. Eu pelo menos sofri, no bom sentido. A
vida mudou muito. Nos amistosos ninguém queria ver o time reserva jogar.
Os titulares ficaram expostos e eram obrigados a jogar porque a empresa
estava pagando. Existia pressão sobre o Zé Roberto para que todos
jogassem. E, em alguns momentos, não estavamos bem. E tinha aquela coisa
da fama, da propaganda, do ganhar dinheiro... Gerou inveja, ciúmes e
sentimento ruim. De 2001 para cá o Brasil ganhou muitos títulos e não
sofreu.
Giovane (à esquerda) comemora o bi nas Olimpíadas de Atenas-2004 (Foto: Getty Images)
Giovane fala com conhecimento de causa. Viveu os dois momentos e teve a
sorte de novamente sentir a emoção de subir ao pódio olímpico, em
Atenas-2004. Desta vez, mais experiente, sob a batuta de Bernardinho e
ao lado de jogadores que tiveram sua geração como inspiração. Se eles
ainda continuam dentro de quadra, Giovane preferiu trocar o uniforme.
Virou técnico, conquistou o título da Superliga 2010/2011 com o Sesi e
trabalha com um desafio em mente: ganhar uma medalha nos Jogos como
treinador.
- Para fazer bem feito, tem que ter objetivo e sonho. Fiquei 20 anos
longe da família e, para ficar mais 20, tem que ser por um motivo muito
grande. O dia a dia se torna convidativo a passar por tudo de novo.
Continuo pensando dessa forma e trabalho para isso. Não vou negar que é
um sonho.
Giulia durante treino da seleção infantil no CT de Saquarema (Foto: Alexandre Arruda/CBV)
Giulia e Gianmarco, os mais velhos dos quatro herdeiros de Giovane que
se arriscam no vôlei, parecem querer o mesmo. Na temporada passada, com
15 anos, ela já chegou à seleção brasileira infantil.
- Gosto de dizer que não fico botando muita pilha não, porque já
carregam um peso grande. Se conseguirem vestir a camisa seleção e
chegaram às Olimpíadas, será muito bacana. E eu já sei o que vão passar.
Se forem médicos o orgulho de pai será o mesmo. A família ia gostar de
ter um sucessor na quadra, mas estamos bem resolvidos com relação a
isso.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/olimpiadas/noticia/2012/08/giovane-sobre-selecao-de-92-eramos-comparados-uma-banda-de-rock.html