Há algo de infantil no futebol brasileiro. Não é a juventude de Neymar,
sua magia e idolatria entre as adolescentes. Não são as dancinhas e
coreografias, e muito menos o João Sorrisão. O que há de mais pueril é a
imagem de uma brincadeira de criança: a ciranda. A inocência, no
entanto, passa longe dos gramados tupiniquins, e a diversão é toda dos
mais experientes: os treinadores.
Não entendeu o jogo? Veja na prática como funciona. Muricy Ramalho
deixou o Fluminense em março deste ano para assumir o Santos, onde
trabalhou Adilson Batista até fevereiro. Adilson Batista foi
demitido no último domingo do São Paulo,
por onde passou Paulo César Carpegiani depois de treinar o Atlético-PR.
Antes, porém, o mesmo Adilson Batista havia dirigido o Furacão, que
também teve Renato Gaúcho, que há pouco estava no Grêmio, onde está
Celso Roth, que iniciou o ano no rival Inter. Após Roth, o Colorado
anunciou em agosto Dorival Júnior, ex-Atlético-MG, hoje comandado por
Cuca, que estava no Cruzeiro antes de Joel Santana sair do Botafogo,
assumir o comando da Raposa em junho, ser demitido após 72 dias e parar
no Bahia.
Confuso, não? Mas é assim que funciona. Com poucos nomes no cenário dos
principais clubes, o futebol brasileiro tornou-se nos últimos anos uma
ciranda de treinadores. As trocas de comando são muitas, mas os nomes
são quase sempre os mesmos. Dos 20 treinadores da Série A, nove (45%) já
estiveram em outro clube da Primeira Divisão brasileira na atual
temporada.
E as trocas têm sido constantes. No Campeonato Brasileiro deste ano, 12
dos 20 clubes já trocaram de comando técnico, sendo que seis –
América-MG, Atlético-PR, Avaí, Cruzeiro, Grêmio e São Paulo – mais de
uma vez. Se o período levado em consideração for toda a temporada 2011, o
número aumenta para 16 agremiações (80%). Apenas quatro – Corinthians,
Coritiba, Flamengo e Palmeiras - mantêm o treinador desde janeiro, sendo
que todos, sem exceção, tiveram seu trabalho contestado em algum
momento neste ano.
Nos últimos anos, aproximadamente 15 nomes se revezam entre os 12
principais clubes do sudeste e do sul do país (RJ/SP/MG/RS) e fazem uma
espécie de dança das cadeiras no futebol brasileiro. O que não serve
mais para um hoje pela manhã pode ser a solução do rival à tarde.
Adilson Batista é um bom exemplo. Após quase dois anos e meio de
estabilidade no Cruzeiro, achou que era hora de arriscar-se em outras
praças. No entanto, em pouco mais de um ano, foi demitido de
Corinthians, Santos, Atlético-PR e São Paulo.
A rodagem de Cuca
Cuca no Atlético-MG, seu oitavo clube desde 2003
(Foto: Bruno Cantini / Site Oficial do Atlético-MG)
Desde 2003, quando o Brasileirão adotou o sistema de pontos corridos,
Cuca já treinou oito das principais equipes de Rio, SP, MG e RS. Alguns,
como Botafogo, Flamengo e Fluminense, mais de uma vez. Logo abaixo, com
seis clubes cada, Celso Roth, Joel Santana, Oswaldo de Oliveira e Leão
vêm na segunda colocação (veja no infográfico abaixo, com os números
desde 2003).
Dorival Júnior é outro integrante da roda. Prestigiado por trabalhos
recentes bem-sucedidos, o treinador ficou desempregado por poucos dias
nos últimos anos. Saiu do Vasco com proposta do Santos. Demitido após
desentendimento com Neymar, assinou com o Atlético-MG quatro dias após
deixar a Vila Belmiro. A história repetiu-se em agosto. Mandado embora
do Galo no domingo (7/8), Dorival foi anunciado como novo treinador do
Internacional na sexta-feira (12/8).
- Venho com um objetivo: cumprir meu contrato. Jamais quebrei um
contrato. A situação do Atlético-MG foi desagradável, desgastante, mas o
presidente resolveu tomar uma decisão, e eu respeitei – ponderou
Dorival Jr., em sua apresentação no Beira-Rio.
Lista mostra técnicos mais rodados em RJ/SP/MG/RS desde 2003 (Arte Esporte)
Dorival, antes mesmo de deixar o Atlético-MG, já era especulado no
Inter, que estava de olho numa possível queda do treinador. E é essa a
rotina dos principais técnicos do país. Geralmente em baixa ao serem
demitidos, chovem propostas em um mercado escasso, pelo menos na visão
dos dirigentes. Vanderlei Luxemburgo é outro bom exemplo. Ao ser
demitido do Galo em setembro do ano passado, disse que precisava de um
tempo para reciclar-se. Pouco mais de uma semana depois, tinha em mãos
uma bela proposta do Flamengo. Luxa não pensou duas vezes, esqueceu a
“quarentena” e voltou ao clube de coração.
Muricy: o técnico que mais trabalhou
Técnicos mais tempo em atividade desde 2003
(Arte Esporte)
Com quase 2.900 dias empregado em cinco dos doze clubes considerados no
levantamento desde 2003, Muricy Ramalho lidera o ranking, à frente de
Vanderlei Luxmeburgo. Atual campeão brasileiro e da Taça Libertadores, o
técnico do Santos acredita que falta uma legislação específica para
evitar a instabilidade dos treinadores no país.
- Deveria haver alguma lei nesse sentido, mas é o tipo de coisa que
jamais pegaria no Brasil. Outra coisa: o clube deveria ser obrigado a
pagar o contrato todo do treinador caso o mandasse embora, mas isso
dificilmente acontece. Só quando há multa rescisória no contrato -
afirma.
Muricy, que em março deste ano deixou o Fluminense reclamando das
condições de trabalho, ressalta que as diretorias costumam errar na
escolha de técnicos e que isso ajuda a manter a ciranda rodando sem
parar.
- A diretoria erra na avaliação, pois não analisa bem o perfil. Tem
muito técnico que serve para um determinado time, mas não faz bom
trabalho em outro. É preciso saber avaliar muito bem antes de contratar
um profissional. Só assim essa coisa (dança de técnicos) vai começar a
diminuir. Só que acho difícil essa situação mudar. Faz parte da cultura
do futebol brasileiro.
Há também os técnicos regionais. Quando estava em alta, Leão pulava de
rival para rival em São Paulo. Celso Roth é sinônimo de bombeiro em
Porto Alegre, enquanto Renato Gaúcho demorou a ter sua primeira chance
longe do Rio de Janeiro.
Falta de opção ou de criatividade?
Recém-promovido da Série C para a Série B com o Joinville, o técnico
Arthurzinho critica a repetição de nomes no comando dos principais
clubes do futebol do país:
- Sou bem franco: não tenho empresário, marketing e nem assessor de
imprensa. Às vezes, outros profissionais não têm o meu currículo, mas os
dirigentes buscam no mercado sempre os mesmos nomes para dar satisfação
à torcida. Aí é mais fácil errar, tirando um pouco a responsabilidade
deles (cartolas). Sou vencedor e tenho currículo. São seis títulos (dois
baianos pelo Vitória, um goiano pelo Vila Nova, duas Copas do Nordeste -
uma pelo Vitória e outra pelo América-RN -, além de uma Copa Santa
Catarina). Sempre treinei mais equipes do Nordeste, espero que possa ser
mais visto agora em Santa Catarina.
Mas afinal, são poucas as opções no mercado ou os dirigentes preferem o
certo ao duvidoso? Na visão do blogueiro do GLOBOESPORTE.COM José Ilan,
são vários os fatores que influenciam os dirigentes brasileiros no
momento de contratar um comandante para seu time.
- Os nomes são sempre os mesmos porque há um mercado de técnicos numa
ciranda restrita, onde fatores como idade, empresário influente, bom
relacionamento e boa reputação nos clubes onde passou pesam e se
espalham no meio do futebol. Como numa dança das cadeiras, estes
técnicos correm em torno dos cargos. Aqueles que estão fora da
brincadeira há algum tempo geram desconfiança dos empregadores. Geram
dúvidas se estão mesmo atualizados, se conhecem os clubes, os elencos e
se vão se enquadrar nas estruturas atuais – frisou Ilan, que acredita
que as trocas, na maioria das vezes, não são feitas baseadas na busca de
um profissional mais qualificado, mas sim visando a dar uma nova
motivação aos elencos, já desgastados com um treinador.
- É, sim, uma insegurança de quem contrata. Os que estão habitualmente
empregados oferecem a sensação de que é mais seguro apostar neles, mesmo
que tenham acabado de fracassar com outra camisa. A aposta em geral é
na ideia de que o simples fato da troca de comando motiva os jogadores,
renova o ambiente. E nesta linha, muitos acabam mesmo dando minimamente
certo, nem que seja por pouco tempo. E mesmo que acabem saindo em
algumas rodadas, se não fizerem trabalhos desastrosos em sequência,
sempre vão achar alguém disposto a lhe dar mais uma chance.
O certo é que, com poucas opções ou não, não é fácil entrar na ciranda.
Novos nomes geralmente não contam com o respaldo dos dirigentes e muito
menos com a tolerância dos torcedores. No fim de 2009, parecia que o
panorama mudaria. Andrade levou o Flamengo ao título brasileiro que não o
clube não conquista havia 17 anos. Na temporada seguinte, os clubes
apostaram. O Vasco foi de Gaúcho, o Inter buscou o uruguaio Jorge
Fossati, o Grêmio tirou Silas do Avaí, e até o Flamengo tentou repetir a
receita e efetivou Rogério Lourenço no lugar do próprio Andrade,
demitido cinco meses após o hexacampeonato. Nenhum deles teve sucesso.
Em 2011, novas apostas, novos fracassos. O Grêmio trouxe Julinho
Camargo, auxiliar de Falcão no rival Internacional. Sem respaldo e
resultados, o treinador ficou um pouco mais de um mês no Olímpico. Até
mesmo Falcão, maior ídolo da história do Colorado, não teve cem dias de
tolerância no Beira-Rio. Foi demitido 99 dias após assumir o comando da
equipe.
Os “esquecidos”
Leão: mais de um ano sem emprego (Ag. Estado)
Se não é fácil entrar na ciranda, o mesmo não pode ser dito quanto a
sair dela. Uma sequência de trabalhos mal-sucedidos pode fazer com que
nomes até então badalados sumam do mapa dos grandes clubes.
Geninho, Oswaldo de Oliveira e Jair Picerni são alguns nomes, mas
Emerson Leão, talvez, seja o melhor exemplo. Na década passada, comandou
a Seleção Brasileira, foi campeão nacional com o Santos - quando ajudou
a revelar a geração de Diego e Robinho -, e passou por Palmeiras,
Corinthians, São Paulo, Cruzeiro e Atlético-MG. Era visto como um
técnico caro e polêmico, mas nunca lhe faltaram propostas. Desde 2009,
no entanto, não circula entre os grandes do futebol brasileiro. Seu
último trabalho foi no Goiás, em 2010, de onde saiu há um ano após
críticas à diretoria do Esmeraldino pelo atraso no pagamento dos
salários.
Leão, entretanto, não acredita que seu perfil polêmico e seu histórico
de confusão sejam os motivos por estar afastado do futebol há um ano.
- O meu perfil é de cobrar caloteiro. Estou errado? Dirigentes que te
dão cheques e depois sustam. Infelizmente isso não acontece só comigo.
Grandes treinadores empregados estão cobrando de clubes grandes... Tive
três convites da Série A, mas não foram legais. Penso em voltar a
qualquer momento.
Sobre a dança das cadeiras e a experiência de quem é treinador no
futebol brasileiro há quase 25 anos, Emerson Leão é duro nas palavras ao
falar sobre a alta rotatividade no comando dos clubes do Brasil.
- O futebol brasileiro, para variar, está uma dança de técnicos. Isso é
um desrespeito muito grande com os treinadores. Não havíamos chegado
nem ao fim do primeiro turno, e mais de 50% dos clubes já haviam mudado
seus técnicos. Isso não é normal, isso não existe. Quase nenhum técnico
consegue cumprir um ano de contrato.Tem muito treinador no Brasil,
muitas pessoas que não estão credenciadas para isso, muitos palpiteiros –
concluiu.
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FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/brasileirao-serie-a/noticia/2011/10/na-ciranda-de-tecnicos-cuca-e-o-mais-rodado-na-era-dos-pontos-corridos.html