Lucas Nascimento, 17 anos, diz ter sido
dispensado após recusar contrato de agenciamento. Dirigente do Palmeiras
nega e dá sua versão
Por Janir Júnior
Rio de Janeiro
Lucas Nascimento em jogo pelo Audax
(Foto: Arquivo Pessoal)
O sonho de Lucas Nascimento, 17 anos, é o mesmo de inúmeros garotos
brasileiros: ganhar a vida jogando futebol. Mas, no fim de fevereiro,
esse sonho sofreu um revés e gerou uma acusação séria. Lucas foi
dispensado pelo Audax-RJ - time que está disputando pela primeira vez a
primeira divisão carioca - e diz que os motivos não foram exatamente
futebolísticos. Segundo Lucas, ele deixou o clube depois que recusou a
assinar um contrato de agenciamento que o deixaria vinculado por dois
anos - com comissões especificadas - à Brunoro Assessoria e Eventos.
- Falaram que os jogadores que não assinassem o contrato de
agenciamento seriam mandados embora. Diziam: “sabe o que pode acontecer
contigo, né?". Me pressionavam para assinar o contrato. Alguns dias
depois de não ter assinado o contrato de agenciamento, cheguei para
treinar e disseram que eu estava dispensado – revelou o jogador.
A empresa tem como um dos seus sócios José Carlos Brunoro, que exerceu a
função de diretor executivo do Audax até o fim de janeiro, antes de
acertar com o Palmeiras. O dirigente assegura que não agencia atletas,
mas confirma que o uso da empresa era um artifício do clube. Thiago
Roberto Scuro, gerente geral do Audax, admite que assinar o contrato de
formação é uma condição para o atleta permanecer no clube, mas não
especificou o motivo do vínculo de agenciamento com a Brunoro
Assessoria.
O GLOBOESPORTE.COM teve acesso aos dois contratos oferecidos a Lucas: o
de formação, que foi assinado pelo jogador, e o de gerenciamento, que
deixaria o jovem ligado à Brunoro Assessoria. Uma das cláusulas exige
"10% sobre toda remuneração recebida pelo contratante, entre salários,
bichos, prêmios, luvas e direitos de arena".
Contrato
de agenciamento oferecido a Lucas ligaria jogador à empresa de Brunoro.
De acordo com documento, jogador teria que repassar percentuais sobre
alguns vencimentos (Foto: Reprodução)
O meia chegou ao Audax em abril de 2012. Atuou com a camisa 10 e foi
convocado para jogar com os juniores. Ele assinou o documento de
formação exigido pelo clube, mas estranhou quando viu que deveria
assinar contrato de agenciamento. Lucas, que é menor de idade, precisava
da presença e do aval do pai, Abraão. O advogado Diogo Souza foi
chamado para analisar o documento. E se disse surpreso com o que chamou
de coação:
- Chamaram o pai dele para assinar o contrato de formação. Quando
chegamos lá, tinham dois contratos. Assinamos o de formação, que é um
direito do clube, mas não o de agenciamento, que é de uma empresa que
não conhecemos. Os percentuais cobrados são normais de mercado, não há
problema, mas a forma como foi feito não é correta. O clube impor de
assinar com uma empresa, com empresário que você desconhece? Se ele
assinasse, poderia ficar preso a uma pessoa que não conhece. Orientei e
eles decidiram não assinar. Expliquei ao Lucas e ao pai que ele poderia
ser mandado embora, mas pensei que fosse apenas pressão, nunca tinha
passado por isso pessoalmente. Achava que não iam mandar embora, mas
cumpriram a ameaça. É totalmente imoral – criticou o advogado Diogo
Souza.
A recusa aconteceu em 7 de fevereiro. Dias depois, Lucas Nascimento foi
dispensado do clube. Outros dois jogadores - Marcos e Jordan - também
não assinaram e foram desligados. Procurado pela reportagem, José Carlos
Brunoro garantiu não existir pressão para assinatura do contrato ligado
a sua empresa.
- Não tem nenhuma pressão. Às vezes, o jogador é dispensado por
questões técnicas e começa a achar desculpas. Não sou mais do Audax, não
tenho mais nada a ver, nem a minha empresa. Os garotos podem até
escolher o procurador que eles querem. O João Filipe, que joga no São
Paulo, é do (Eduardo) Uram, o Leonardo, do Cruzeiro, é do Claudio
(Guadagno). Jogadores de origem do Audax têm outros procuradores. Isso
não é impeditivo. Ninguém é obrigado a assinar isso – disse Brunoro.
Na despedida do clube, Brunoro foi homenageado pelo Audax. (Foto: Reprodução)
O dirigente explicou a participação e ligação da Brunoro Assessoria no processo com os garotos.
- A gente fazia a gestão de carreira dos meninos do Audax com pró-forma
(feito por formalidade), para não ter envolvimento de muitos
empresários. Os atletas optavam pelo clube fazer a gestão de carreira.
Como o Audax não pode fazer, eles assinavam conosco para ter a gestão do
clube, mas através da gente. Mas todos os atletas que foram negociados
pelo Audax nunca passaram pela minha empresa, é mais pró-forma para eles
ficarem vinculados a gente. Muitos queriam que o clube cuidasse de suas
carreiras, mas eu não cuido de jogadores. Nunca quis fazer isso de
cuidar de carreira de atleta, mas como minha empresa era ligada ao
Audax...- disse o dirigente do Palmeiras.
Brunoro garantiu que a relação da sua empresa com Audax terminou há
cerca de um mês. Pouco depois, o dirigente do Palmeiras fez contato com a
reportagem. Dessa vez, não mais citou o contrato de agenciamento, se
referiu apenas ao documento de formação - que foi assinado por Lucas
Nascimento:
- Levantei essa história, não gosto de coisa mal parada. Vou pedir para
o Thiago (gerente geral do Audax) explicar. Não foi nenhuma situação de
assinar com a Brunoro, foi o contrato de formação. Os garotos não
quiseram assinar o contrato de formação. O Audax é obrigado a fazer
isso, pois senão não tem direito a nada. Mas é com o clube. Com a
Brunoro é só atleta profissional, se ele quiser de fato gerenciamento de
carreira ele assina com a gente. Se ele quiser.
Gerente geral do Audax, Thiago Roberto Scuro confirma que a assinatura do contrato de formação é uma condição do clube.
- Esse contrato de formação prevê que o clube tem que disponibilizar
uma série de condições para o atleta, como alimentação, treinamento,
assistência médica... Por outro lado, o clube passa a ter o direito de
formação, de indenização futura conforme previsão legal. Eles assinam
esse contrato a partir dos 14 anos. Depois, esse contrato dá o direito
ao Audax de fazer um contrato profissional com o atleta, dos 16 aos 20
anos. Realmente, assinar o contrato de formação é uma condição para o
atleta fazer parte do clube, esse é o documento que dá uma série de
direitos, e de deveres, que documenta a relação atleta-clube - explicou.
Depois, o gerente comentou a relação entre Audax e a empresa de
Brunoro, admitiu que existia uma ligação entre as partes e disse que uma
nova estrutura está sendo estudada depois da saída do ex-diretor
executivo:
- O Audax jamais tira nenhum centavo do atleta, de salário, nenhum tipo
de comissão, isso é uma prática comum entre os agentes e os clubes. O
que acontece é que a atividade do clube não contempla essa atividade de
gestão de carreira do atleta. Então, na ocasião, existia esse ajuste
para utilizar essa empresa da qual o Brunoro era sócio para fazer esse
vínculo contratual, mas tudo sendo administrado pelo Audax. Com a saída
do Brunoro, tudo isso é interrompido, muda a estrutura, que está sendo
estudada. Mas o compromisso segue sendo com o Audax, e não com o
Brunoro. O Brunoro nunca foi agente de ninguém, nunca representou. O
contrato, com direitos e deveres, tem cláusulas padronizadas, mas o
clube nunca utilizou isso para retirar recursos de atletas. O que a
gente faz é prestar toda assessoria ao atleta, sem custo adicional, com
objetivo de preservar e proteger a gestão do jogador que pertence ao
Audax.
Thiago Scuro garantiu que a dispensa – logo depois da recusa da
assinatura do vínculo de agenciamento – foi por questões técnicas. E
falou um pouco mais sobre a relação contratual com a Brunoro Assessoria:
- A avaliação do nosso corpo técnico é de que ele (Lucas) não teria
perspectiva de evolução para o profissional. Então, foi liberado. O
procedimento do Audax é claro, transparente, trabalhamos há oito anos
assim no Rio, sem desgaste, sem problema. Na verdade, como o Brunoro
estava como diretor, teve a empresa envolvida, mas não é uma coisa da
pessoa física. O Brunoro estava como executivo do clube, era a entidade
jurídica utilizada para fazer a relação deles (jogadores) com o clube. A
partir do momento em que o Brunoro se desligou do Audax e foi para o
Palmeiras, tudo isso foi desligado junto. O clube já resolveu esse
problema junto ao Brunoro, junto a todas as partes, isso é uma situação
do Audax com os atletas. O Brunoro não leva isso junto com ele, estava
atrelado ao contrato de trabalho entre ele e o Audax.
Advogado rebate explicações
O advogado Diogo Souza disse que alegação de "dispensa técnica" foi uma desculpa:
- Eles podem dizer que Lucas não estava treinando tão bem. Podem
arrumar isso como desculpa. Mas esse não é o motivo... ou não teria
porque assinar. Por que ao não assinar contrato de agenciamento ele foi
mandado embora uma semana depois?
Lucas
Nascimento, hoje no Olaria, ao lado do pai Abraão, que procurou um
advogado ao estranhar o fato de o filho ter que assinar dois contratos
com Audax (Foto: Janir Júnior)
Pai de Lucas, Abraão ficou decepcionado, estranhou a situação, mas acredita que fez o melhor para o filho:
- É um sonho do garoto, meu também, lógico que fico decepcionado. Mas
tenho que saber o que estou assinando. Não sei se os pais têm a mesma
iniciativa que eu tive. Se vou sozinho eu assino. Não conheço ninguém,
como deixar meu filho na mão de pessoas que não conheço?!
Depois da dispensa, Lucas Nascimento treina no Olaria. E, apesar do
abatimento com toda situação, ainda sonha em ser jogador de futebol, dar
uma vida melhor para a família e ao pai, cadeirante:
- Não penso em parar. Vou tentar a sorte.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2013/03/dispensado-jogador-acusa-audax-rj-de-coacao-para-favorecer-empresa-de-brunoro.html