Desembarcou
no aeroporto Salgado Filho. Viu 400 pessoas gritando seu nome. Acenou
para elas. Entrou em um carro. Viu o carro ser cercado. Viu as pessoas
gritarem seu nome com mais força. Passou em um hotel. Deu rápida
entrevista coletiva. Foi ao Beira-Rio. Ficou em um camarote. Passou o
tempo todo autografando camisas. Observou um jogo chato, daqueles de
maltratar o ânimo. Comeu um pastel. Sentiu o cansaço de um longo dia
invadir o corpo. Bocejou. Espreguiçou-se. Fechou os olhos. E aí é como
se Andrés D’Alessandro, seis anos depois do dia em que pela primeira vez
colocou os pés no Beira-Rio, acordasse como maior ídolo da torcida
colorada, ídolo a ponto de planejar encerrar a carreira vestindo
vermelho:
- Eu já escolhi meu lugar. Meu lugar é aqui. Não tem como cogitar sair.
O
tempo passou voando para o camisa 10 entre o 30 de julho de 2008,
quando assinou contrato com o Inter, e este 30 de julho de 2014, quando
vai a campo diante do Ceará pela Copa do Brasil. Aos 33 anos, ele fala
“bah”, é capitão do time, campeão da Libertadores, campeão da
Sul-Americana, campeão da Recopa, cinco vezes campeão gaúcho. Carrega
dores cicatrizadas na lembrança (a derrota para o Mazembe, o afastamento
em 2009, a distância de uma Copa do Mundo que aconteceu dentro de sua
casa) e façanhas tatuadas na alma. Acima de tudo, é adorado pelos
torcedores.
Nesta terça-feira, D’Alessandro abriu as portas de
sua casa, em Porto Alegre, para uma conversa de quase duas horas, de
chimarrão em punho, com o GloboEsporte.com. Falou do passado, do
presente e do futuro. Analisou o futebol brasileiro, criticou a
estrutura que o rege, opinou sobre a participação da Argentina na Copa,
lamentou ter sido alijado do Mundial, avisou que pretende jogar por mais
pelo menos três anos para depois seguir no futebol, possivelmente como
treinador. Quer seguir no Inter – como atleta e depois disso.
Confira abaixo a íntegra da conversa.Faz seis anos, D’Alessandro. O que você lembra do dia em que chegou ao Inter?Lembro
de ter chegado ao aeroporto com um nervosismo normal por estar vindo
para um clube novo, as pessoas não me conhecerem, eu não conhecer a
cidade. Fiquei surpreso pela recepção. Tinha muita gente. Eu achava que
muitos não me conheciam e, sinceramente, fiquei surpreso. Lembro que a
torcida me deu um boné, coloquei e saí por outro portão. Fui para o
estádio. Tinha jogo contra o Santos. Mas não dei muita sorte, perdemos
por 1 a 0. Mas foi muito bom. Era algo que não esperava.
No
jogo contra o Santos, as pessoas jogavam camisas pra ti, tentavam
escalar o camarote. Já foi possível ver que a torcida queria te acolher
logo de cara?Fiquei surpreso. O pessoal me conhecia um
pouco, joguei bastante no River, joguei contra clubes brasileiros na
Libertadores, contra o Corinthians em 2003 e depois contra o Cruzeiro em
2008, aí já pelo San Lorenzo. Mas as pessoas não acompanhavam muito
minha carreira. Por isso que me surpreendi com o carinho já no primeiro
dia. Foi uma coisa que, com certeza, ajudou muito na minha adaptação.
Quando tu chega a um clube e tem essa recepção, esse carinho, já pensa
diferente, já pensa que o primeiro passo foi dado.
Passou rápido? Passou devagar?Rápido. Rápido.
Tive uma discussão com o Tite. E ficou entre nós. Nunca ninguém falou
nada. Passaram quatro, cinco anos, e ninguém falou nada. É uma coisa de
respeito
Sobre fase turbulenta em 2009
E
você tinha como dimensionar, ao chegar, que teria uma relação tão
intensa com o clube e com a torcida? Tua visão mais otimista indicava
isso?Não, não. Minha visão mais otimista era dar o
melhor para o clube, ficar, cumprir meu contrato. Claro, sempre se pensa
em conquistar títulos, mas nunca pensei, sinceramente, que conquistaria
tantos títulos como o Inter conquistou. Sem dúvida, são os anos mais
importantes da minha carreira. Não tenho dúvidas disso. Aqui no Brasil,
se jogam muitos campeonatos: Gauchão, Copa do Brasil, Brasileirão,
Sul-Americana, Libertadores. É difícil ganhar uma Libertadores, uma
Sul-Americana. Muito difícil ganhar um título nacional. E tu vai ficar
marcado por isso. Tive essa sorte. Não me acomodo, porque minha carreira
continua, sempre quero mais, mas acho que, nesses seis anos, conquistei
junto com o clube coisas que não imaginava. E agora, até para o
torcedor me conhecer melhor, a gente está fazendo um livro
para contar um pouco da minha história. Foi uma ideia que surgiu, eu
gostei, e estamos fazendo o projeto andar. Ainda não temos data para
lançar. Tomara que gostem.
Como mudou tua relação com o clube ao longo dos anos? Houve momentos muito bons, mas outros nem tanto...A carreira é feita de momentos bons e ruins. Passei momentos ruins aqui. Em 2009, sofri muito com a imprensa...
Sofreu? Você chegou a treinar separado do elenco em 2009.É,
bom, são problemas. Tive uma discussão com o Tite. E ficou entre nós.
Nunca ninguém falou nada. Passaram quatro, cinco anos, e ninguém falou
nada. É uma coisa de respeito. Tenho um respeito muito grande por ele.
Foi o Fernando Carvalho quem me trouxe, mas ele era o treinador. Ele
poderia ter falado que não me queria. A opinião dele foi importante para
eu chegar. Reconheço isso. Mas acontece... Sofri um pouco com a
imprensa, aquela coisa de ter chegado, feito um 2008 bom, começar muito
bem 2009, mas depois ter uma queda. O pessoal começou a questionar
quanto eu ganhava, começou a falar de dinheiro, algo que não gosto, que
não faz parte do futebol. O atleta está exposto a essas coisas, a gente
entende, mas tem um limite. Mas tudo passa. Passou 2009, terminamos bem,
classificando para a Libertadores. Quase fomos campeões. Não fomos por
coisas do futebol (refere-se à derrota do Grêmio, com time reserva, para
o Flamengo na última rodada)...
Que coisas do futebol?Coisas do futebol. Coisas que estão aí. Agora já é mais difícil, a CBF mudou...
Mas voltou ao que era antes. Não tem mais clássico na última rodada.Sei
lá. Não sei. Jogar os clássicos na última rodada pode ser melhor. É
difícil saber hoje o que é bom. Tem tanta coisa errada. Não só no
Brasil. Também na Argentina. A gente tenta continuar com uma linha, cada
um tenta fazer sua parte, mas a gente vê que tem muita coisa pra
melhorar, que muita coisa continua sendo muito amadora. Isso só faz mal
ao futebol. Naquele momento, se tivesse clássico na última rodada,
poderia ter sido diferente.
Há
pouco, quando você falou do Tite, comentou que achava bom que isso
nunca tivesse sido comentado por vocês. Mas às vezes não é melhor botar
isso pra fora do que ficar guardando?A gente externou
uma discussão. Acho que os detalhes ficam dentro do vestiário. Os
atletas têm códigos no vestiário, códigos dentro de campo. O treinador
também tem isso. Eu tinha e tenho um respeito muito grande por ele.
Falar em detalhes não tem razão. O que acontece no vestiário fica no
vestiário. Ninguém tem que saber. Teve um problema? Teve. Mas ele também
nunca falou nada. É assim no futebol. Acontece em outros times, em
outros grupos, mas temos que manter os códigos.
A
impressão que tenho, não sei se você concorda, é que você mudou depois
de receber a braçadeira de capitão. Parece ter se assumido como líder.
Até parou de levar tantos cartões...Eu gostei de virar
capitão. Gostei. E gostei por ter sido ao natural. A gente não sabe se
merece ou não, mas é algo que depende de muitas coisas. Tem que ser
aceito pelo grupo. É o principal. É impossível ser aceito por todo
mundo, porque tem 35, 40 jogadores num elenco, e sempre vai ter alguns
que gostam mais de ti, outros não. Eu fiquei muito feliz por ter sido
aceito, ter sido escolhido no começo de 2011, quando estava o Fernandão,
estava o Dorival. O clube te passa uma confiança. Tu ganha uma
responsabilidade maior perante o clube, os companheiros, a torcida. Muda
um pouquinho. Muda tudo. Isso ajudou nos cartões também. Mas é outra
coisa que se deu ao natural. Sendo argentino, chegar ao futebol
brasileiro não foi tão fácil no começo. Foi difícil até 2009. Depois,
melhorou. Fui me acostumando. Não é que o futebol brasileiro tenha que
se adaptar ao jogador que chega: é o jogador que chega que precisa se
adaptar a tudo. Há regras, uma forma de se trabalhar aqui, e a adaptação
demorou. Demorei um pouquinho para entender a arbitragem, minha relação
com os adversários. Agora, acho que me conhecem, sabem como sou. Às
vezes, brinco em campo, às vezes falo demais.
Falando em braçadeira, a morte do Fernandão muda a importância de carregá-la?Acho
que são duas coisas diferentes. Temos um fato que aconteceu há pouco
tempo... É o capitão mais vitorioso da história do clube, que levantou a
taça mais importante, que representava muito para o torcedor, para o
clube. Ele representava muito bem o Inter. Ser capitão sempre teve um
peso. Com esse fato, mais ainda. Sei que foi usada por ele, que ele a
representou muito bem, e a responsabilidade é maior. Por outro lado,
ninguém vai substituí-lo. Ele mereceu tudo que ganhou, todo o carinho da
torcida. Mas temos que continuar, fazer nossa parte, fazer com que ele
seja lembrado da maneira como sempre foi, e representar o clube da
maneira como ele representou.
Sobre a carreira de treinador, vou fazer um curso. Já estou tentando
fazer aqui ou na Argentina, para começar aos poucos, abrir as ideias,
ter outras ideias
Sobre planos após pendurar as chuteiras
Você tem a dimensão de que, quando sair ou quando se aposentar, também não vai ser substituído na história do clube?Cada
um tem sua época. Nenhum jogador é insubstituível. Alguns são mais
importantes, é normal. Por qualidade, por consciência tática, por um
monte de coisa que diferencia os jogadores. Mas só vou saber disso
quando sair do clube. Não tem como saber hoje. Não tenho consciência
disso ainda. Sinto o carinho do torcedor. Muito. Sigo pensando que é
demais. Isso me dá mais vontade, mais força para tentar buscar esses
objetivos, conquistar mais títulos, manter o Inter no lugar que ele
merece. Mas essa consciência só vai existir quando sair, quando estiver
perto desse momento.
E você sai do Inter para outro clube? Pensa em encerrar a carreira no Inter?É uma possibilidade muito grande (se aposentar no Inter).
Maior do que imaginava antes?Maior do que em janeiro.
Por quê?Passaram-se
seis meses, a gente conquistou mais um Gauchão, estou a um ano de ficar
sem contrato. Acho que existe a possibilidade de ficar aqui. Já estou
com 33 anos, não é pouca coisa para um atleta. Mas acho que estou bem
fisicamente, não posso me queixar. Vejo os jogos na Argentina, e acho
que a possibilidade de ficar vai aumentando. Hoje é um pouquinho maior
do que há seis meses.
E no que você pensa para o futuro? Pretende ser treinador? Ou quer sair do futebol?Não,
sair do futebol, não. Vejo todos os jogos, não deixo de ver nenhum, na
Europa, na Argentina. Não sei o que vou fazer quando minha carreira
terminar, mas o atleta vai se preparando, vai fazendo suas coisas para
que esse golpe não seja tão duro. Uma hora vai acabar. Não tem como
jogar até os 60 ou 70 anos. Minha ligação ao futebol é muito grande. Com
certeza, gostaria de fazer algo com o clube. Penso nisso. Se tiver essa
opção de ficar, de terminar minha carreira aqui no Inter, acho que vai
ser bom. Daqui a pouco, vou cumprir nove, dez anos no clube. Gostaria de
ajudar. Sobre a carreira de treinador, vou fazer um curso. Já estou
tentando fazer aqui ou na Argentina, para começar aos poucos, abrir as
ideias, ter outras ideias. Isso faz bem. Minha responsabilidade no grupo
também é ajudar os mais novos, e essas coisas de treinador, de
relacionamento com as pessoas, exige que você estude.
2008
D'Alessandro abre o placar no 4 a 1
sobre o Grêmio
2010
Argentino tem participação decisiva na
Libertadores
2011Craque marca na final do Gauchão,
na casa do rival
Muitos
jogadores, especialmente quando têm a vida financeira pronta, não
querem mais saber de futebol quando encerram a carreira. Você quer
seguir, é?Não sei fazer outra coisa, cara. Quando
terminei o colégio, era só futebol. Larguei tudo pelo futebol. Não posso
reclamar de nada do futebol. Ele me deu muita coisa, muito mais do que
eu imaginava. Minha vida vai continuar relacionada ao futebol. Minha
família já sabe disso. Vou buscar novas ideias para, quando chegar esse
momento de encerrar a carreira, estar preparado para isso.
Você é um dos estrangeiros há mais tempo no Brasil.É? Não sabia disso.
É, sim. Outros chegaram antes, caso do Guiñazu, mas saíram e depois voltaram (Valencia, do Fluminense, está desde 2007 no país).É
um orgulho. Mas isso é por causa de jogadores que chegaram antes e
abriram essa porta: o Sorín no Cruzeiro, o Mascherano e o Tévez no
Corinthians. Os dirigentes começaram a acreditar no jogador argentino.
Não era tão normal. Hoje é mais normal. No Palmeiras, chegaram três ou
quatro, e isso faz bem pro futebol. Chegou agora também o treinador
(Ricardo Gareca), e isso pode trazer novas ideias. Não vai ser fácil.
Desejo tudo de bom a ele, porque é muito bom treinador, mas não vai ser
fácil. O atleta brasileiro é diferente do argentino.
O profissionalismo, entre aspas, do argentino... O brasileiro não tem
tanto assim. Não são todos que têm. Isso pode ser visto na Europa. O
argentino se sustenta muito mais tempo do que o brasileiro
Ao comparar brasileiros e argentinos
No quê?É
diferente. Na conduta... A vida do brasileiro é diferente. Nem todos
são iguais. O profissionalismo, entre aspas, do argentino... O
brasileiro não tem tanto assim. Não são todos que têm. Isso pode ser
visto na Europa. O argentino se sustenta muito mais tempo do que o
brasileiro.
Na dúvida, talvez o clube europeu prefira o argentino...Não
sei se prefere. Mas sabe que o argentino vai ficar mais tempo. E não
são todos assim. Tem atleta brasileiro muito profissional e atleta
argentino que não é. Tem de tudo. Mas a proporção do argentino sendo
profissional é um pouquinho maior.
Muito se fala que o futebol brasileiro está desatualizado. Qual sua visão sobre isso, depois de tanto tempo aqui?Nesses
seis anos, aprendi muita coisa na convivência com jogadores mais
experientes que eu, até com adversários, caso do Alex, do Coritiba, do
Dida, quando estava no Grêmio, do Juan, do Índio. Eles, com o Paulo
André, decidiram fazer esse movimento (o Bom Senso FC). Eles conhecem
melhor, sabem os detalhes que precisam melhorar. Mesmo sendo jogadores
com tantos títulos, com a carreira feita, eles decidiram se preocupar
com o futebol brasileiro, com esse momento, com coisas que precisam
mudar. Estamos batendo nessa tecla. O futebol brasileiro tem que mudar
muita coisa. O profissionalismo dos dirigentes, no momento, não existe.
Os atletas não são respeitados como deveriam ser. E isso nem é só a
Série A. É B, é C. É jogador contratado por três meses e que depois fica
sem trabalhar. Tem muito detalhe que o torcedor não sabe, que a gente
tenta mostrar. É uma briga que temos para melhorar o futebol. Por causa
do Mundial, estão pedindo uma mudança. Dá para ver que nossa briga não é
à toa. Não é por o Brasil ter perdido por 7 a 1. A gente já começou com
isso no ano passado. Isso só faz com que nossa briga seja mais forte,
com que a presidenta saiba desses detalhes. Vamos continuar brigando.
Um grupo de jogadores começou a publicar mensagens pedindo democracia na CBF. Falta isso?A
gente sente que o atleta não é escutado. Sem jogadores, não existe
futebol. Sabemos disso. Muitas vezes, se pensou em paralisar o futebol,
mas sabemos que, por trás dos jogadores, há os torcedores, nossa
família, muita gente que vai sofrer se o futebol parar. Mas vai ter um
momento em que vai ter que acontecer. O atleta não é escutado. Ele é
tratado de uma maneira que não merece. Aí entra a parte que falei antes,
de tantas coisas amadoras, de assinar alguma coisa e ser como se o
contrato não tivesse valor. Tu acaba deixando de acreditar na palavra do
dirigente. Não é em todo lado que acontece, mas acontece muito no
futebol brasileiro. O atleta é tratado muito mal. Queremos que isso
mude.
Você viu a faixa que os jogadores do Botafogo
levaram a campo (no clássico contra o Flamengo, listando os atrasos em
pagamentos)?Vi.
Craque usa rede social para protestar
(Foto: Reprodução)
O que achou daquilo?É
claro que é triste. O clube não consegue pagar porque tem dívidas, sabe
que pode atrasar os direitos de imagem, mas não o salário, daí chega
aos limites com o salário. Com três meses sem salário, o jogador pode
deixar o clube, daí o clube deixa dois meses e aí paga. Isso é uma falta
de respeito. O atleta faz sua parte. Perder, ganhar ou empatar faz
parte. Não tem sacanagem de querer sair. Olha isso que aconteceu com o
Flamengo, com o André Santos. Não tem isso de fazer menos para
prejudicar. Uma maneira de ser ouvido é isso que o Botafogo fez. Daqui a
pouco, outros vão fazer. Tem muito clube devendo. Muito clube não paga.
Qual o próximo passo? A paralisação é mesmo uma possibilidade?Há
espaço para isso. Os atletas precisam ser mais unidos. Somos uma força
muito grande. Sabemos que muita gente depende de nós. O futebol também
não seria nada sem o torcedor. Não tem graça sem torcida. É feio. O
torcedor é parte muito importante de nossa briga. Mas temos que ser
ouvidos. Fomos ouvidos pela presidenta, e valorizamos muito isso. Tomara
que, em conjunto com o Bom Senso, com dirigentes que tenham vontade de
fazer o futebol melhorar, a gente consiga um futuro melhor, consiga ir
mudando alguma coisa.
Como foi para você ter uma Copa no país onde você joga, no estádio onde você joga, e não participar?Eu
já vinha processando essa ideia. Não fui convocado nunca. Isso me
afastou. Já tinha processado isso. Acho que foi minha última chance. Na
próxima Copa, vou ter 37. Não foi fácil, mas eu já estava preparado. Não
é que eu tivesse sido convocado e tinha uma chance mínima. Eu sabia que
não existia chance, mesmo com o pessoal dizendo que eu deveria estar, e
agradeço muito isso. Acho que poderia ter sido convocado, sim. Poderia
ter recebido essa chance para mostrar que tinha possibilidade. Nem essa
chance eu tive. Não me frustrou, porque minha carreira continua. As
coisas acontecem por algum motivo. Não fui para o Mundial, mas posso
conquistar algo no meu clube. O futebol te tira algumas coisas, mas
também te retribui depois.
Mas o que aconteceu? Não parece uma questão meramente técnica...Não
fui nem testado. Fui convocado em 2011, no Superclássico, e estava com
um desconforto depois da Recopa. Eu não tinha condições de ir. Falei com
o Sabella. Depois disso, não fui mais convocado.
Acha que é reflexo disso? Por não ter ido naquela convocação?Pode ser, né? Ninguém sabe o que ele achou disso.
Acho que poderia ter sido convocado, sim. Poderia ter recebido essa
chance para mostrar que tinha possibilidade. Nem essa chance eu tive. Não me frustrou, porque minha carreira continua
Sobre a ausência na Copa
Mas você não buscou entender o motivo?Não.
Acho ruim ligar. Nunca pedi nada. As coisas que conquistei, sendo
convocado, jogando eliminatória, foram coisas que consegui com meu
esforço. Nunca tentei outros caminhos. Tenho meu caráter. Minha posição
sempre foi a mesma. Minha linha de trabalhar é a mesma. Não vou ligar
para saber por que não fui convocado, já que nunca liguei para saber por
que fui, entende? Tenho minha leitura. O pessoal da seleção deve ter
feito suas leituras. A minha, guardo para mim. Continuei fazendo meu
trabalho, esperando essa chance, e ela não chegou. Fico um pouco
chateado por não ter tido essa chance, mas continuo minha vida.
Independentemente disso, o que te pareceu o rendimento argentino na Copa?Foi
crescente. Começou jogando como se tem que jogar um Mundial, não
jogando tão bem, mas ganhando a chave. Depois da classificação, o
treinador conseguiu melhorar a parte em que havia dúvida, que era a
parte defensiva, porque a Argentina, do meio para a frente, tinha várias
opções, tem jogadores de muita qualidade, tem o melhor do mundo. Mas
essa dúvida atrás acabou na partida em que a Argentina classificou. Deu
uma tranquilidade muito grande e ajudou nesse Mundial. Foi um Mundial
muito bom, que poderia ter sido coroado com o título no Brasil, que
seria algo histórico, mas acho que o treinador conseguiu ter esse
equilíbrio.
Messi foi eleito o craque da Copa. Você acha justo?Acho
que poderia ter sido ele, por ter chegado a uma final. Ele jogou bem,
fez sua parte. Pode ter se destacado mais nos primeiros jogos, é
verdade. Mas ele sempre é importante. Ele atrai o jogador adversário. Em
vários momentos, isso ajudou para o Di María aparecer mais. Foi assim
contra a Bélgica. Mesmo muito marcado, o Messi conseguiu sair da
marcação, o que me lembra o Maradona em 90, que foi muito marcado por
Dunga e Alemão, mas conseguiu dar o passe para o Caniggia. O Messi
conseguiu fazer o mesmo com o Di María. São jogadores que atraem a
marcação adversária. Poderia ter sido o Robben, o Neuer. O Robben
manteve um rendimento muito equilibrado. Mas acho que está bem. O Brasil
não teve nenhum, poderia ter sido o Neymar, mas ele teve a infelicidade
de sair machucado.
O que você pensava enquanto via Brasil x Alemanha?Eu
torço para o Brasil. Reagi como vocês reagiram, de não acreditar no que
estava acontecendo. O Brasil ficou sem reação nenhuma. Deixou as coisas
acontecerem. Tudo desandou em três ou quatro minutos. Nunca mais vai
acontecer. Aconteceu com o Brasil num Mundial, infelizmente. Mas o
futebol é bonito por isso. Acontecem coisas inacreditáveis mesmo num
jogo entre duas seleções muito boas. Mas também temos que saber por que
aconteceu. O Brasil tinha essa insegurança. Em poucos jogos, mostrou
equilíbrio como equipe. Esse desequilíbrio aconteceu na semifinal.
Aliás, o que te parece o Dunga de volta à Seleção? Você trabalhou com ele no Inter.Um
fenômeno. Gosto muito dele. Falei com ele, o parabenizei. Ele fez um
trabalho muito bom na Seleção. Conheci o Dunga antes de ele ser
treinador do Inter. Depois, conheci melhor. É uma pessoa simples,
direta, sincera, correta. Ele tem suas convicções. Tem uma ideia e vai
morrer com ela. Infelizmente, em 2010, por coisas do futebol, ficou
fora. Mas agora pode fazer um trabalho muito bom.
Chegou a se discutir a possibilidade de o Brasil ter um técnico estrangeiro. O que você acha disso? Não
sei. Nunca aconteceu aqui, né? Na Argentina, acho que também não. O
Brasil tem técnicos experientes. No exterior, também tem um monte. O
(Marcelo) Bielsa, na minha opinião, poderia treinar qualquer seleção do
mundo. Mas essa adaptação demoraria, para ele e outros treinadores. É
mais complexo na seleção. Implementar uma ideia nova, conhecer os
jogadores brasileiros, tudo isso exigiria tempo. Mas acho que em quatro
anos daria, sim. Não sei se o povo brasileiro aceitaria, até porque o
Brasil tem treinadores muito bons. Foi cogitado o Tite, que fez um
trabalho muito bom no Corinthians, também aqui no Inter. Seria algo
muito bom para o futebol brasileiro. Ele tem ideias novas. Mas acho que o
Dunga tem essa possibilidade e tem esse caráter de que o futebol
brasileiro precisa para ser mais profissional, mais objetivo, aproveitar
um jogador como Neymar, que pode ser como o Messi é na Argentina.
Muito se fala que o técnico brasileiro está defasado, que não se atualiza tanto quanto outros. Você concorda?Acho
que não... Bom, pode ser que demore essa mudança. No futebol argentino,
já aconteceu. Aqui, é sempre Luxemburgo, Roth, Mano Menezes, que vão de
um time para o outro. Essa transição não aconteceu ainda. Mas vai
acontecer. Apareceu o Doriva no Ituano, um cara novo, que tem ideias
novas. O Tite faz parte disso. O Abel também acho que faz parte. Ele tem
ideias muito boas. Mas é uma mudança que está demorando aqui no Brasil.
Na Argentina, já aconteceu. Aconteceu com o Sampaoli, que não trabalhou
muito na Argentina, mas foi muito bem no Chile. Tem o Simeone, que
largou o futebol e já estava preparado para ser treinador de qualquer
time. Tem o Tata Martino, o Pelegrino. Essa mudança na Argentina
aconteceu mais rapidamente. Mas vai acontecer no Brasil também.
O Dunga tem esse caráter de que o futebol
brasileiro precisa para ser mais profissional, mais objetivo, aproveitar
um jogador como Neymar, que pode ser como o Messi é na Argentina
Sobre a volta de Dunga à Seleção
Pro futuro treinador argentino Andrés D’Alessandro, como é um bom time de futebol? O que precisa ter?Primeiro,
tem que ter um grupo. Sem ele, não faz nada. Tem que ter um grupo que
acredite nas tuas ideias. E depois é preciso ter equilíbrio. O Sabella
fala muito disso. O Abel também fala. O Van Gaal também. Um time com
equilíbrio ataca bem, defende bem. Nosso time joga com um volante só de
marcação e muitas vezes é criticado quando perde ou joga mal. Ganhamos o
Gauchão assim, enfrentamos times importantes, ganhamos e perdemos. São
ideias novas, ideias que o Abel já colocou no Fluminense e que deram
certo.
A rivalidade entre Brasil e Argentina parece ter
aumentado durante a Copa. Como você viveu isso? Aliás, como você costuma
viver isso?Mas foi boa, né? Até um limite. Algumas
brigas aconteceram, e isso não aceitamos. É outro ponto em que o futebol
brasileiro precisa melhorar: essa gente que não se preocupa com
futebol, que só quer confusão.
O carro do Maxi Biancucchi foi apedrejado, sabia?Não
sabia. Acontece em muitos times... Acho que a imprensa tem sua parte de
culpa também. Vi uma matéria sobre o salário do Maxi Biancucchi dois
dias atrás...
Você acha errado publicar salário?Claro!
Tenho certeza disso. O torcedor com a cabeça podre já acha que tu puxa
pra trás, que tu quer perder. Muita gente já falou isso de mim. Eu
derrubei todos os treinadores aqui, né? (Risos) Fui eu que decidi tudo.
Já falaram um monte de coisa. Com meu trabalho, isso perdeu
credibilidade. A imprensa pode falar isso hoje, mas o torcedor já pensa
diferente.
D'Alessandro tem tatuados os nomes dos
filhos, Martina e Santino
(Foto: Lucas Uebel)
Acha que a imprensa pega no teu pé?Acho
que a imprensa faz parte do futebol. Mas vi uma matéria com o salário
do Maxi Biancucchi. Aí apedrejaram o carro dele. De repente, um pessoal
mais humilde vê isso na Bahia... E ele merece ganhar isso. Por que não?
Fez um trabalho muito bom no Vitória e foi comprado pelo Bahia. Não
podemos aceitar isso. O futebol não tem lugar pra isso. Tem que acabar. E
começando por quem manda. É lá em cima, na CBF, no governo. É assim.
Mas há muitos interesses no futebol.
Muitas vezes os clubes também são covardes nessa relação. Especialmente com torcidas organizadas...Sim.
Isso faz parte desse lado ruim. O dirigente tem medo também que o carro
dele seja apedrejado, tem medo da família. O atleta também.
Você já foi ameaçado?Não.
Nunca. Não posso reclamar da torcida do Inter. Insultado por outras
torcidas, muitas vezes. Mas olha: muitas! Pela torcida do Corinthians, é
desde 2003. (Risos) Mas é complicado, porque a gente se preocupa com a
família. E é difícil uma mudança rápida. Há muitos interesses no
futebol.
Aliás, dentro dessa
rediscussão no futebol brasileiro, os salários de jogadores e
treinadores também não precisam ser revistos? Alguns ganham fortunas.Pode
ser uma mudança também. Claro que sim. O futebol brasileiro chegou a um
ponto de briga entre os clubes para contratar um cara da Europa. “Eu
dou 200, 300, 500, 700”. Só que existe essa briga sem que o clube se
comprometa a pagar. Não paga. Porque isso não é controlado. Se não tem
uma empresa por trás, como alguns clubes têm, não paga. Tem clube que
estaria quebrado se não tivesse um investidor. Mas o investidor não paga
o salário. Quem paga é o clube.
O futebol brasileiro chegou a um ponto de briga entre os clubes para
contratar um cara da Europa. “Eu dou 200, 300, 500, 700”. Só que existe
essa briga sem que o clube se comprometa a pagar. Não paga
Sobre a crise financeira dos clubes
O Inter paga certo?Tudo certo.
Nunca passou por isso no Inter?Não.
E o que colegas de outros clubes falam?É
revoltante. Todos têm família. Se tu senta para conversar sobre um
contrato, tem que cumprir. É uma promessa. É palavra. A palavra vai além
do contrato. Tem cara que entra na Justiça e está há dez anos brigando
para receber R$ 10 mil. Acredita nisso? No futebol brasileiro! Aí não
dá. Não tem como aceitar. E isso acontece muito com time da Série B, da
Série C, time que contrata jogador por três, quatro meses. O cara tem um
salário de R$ 2,5 mil e não recebe. Ele tem família. É complicado.
Como está a situação na Argentina? Parecida com aqui?Está
feia. Mas na Argentina a questão do salário já mudou. O que se ganhava
anteriormente, hoje não existe. Mudou drasticamente. Faz tempo. Porque o
país não está bem economicamente. O futebol também deu uma queda. E
também em nível técnico.
Imagino que isso influencie muito no desejo dos jogadores de virem para cá...Sim,
falei com o Romagnoli (meia do San Lorenzo que negociou com o Bahia),
sou amigo dele. Ele teve essa opção de vir para o Bahia, mas não sei o
que aconteceu. Muitos argentinos gostariam de vir para o Brasil. Eles
sabem que o futebol brasileiro tem uma visibilidade muito maior. Não é
só pelo dinheiro. Mas a visibilidade aqui é muito maior. É graças a
Kaká, Ronaldinho, Robinho, que também pode voltar, Seedorf, Ronaldo,
Forlán. Voltam mais jogadores da Europa para o Brasil do que para a
Argentina.
(Foto: Editoria de Arte)
Voltando a falar sobre o Inter: tem condições de ser campeão brasileiro?Tem.
Como sempre teve. É um time grande, que conquistou muitas coisas nos
últimos anos, que tem um elenco muito bom, para brigar lá em cima. Mas
que algumas vezes não teve esse equilíbrio, essa constância para se
sustentar lá em cima. Em 2009, começamos bem, tivemos uma queda e
depois, com o Mário Sérgio, quase fomos campeões. Com o Dunga, começamos
bem, mas depois tivemos uma queda muito grande.
O que deu de errado no ano passado?Começamos
bem, mas a coisa desandou. Não sei por quê. Aliás, sei por quê: o grupo
não teve esse equilíbrio, não manteve a pegada dos primeiros jogos.
Individualmente, ficamos abaixo do que cada um poderia dar. Isso fez com
que o coletivo fosse ruim. Isso nos deixou numa posição em que a luz
começou a piscar.
Você chegou a temer rebaixamento?Não. Temer, não.
Mas incomodava?Incomodava.
A gente ganhava um jogo, mas o outro ia lá e ganhava também. O
importante é que a gente sempre dependeu da gente. Mas a gente tentava
passar quem estava na frente, pular dois ou três. Quando a gente
ganhava, o outro time ganhava também. Quando a gente achou que estava
fora, naquele empate com o Corinthians no Pacaembu, os times que estavam
abaixo ganharam. Ganharam todos. Não era medo, mas era uma sensação
ruim. Um time grande como o Inter não pode passar por isso. E por culpa
do grupo. Foi culpa nossa. Quando tu tá lá embaixo, o campeonato passa
mais rápido. Tu sofre. Tu começa a querer jogar a cada dois dias.
O fato de jogarmos com só um volante de muita marcação não é fácil. Só
que o Willians conseguiu preencher esse espaço. Não é um cara que
tenha uma qualidade muito grande. Mas consegue jogar sozinho no
meio-campo
Sobre o companheiro de Inter
Bate uma agonia, né?Bah!
Tu quer jogar cinco jogos por semana. A gente viveu isso ano passado.
Eu já tinha vivido na Inglaterra. Mas ter esse carinho, esse
relacionamento com o clube, torna tudo diferente. Nunca vou querer um
rebaixamento na minha carreira. Nunca cogitei a chance de cair. Dependia
de nós. Éramos um dos poucos clubes que nunca tinha caído. Não tinha
como acontecer.
O Cruzeiro está acima dos demais no Brasileiro?Não
tem ninguém no nível do Cruzeiro no Brasileiro. O Cruzeiro tem uma
coisa que poucos times têm, ou que tem mais que nosso time, que o
Corinthians, o Fluminense: reposição. Elenco. Quando falo de elenco, não
é só quantidade: é qualidade e experiência. O Cruzeiro tem essa
mistura, tem caras novos, tipo o Marlone, o Lucas Silva, o Everton
Ribeiro. Tem uma mistura. E tem caras experientes, que já ganharam
campeonatos. Foi mérito do clube, do treinador. E o Inter está
procurando esse caminho. Temos um elenco bom, com muitos caras
experientes, mas também muitos caras novos. Inter, Corinthians,
Fluminense, Grêmio, São Paulo, esses estão no mesmo nível. O Cruzeiro
está um passo à frente.
Qual a importância do Aránguiz no time?Acho
que hoje o Aránguiz é o jogador mais importante no nosso esquema. Junto
com o Willians. O fato de jogarmos com só um volante de muita marcação
não é fácil. Só que o Willians conseguiu preencher esse espaço. Ele não é
um cara que tenha uma qualidade muito grande. Mas consegue jogar
sozinho no meio-campo. Daqui a pouco, joga com um cara do lado, mas fica
um pouquinho incomodado, porque consegue preencher os espaços, tem
leitura de jogo muito grande para o desarme. E o Aránguiz mudou nossa
maneira de jogar. O Inter tem uma maneira de jogo, e o Aránguiz dá uma
opção, de aparecer por fora, aparecer na área adversária, ir do outro
lado. Apesar de ter 25 anos, tem boa experiência. Sabe ler o jogo. O
Abel hoje tem uma série boa de opções para o time jogar de diferentes
maneiras.
O que houve com o Willians naquele episódio em Florianópolis (uma briga durante um treino)?
Um desentendimento. Só isso.
Vendo a imagem, é algo um tanto forte, tem um soco...Ah,
soco... (Discordando) É feio, claro. Não é lindo. Não é a primeira vez
que acontece na minha carreira. Não posso falar que foi a última. É meu
caráter, minha maneira de ver as coisas. Nada justifica minha reação,
mas aconteceu. Aconteceu. Faz parte. Acontece em qualquer trabalho, mas
estamos expostos às câmeras, estamos perante vocês, então é assim.
Você
toma uma chegada, não gosta, vocês discutem, aí você sai, e dá pra ver
que o Willians bota a mão na boca e fala algo que você não gosta. Ali
você se sentiu desrespeitado?São coisas do grupo. Eu,
como capitão, como um dos líderes, nunca vou falar. As coisas do grupo
não podem vazar. Os detalhes ficam entre nós. Depois, falei com ele.
Minha relação com ele é assim. Ele também tem personalidade forte.
Existe um respeito muito grande. Mas detalhes ficam entre nós. Acabou.
Depois da briga, a gente fica magoado por ter acontecido, mas no outro
dia já estava de boa.
O Abel até falou que você tem um
caráter excepcional, que não pode falar de você, e que ninguém corre
como o Willians, mas que ele teria algumas coisinhas fora do campo para
corrigir. Você o cobrou por essas atitudes?Se o Abel
falou... O treinador tem essa liberdade para falar. Eu sou parte do
grupo. Como capitão, não posso falar das coisas que acontecem lá dentro.
Nunca vou fazer isso. As cobranças dentro do grupo ficam no grupo.
Houve um momento em que as coisas vazaram, saíram. Hoje, não. Hoje isso
não acontece. Nunca vou deixar acontecer. Nunca. Se acontecer, a
cobrança vai ser no grupo. É preciso ter respeito. Briga, discussão,
isso fica dentro do vestiário. Ninguém tem que saber.
O Abel tem fama de ser bom condutor de elencos, de ser um treinador que deixa o ambiente bom. É assim mesmo?O
ambiente é muito bom. Nosso grupo é muito bom. Não tem um cara que fale
mal do outro nas costas, que queira sacanear. Nisso, nosso grupo é
muito cara limpa.
Falei muitas vezes com o Kleber, que estava aqui, e ele disse
que no Corinthians de 2000, com o Rincón e todos aqueles caras, eles não se falavam. No
futebol, tem de tudo
Sobre a importância (ou não) de time unido
Mas não foi diferente recentemente? O Fernandão, quando treinador, parecia assustado com o elenco.Não sei. Naquele momento, o grupo estava do mesmo jeito.
O Fernandão chegou a chorar, agradeceu a lealdade do Ygor. Houve problemas ali, não?Sim,
agradeceu. Bom, eu não gostaria de falar dele (Fernandão), porque o
pessoal pode achar que só estou falando agora, e não gostaria de falar
assim. O que foi falado naquele momento, foi falado. Ele agradeceu a
alguns jogadores, e a outros, não. Foi uma leitura dele. Mas o nosso
grupo estava unido, estava igual. Que o resultado não venha, não quer
dizer que o grupo esteja mal. Em 2013, nosso grupo estava muito unido, e
foi nosso pior ano. Falei muitas vezes com o Klebão, o Kleber, que
estava aqui, e ele disse que no Corinthians de 2000, com o Rincón e
todos aqueles caras, eles não se falavam. Tinha time em que os jogadores
não se falavam. No futebol, tem de tudo.
Incomoda não ter um título brasileiro?A gente quer. Eu quero uma Copa do Brasil ou um Brasileiro.
É tua motivação atual?Sim.
A gente precisa ter a consciência de que é possível brigar. Tem que
ficar nessa zona do G-4, porque daqui a pouco a gente vai aparecer. Se a
gente ficar aí, daqui a pouco a chance aparece. Não podemos perder o
passo com o Cruzeiro, o Fluminense, o Corinthians. Temos confrontos
diretos. Perdemos para o Cruzeiro, mas talvez a gente possa ir no
Mineirão e ganhar. Por que não?
Você acha que tem mais quantos anos para ganhar esse título?Depende da minha renovação, né?
D'Alessandro, com seu chimarrão,
já adotou hábitos dos gaúchos,
como falar "bah" no meio das
frases (Foto: Lucas Uebel)
Você já começou a conversar com o clube?Tem
alguma coisa. Meu empresário começou a tratar do assunto com o Marcelo
Medeiros (vice de futebol), com o presidente, mas não há nenhuma certeza
hoje. Tenho mais um ano de contrato com o Inter.
Mas o ideal é fechar em seis meses, ou o clube corre o risco de você ir para outro lugar.Eu
já escolhi meu lugar. Meu lugar é aqui. A cada mês, a cada dia, isso é
mais forte. Não tem como cogitar essa chance de sair. Não dá para falar
em 100%. Mas é 80%, 90%.
E de carreira, mais quanto tempo?Estou
com 33. Gostaria de ter mais três ou quatro anos bem. Dois ou três anos
eu jogo bem. É minha ideia. É como o Zé Roberto no Grêmio. Fisicamente,
pode jogar em qualquer lugar. Se botar na Europa, vai jogar. Mas eu
gostaria de jogar três, quatro anos mais. Depois, claro, a
responsabilidade, o trabalho vai mudando. Vai mudar. Vai ser dentro de
campo, mas também ajudando os caras mais novos, passando minhas ideias.
Essa é minha visão.
Semana que vem tem Gre-Nal. O que o clássico significa para você?O
que sempre significou: um campeonato à parte. Vai ser o primeiro
clássico no novo Beira-Rio. Vai ser importante. Não podemos esquecer que
temos o Santos antes. Mas vencendo o Santos, o clássico vai ter mais
valor ainda. Temos que aproveitar nosso momento, aproveitar o momento do
Grêmio.
Esse momento turbulento do Grêmio pode ajudar?Turbulento
até certo ponto. A campanha não é ruim. É boa. Acho que o técnico não
saiu por resultados. Talvez foi por rendimento. Não gosto de falar dos
outros times, mas mudar técnico nunca é bom. Já aconteceu muitas vezes
aqui no Inter.
Você gosta de Gre-Nal, né?É
um jogo que me marcou muito. Muitas vezes, tive sorte. No momento em
que precisa, a gente aparece. No momento em que todo mundo não acredita
que o Inter vai conseguir, o Inter consegue. Aconteceu nos últimos anos.
Daqui a pouco, não acontece, porque são três resultados possíveis, e
nos últimos Gre-Nais a gente se deu bem. Tomara que a gente não perca.
Mas precisamos estar preparados para saber que pode acontecer.
O relacionamento com as pessoas na rua é muito bom. Nos restaurantes, já
tenho meu lugar. É uma coisa muito confortável. Nos sentimos bem, queridos. Não tem razão para mudar
Sobre a vida em Porto Alegre
Você faz algo diferente antes de Gre-Nais?É
diferente. Tem que passar uma conversa diferente. Não sou só eu. O
grupo tem quatro ou cinco que puxam. O Alex viveu muitos Gre-Nais, sabe
como é. O Juan também viveu muito isso. O Dida dos dois lados.
Felizmente, se deu melhor desse lado do que do outro (Risos). Mas tem
que passar uma conversa diferente. É outra coisa. Não é um Inter x
Corinthians: é um Gre-Nal.
Tem influência o fato de ser o primeiro Gre-Nal do novo Beira-Rio?Vai
ser bom não perder. Não quero perder o primeiro Gre-Nal do Beira-Rio.
Assim com o Grêmio não queria perder o primeiro Gre-Nal na Arena. Na
nossa casa, não podemos perder.
Assim como vocês faziam questão de não perder o último Gre-Nal do Olímpico...Fizemos
de tudo. Com dois jogadores a menos, sei lá como saiu aquele empate.
Bah. Era impossível, o Grêmio pressionava, a bola passava pela área...
Mas a gente não queria perder. O Gre-Nal é diferente. E é uma coisa boa
para o futebol, para Porto Alegre, para o torcedor. O torcedor começa a
viver o Gre-Nal duas semanas antes, com zoações na internet e tal. Isso é
bom.
Você já está falando "bah", falando "tu"...Sim, tomo dura na Argentina. Falo espanhol e coloco um “bah” no meio.
Está virando gaúcho, é?Sim.
Acho que me acostumei. Noto isso com meus filhos. Falam português
perfeito. Minha filha chegou com dois anos, e o Santino tinha dois
meses. É gaúcho. O relacionamento com as pessoas na rua é muito bom. Nos
restaurantes, já tenho meu lugar. É uma coisa muito confortável. Nos
sentimos bem, nos sentimos queridos. Não tem razão para mudar. Se está
bem num lugar, vai sair por quê?
Teus filhos cresceram aqui, mas são argentinos. Não planeja fabricar um brasileirinho ou uma brasileirinha, não?Tem
que falar com a patroa... (Risos) Vamos ver, vamos ver. Já tenho um
carinho especial pelo Brasil, por Porto Alegre. É uma ideia boa, mas...
não sou eu que decido!
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/internacional/noticia/2014/07/dalessandro-completa-seis-anos-de-inter-e-avisa-meu-lugar-e-aqui.html