Técnico admite não se preocupar em
agradar quem não trabalha com ele, mas revela face bem-humorada e nega
fama de bravo e 'sempre invocado'
Por Alexandre Lozetti
Porto Alegre
Dunga chegou à sala de imprensa do CT do Internacional para conceder a
entrevista e passou cerca de dois minutos atento a mensagens em seu
telefone celular. Sentou-se ao lado do repórter sem cumprimentá-lo e,
nas primeiras respostas, nem sequer olhava em seus olhos. Depois de 40
minutos, mais do que o prazo que havia estipulado, estava mais relaxado
na cadeira, sorridente e batendo papo.
Isso revela uma das características de Dunga: ele é desconfiado.
Principalmente com jornalistas. Outros traços de sua personalidade são
facilmente identificados em frases e palavras-chave usadas durante a
conversa: regras, postura, conduta, moral, ética, trabalho, respeito,
hierarquia... Ele também é certinho. Quase militar.
Trabalho no Inter é o primeiro de Dunga como técnico de um clube depois da Seleção (Foto: Editoria de Arte)
A imagem de homem bravo não é totalmente verdadeira. É o que garante o
treinador colorado. O rótulo rendeu uma hilária sequência de vídeos na
época da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, quando comandava a
seleção brasileira. As inúmeras e ríspidas discussões com jornalistas
inspiraram uma sátira do filme “Um dia de fúria”, em que o ator Michael
Douglas, dublado como se fosse Dunga, destilava sua ira contra imprensa e
adversários. Até o atacante Robinho virou personagem. Engana-se quem
pensa que a brincadeira deixou o técnico irritado
- Passei os vídeos para os jogadores na Copa. Achei graça, foi muito
bem montado, bem feito. Foi o momento de dar uma relaxada, todo mundo
deu risada, e também para mostrar como as pessoas enxergam de fora, sem
conviverem diretamente comigo. Criaram essa imagem que estou sempre
invocado, não é assim.
A verdade é que Dunga não se preocupa em fazer agrado aos que não
trabalham com ele. Por outro lado, defende seus parceiros com unhas e
dentes, sem medir esforços. Ao lado deles, joga futebol, se diverte e
até conta piadas, embora diga que não possui tanto talento para fazer as
pessoas rirem. A explicação para o comportamento tão distinto é
simples:
- Quem trabalha comigo resolve meus problemas. Os outros só vão me criar mais.
O que sou no trabalho, sou fora. Conto piadas, me divirto, mas as
coisas têm que ter um certo caminho. Tem de haver regras. Se cada um faz
o que bem entende, vira confusão"
Dunga
É dessa forma que o capitão do tetracampeonato da seleção brasileira,
em 1994 nos Estados Unidos, tenta conquistar a todos no Inter. Com
transparência e “regras de convívio”. Após dois meses de trabalho, Dunga
está na fase inicial: entender como pensa cada jogador, e como deve
lidar com cada um deles. Em seus times, cobrança vai existir sempre, mas
de maneiras diferentes.
Alguns são pressionados com mais ênfase, voz dura. Com outros, o
técnico acha que funciona melhor uma ironia fina, quase em tom de
brincadeira. Mas de uma coisa ele não abre mão: falar a verdade, por
mais incômoda que seja.
- As pessoas têm de aprender a confiar em ti. Elas vão ouvir coisas de
que não gostam, mas saberão que você está falando a verdade.
Entre as “regras de convívio” estipuladas por Dunga no Colorado estão:
fazer com que todos se sintam importantes e promover momentos de união.
As refeições, por exemplo. Algo que ele carrega desde os oito anos de
idade, quando limpava e lustrava a casa, arrumava as camas, comprava
comida... O pai trabalhava, a irmã estudava, e a mãe fazia as duas
coisas. O almoço e o jantar eram os únicos instantes de família reunida.
Nos dois anos e meio em que ficou sem trabalhar no futebol, depois da
derrota para a Holanda nas quartas de final da Copa de 2010, Dunga se
dedicou à família, aos investimentos e a obras sociais. Ele está prestes
a finalizar uma casa para pessoas com síndrome de Down e tem projetos
destinados a crianças, idosos e moradores de rua. Nesse período, recebeu
convites sedutores. No primeiro ano, clubes europeus lhe ofereceram um
bom dinheiro, mas não estava em seus planos largar a família. Depois,
outros brasileiros, como o São Paulo, o procuraram. E Dunga usa uma
comparação inusitada para explicar por que não aceitou.
Dunga comanda treino no CT do Internacional (Foto: Tomás Hammes / GLOBOESPORTE.COM)
- Eu queria ter convicção de que o clube queria aquilo, que não estava
me chamando porque a torcida ou a imprensa falavam. Tinham de querer um
técnico com o meu perfil de atacar logo e resolver os problemas, tomar
atitudes. É como o alcoólatra, que sabe que precisa de ajuda, mas no
fundo não quer. Será que os clubes realmente queriam aquelas mudanças?
Outra lembrança que o comandante traz da infância é o momento sagrado
de hastear a bandeira e cantar o hino nacional, às segundas-feiras, na
escola. Desde os berros e a taça do mundo erguida com a camisa 8 na Copa
de 1994 até o discurso nacionalista, em que pregava o amor à Seleção,
quando se tornou técnico, Dunga sempre fortaleceu a imagem de patriota
nato. Se quiser irritá-lo, basta menosprezar um símbolo do Brasil.
O gaúcho acha uma bobagem, por exemplo, a lei que determina a execução
do hino antes de cada jogo de futebol. Para ele, é marketing, e seria
mais importante investir no patriotismo das crianças. Apesar da postura
quase militar, Dunga não serviu o exército, mas lamenta a banalização da
instituição.
- Já vou ser polêmico, né, mas antigamente os jovens com uma conduta
errada iam para o exército e voltavam diferentes. Depois de alguns
episódios, marcamos o exército como se fosse todo ruim, mas deve ter
coisas boas: disciplina, hierarquia, conduta. Hoje em dia, o cara ter
moral e caráter é exceção.
Hoje um guri de 20 anos já tem empresário, que vai à imprensa e diz
que ele é craque, que não pode ser reserva. O Zico foi reserva! Estamos
criando uma geração que não consegue superar obstáculos. Time que ganha é
o que sofre"
Dunga
Dunga é um homem de opiniões firmes. Mano Menezes e os “craques” da
atualidade que o digam. Num camarote do carnaval no Rio de Janeiro, o
ex-comandante disse que a Seleção não tinha definições, e agora, com
Felipão, tem um rumo. Durante a entrevista, ele reforçou a crítica a
Mano:
- Em uma seleção com 12 goleiros e dez atacantes, não pode ter uma
definição. Todos pensam isso, mas têm medo de falar. Se tu vai concordar
com o Felipão é outra coisa, mas ele tem convicção.
A banalização do termo “craque” também o enlouquece. Ele acha que a
geração atual de atletas, coberta de mimos e cuidados, não é capaz de
enfrentar grandes dificuldades, reflexo do que ocorre com a juventude na
sociedade. Para receber de Dunga o rótulo de craque, é preciso ostentar
currículo invejável. Currículo que Neymar, por exemplo, ainda não tem.
- Tem de jogar bem por três ou quatro anos no Campeonato Brasileiro,
depois jogar bem na Seleção e ganhar. Tem de ter o nome formado e
ganhar. Tem que ganhar!
Inspirado em técnicos como Jair Pereira, Sebastião Lazaroni, Parreira,
Zagallo, Jair Picerni, Felipão e Sven-Goran Eriksson, Dunga garante ter
sido muito feliz na Seleção. Ele só não era feliz quando se sentava na
cadeira para dar entrevistas. Sua maior bronca é com jornalistas que não
aceitavam opiniões contrárias, e com os que, à distância, palpitavam
sobre o time.
O confronto era tão aberto que o técnico passou a fazer pesquisas e se
informar para, se fosse preciso, contestar os repórteres com fatos. Foi o
que ocorreu quando foi questionado sobre a ausência do atacante Nilmar
da convocação, e, sem muito tato, respondeu que o jogador havia passado
por uma cirurgia na véspera. O que é um bom jornalista para Dunga?
- É aquele que dá notícia. Muitos fomentam, inventam, dão a notícia do
amigo, dão a notícia contrária porque não ganharam uma entrevista, criam
a todo instante, sabem a verdade, mas não escrevem porque não vende. Na
Seleção tem muito disso.
Muito mais simpático do que em sua chegada à sala, Dunga avisou que
precisava trabalhar. Soa esquisito, mas esse é o primeiro clube de
futebol que ele treina. Ao contrário da seleção brasileira, em que tinha
tempo para avaliar decisões e ter uma margem de erro menor, no
Internacional o desgaste é ampliado. Dunga cuida de tudo para garantir
que, no campo, nada atrapalhe seu grupo. E domingo tem Gre-Nal, às 16h
em Caxias do Sul, válido pelas quartas de final da Taça Piratini.
Sempre se dizendo apoiado em regras, postura, conduta, moral, ética,
trabalho, respeito, hierarquia... Esse será o roteiro do Colorado em
2013.
Dunga se envolveu em discussões com jornalistas na época da Seleção (Foto: Agência Photocâmera)
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