Derek Rabelo, que já dividiu ondas com
gente como Kelly Slater, Gabriel Medina e Mick Fanning, será o
protagonista do documentário 'Além da Visão'
Por João Gabriel Rodrigues
São Paulo
Bruno Santos viu aquele menino com deficiência visual entrar em uma
igreja no Havaí e lamentou. “Eu pensei: ‘Que pena um rapaz cego aqui,
não vai conseguir ver e curtir a beleza local’”, relembra. Mas não
demorou para que o garoto provasse que sabia aproveitar aquele pedaço de
paraíso como ninguém. Apresentado ao capixaba Derek Rabelo por amigos
em comum, o fotógrafo se impressionou com a história daquele jovem de 17
anos que lutou contra o preconceito para aprender a surfar. Anos mais
tarde, depois de ter dividido ondas com gente como Kelly Slater, Gabriel
Medina e Mick Fanning, o rapaz é o protagonista do documentário "Além
da Visão", que está sendo filmado por Bruno e por Luiz Werneck, ainda
sem data para estrear.
A história de Derek conquistou o mundo do surfe rapidamente. O menino,
hoje com 20 anos, nasceu cego em Guarapari, filho de um casal apaixonado
pelo esporte. Tanto que recebeu seu nome em homenagem ao havaiano Derek
Ho, campeão mundial em 1993. E, com o tempo, foi perdendo o medo do
preconceito para que pudesse realizar o sonho de aprender a surfar.
Derek Rabelo em uma das cenas do documentário: capixaba venceu preconceitos para surfar (Divulgação)
- Eu sempre morei perto da praia, minha família toda surfava. Chegou um
momento da minha vida que eu quis surfar, quando tinha 17 anos. Eu
sabia que a galera estava indo surfar e ficava na vontade. No início,
foi meio complicado, estressante. Eu tentava surfar todo dia, o
treinador ficava sempre à disposição. A galera me dava muita força,
incentivava. E eu consegui – disse o surfista, em entrevista por
telefone.
Foi quando começou a nutrir sonhos maiores. Incentivado pelo amigo
Magno Oliveira, um dos principais nomes do bodyboard nacional, Derek
quis conhecer o Havaí. Melhor: queria surfar a Pipeline, conhecida por
ser uma das maiores e mais perigosas ondas do mundo. Tirou o visto
americano e embarcou. E, mesmo em um lugar por vezes avesso a surfistas
estrangeiros, conquistou a confiança e a simpatia local para atingir um
feito até então impensável.
- Pipeline foi a benção de Deus na minha vida, fiquei “amarradão” em
fazer isso. Foi uma situação muito diferente, água quentinha, altas
manobras. O pessoal do Havaí me deu muita força, gostaram da minha
história e deram paz para que eu pudesse surfar a Pipeline. Foi um
momento muito maneiro também.
Derek e o fotógrafo Bruno (Foto: Divulgação)
Derek ganhou as páginas dos jornais e foi protagonistas de matérias na
televisão havaiana. Sua história circulou o mundo e ganhou fãs de peso,
como Slater e Fanning, que logo quiseram conhecer o "brasileiro cego que
havia surfado a Pipeline".
Foi nessa época que Derek se encontrou com Bruno. O fotógrafo, que se
mudou para o Havaí em 1991, aos 21 anos, se impressionou com a força do
menino. E, já com a ideia de se arriscar pelo cinema, pensou em “adotar”
o capixaba como protagonista de seu documentário. Chamou o amigo Luiz
Werneck, já com experiência cinematográfica e na televisão, e começou a
gravar em locações como Rio de Janeiro, Espírito Santo e, claro, Havaí,
mesmo sem garantias de lançamento. Lançou um vídeo de pouco mais de três
minutos no "You Tube", que, em poucas semanas, teve mais quase 500 mil
visualizações. O que o motivou a dar sequência ao projeto, que já tem um
trailer, com depoimentos de gente como Carlos Burle, Evandro Mesquita e
Gabriel, o Pensador (clique aqui para assistir).
- Quando nós colocamos o Derek na frente da câmera e começamos a
entrevistá-lo, vimos que a sua história era realmente incrível e achamos
que tínhamos em mãos um grande potencial para fazer um bom
documentário. Mas o filme não poderia ser somente sobre ele. Resolvemos,
então, tentar mostrar um pouco de como os deficientes visuais
“enxergam” o mundo e como eles vivem. Mas, ao mesmo tempo, não queríamos
fazer nada muito “profundo” ou “melancólico”. Queríamos fazer algo
alegre e que pudesse vir a motivar e servir de exemplo para todos –
disse o diretor.
Derek na água ao lado de Medina e Pedro Scooby (Foto: Divulgação)
Nos últimos dias, a equipe aproveita a etapa de Trestles do Mundial
para gravar mais algumas cenas. Derek, inclusive, participou da
transmissão via internet do campeonato. Conversou com o ídolo Taj Burrow
e ouviu uma série de elogios do australiano.
- Ele é muito mais talentoso que eu. Está conseguindo coisas
sensacionais, merece muito estar onde está e ainda mais – disse o
surfista.
Derek Rabelo também anda de skate e de
bicicleta (Foto: Divulgação)
Derek, então, fez o pedido:
- Quero dividir uma onda com você – falou o garoto.
Bruno espera que a história de Derek possa incentivar outros meninos, com ou sem problemas a praticar esportes.
- Na verdade, no início, nós imaginamos que isso seria uma das coisas
principais que iriam acontecer. Mas com o passar do tempo , percebemos
que o “ efeito Derek” estava atingindo todos os tipos de pessoas,
independentemente da idade, da classe social. O que mais vimos até agora
foram pessoas “normais”, atletas, pessoas famosas, virem até nós para
dizer que ficaram extremamente tocados e motivados a realmente tentar
mudar de atitude em relação à maneira que eles vivem e da maneira que
enxergam a vida.
Os diretores, no entanto, ainda esperam apoio para finalizar o projeto.
Bruno tem, inclusive, a cena perfeita para encerrar o documentário.
- É o meu primeiro filme como diretor. E eu quero um final bem
emocionante. Estamos tentando fazer sem orçamento até agora, só nos
preocupamos em contar a história. Mas estou tentando trazer os pais dele
para Pipeline. Queria que eles o vissem entrando em Pipeline. Sempre
sofreram muito com discriminação. Tiveram problemas para colocá-lo na
escola, em campeonatos de surfe. Foi uma vida sofrida. E os dois gostam
muito de surfe. Tanto que deram o nome dele em homenagem ao Derek Ho,
que participa do filme. Queria colocá-los na mesma onda em Pipeline, com
os pais vendo. Seria um final legal – afirmou o diretor.
Derek ensina surfe à cantora cega Sara Bentes (Foto: Divulgação)
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