Neymar e Dunga já não se entendem como no início do trabalho, pós-Copa (Foto: Getty Images)
Há algo de estranho na seleção brasileira, e não é o
futebol. Ou, pelo menos, não só o futebol. Fora de campo, peças fundamentais
não se encaixam, e isso fica mais evidente a cada reunião do grupo. Os dois
maiores exemplos desse “desencaixe”, hoje, estão no técnico e no capitão.
Além de falarem línguas diferentes um do outro,
Neymar e
Dunga enfrentam resistências, reprovações dentro da Seleção. São casos
diferentes. Do atacante, se estranha o comportamento, a conduta de quem age
como “dono do pedaço”, mas tem se ausentado de momentos importantes, algo que
não se espera de quem usa a braçadeira e, portanto, é um dos líderes da equipe.
O posto de capitão, por sinal, está em xeque depois de mais
uma suspensão por um cartão amarelo considerado evitável, assim como sua
participação na Copa América Centenário, em junho, nos Estados Unidos.
Sobre os ombros do técnico, coloca-se o peso de decisões
difíceis, como deixar fora da Seleção o talentoso, porém complexo Thiago Silva,
e também de os próprios jogadores não conseguirem repetir o futebol que os
tornou badalados no cenário europeu. Quando trocam os mimos e aplausos
recebidos nos clubes pelas críticas e cobranças no Brasil, muitos parecem não
entender – e/ou não concordar – o argumento repetido insistentemente por
Dunga,
da falta de tempo para montar uma equipe capaz de agradar.
As reações aos empates com Uruguai e Paraguai – ambos 2 a 2
– deixaram claro que, enfim, o mau futebol e as oscilações começaram a irritar,
acima de quaisquer outros, os jogadores.
Temos
que acordar e viver mais essa competição. Não é só na qualidade técnica
que vamos conseguir ganhar os jogos. A última Copa em casa atrapalhou o
amadurecimento desses jogadores. Temos que nos unir um pouco mais e
jogarmos na base da garra
Miranda
– Temos que acordar e viver mais essa competição. Não é só
na qualidade técnica que vamos conseguir ganhar os jogos. Temos que amadurecer.
Muitos nunca jogaram nas eliminatórias antes, a última Copa em casa atrapalhou
o amadurecimento desses jogadores. É uma competição diferente de qualquer
outra. Temos que nos unir um pouco mais e jogarmos na base da garra – disparou
Miranda, uma espécie de eco do que costuma dizer Dunga.
O zagueiro teve atuação irregular no empate em Assunção, seu
22º jogo seguido como titular, mas ostentou a braçadeira de capitão que
normalmente é de Neymar. Essa mudança pode vir a ser definitiva. Na comissão
técnica e mesmo no estafe mais presente da CBF há uma insatisfação velada com
as atitudes mais recentes do atacante.
Em novembro do ano passado, a presença de convidados VIPs de
Neymar na concentração em Salvador, antes do jogo contra o Peru, causou
incômodo. Dessa vez, o fato de o atacante ter se apresentado na segunda-feira à
noite, enquanto seus companheiros de Barcelona de outras seleções – Suárez,
Messi e Mascherano – chegaram à Argentina e ao Uruguai pela manhã, em tempo de
treinarem à tarde, já não foi tão bem recebido.
A aparição pública do último sábado, se divertindo numa
balada 24 horas depois de ter recebido o cartão amarelo que o suspendeu do
duelo diante do Paraguai, num momento complicado da seleção brasileira,
tampouco agradou. É a segunda “chance” que Dunga tem de lhe tirar a braçadeira de
capitão.
Neymar faz falta em Alvaro González e
recebe cartão amarelo (Foto: Lucas
Figueiredo / MoWA Press)
Na primeira, após o destempero na Copa América, que causou
quatro jogos de gancho ao craque, Dunga bancou. Apostou que dar a Neymar a
responsabilidade de liderar o faria crescer em campo. Está perdendo a aposta.
Desde o início do ano passado, o camisa 10 tem quatro gols pela equipe, levou
cinco cartões amarelos e um vermelho.
Se o comportamento de Neymar incomoda, algumas decisões de
Dunga também. Por mais que Thiago Silva tenha dado brechas dentro e fora de
campo, com cartões recebidos, pênaltis cometidos e uma péssima reação à perda do
posto de capitão, muitos jogadores não entendem que o considerado melhor
zagueiro do mundo não esteja na Seleção.
Eles acusam também a falta de uma definição tanto na equipe
quanto no sistema de jogo – algo que Dunga parece procurar baseado no 4-1-4-1
–, mas quem convive em meio aos atletas jura que não há nenhum movimento deles
para prejudicar o treinador.
Dunga orienta seus jogadores em partida
contra o Paraguai, na última terça-feira (Foto: AP)
– Zero hipótese. Zero, zero, zero, zero. Não existe problema
de relacionamento na nossa seleção. É um grupo amigo, trabalhador, que está
buscando uma boa apresentação, jogar bem e vencer bem. Esse tipo de coisa não
irá nos atingir. Vivemos dentro do vestiário da Seleção e o ambiente é ótimo.
Com esse ambiente e trabalho, as coisas vão melhorar – assegurou Ricardo
Oliveira, 35 anos, mais velho do grupo.
Se
estamos aqui, temos que confiar no trabalho dele (Dunga).
Independentemente de gostar ou não, temos que nos adaptar. Para
evoluirmos, temos que abraçar a causa de coração
Daniel Alves
A reação na base da raça, com pouca tática, ao buscar o
empate contra o Paraguai, comprova essa tese. Mas não significa aprovação
total.
– Se estamos aqui, temos que confiar no trabalho dele
(Dunga). Independentemente de gostar ou não, temos que nos adaptar. Viemos de
outra filosofia de jogo, outro estilo. Não se trata de estar contente ou
infeliz. Temos que abraçar a causa, o treinador, a comissão. Para evoluirmos,
temos de abraçar a causa de coração. Se acharmos que nada presta, não vamos
conseguir evoluir – disse Daniel Alves, autor do gol de empate, lançado por
Dunga na Seleção em 2006, e curinga do treinador durante sua primeira passagem
no cargo, que terminou em 2010.
A cerca de um mês da convocação para a Copa América, à beira
das Olimpíadas de agosto, em casa, e com cinco meses de hiato até a próxima
rodada dupla nas eliminatórias, em cuja tabela atual o Brasil se encontra na
incômoda sexta posição, fora da zona de classificação para a Copa-2018, Dunga
deve procurar cada vez mais por jogadores que estejam em sintonia com sua
proposta de luta, garra e coração, às vezes até acima de aspectos táticos.
Só que o técnico sabe que não pode abrir mão de
Neymar, mesmo com o atacante em sintonia bem diferente. Encontrar o equilíbrio
entre tentar deixar de ser refém de seu principal craque, e não permitir que
ele se aproveite desse fato em sua postura na Seleção, é o desafio da comissão
técnica para os próximos meses.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/selecao-brasileira/noticia/2016/03/em-meio-rusga-de-neymar-e-dunga-selecao-convive-com-criticas-aos-dois.html