Elio Gaspari desempenhou papel não desprezível na redação do catecismo que levou ao Golpe de 2016.
Seu
historialismo e a ubíqua militância na
Fel-lha e no Globo, o
Farol dos Piratas do Golpe, lançou a pedra fundamental de 2016 ao fazer a revisão-branda do regime militar.
Como se sabe, Gaspari fez uma barganha faustiana: obteve exclusividade para ter acesso às confidências de Geisel, Golbery e o chefe do almoxarifado, major Heitor Aquino Ferreira, secretário deles.
E se comprometeu a escrever a mais doce biografia da "ditadura".
Mas, avisou que tortura, não!
Ele condenou a tortura e santificou os torturadores.
Essa obra revisora chegou agora a seu epílogo, o quinto volume: “A Ditadura Acabada”, da editora Intrínseca, especialista em globais..
Se, nos quatro volumes anteriores, Geisel era o Sacerdote e Golbery, o Feiticeiro, agora, finalmente, os dois são santificados.
Geisel "ganhou todas", diz o autor.
Golbery previu tudo e comandou tudo.
Os dois fizeram a "ditadura" e acabaram com ela quando bem entenderam, para restaurar a Democracia.
Foram tão sabidos que resolveram encerrar o ciclo com um bestalhão da extrema-direita, o General Figueiredo, devidamente espinafrado no livro.
O que interessa em 2016 é que essa versão ajudou a construir o cenário para derrubar Dilma: o Golpe tem seus defeitos, mas a alternativa é pior.
Temer tem seus defeitos, mas Dilma e o lula-petismo são piores, diz o
colonista na
Fel-lha e no Globo.
A "ditadura", enfim recuperada por Gaspari, foi melhor que o petebo-comunismo de Jango.
É o Tribunal de Nuremberg ao contrário: Hitler sai como Sacerdote e Golbery, o Feiticeiro - mas, o Holocausto, não!
(O Brasil é de uma indigência política tão profunda que conseguiu desmoralizar a expressão "ditadura" e o que poderia ser sua correção, a "comissão da ½ verdade".)
Gaspari retoma agora sua tese central: Geisel e Golbery salvaram a Democracia ao desbaratar uma conspirata do Ministro da Guerra Silvio Frota, outro bestalhão de extrema-direita.
Tratava-se de uma de muitas escaramuças dentro do regime militar para disputar a supremacia.
Mas, Gaspari dá à intentona frotista uma dimensão que não teve.
E faz parecer que Geisel e Golbery venceram Austerlitz e Borodino.
Assim como tentou justificar a ditadura com um Golpe do Jango que só Gaspari sabe onde se escondia.
(Como se sabe, Gaspari disse no Volume Um de sua fluvial obra que Jango caiu porque gostava de pernas – de coristas e de cavalos.)
Ele exagera a alternativa para justificar o Golpe – o de 1964 e o de 2016.
Gaspari dedica esse livro a Ibrahim Sued de que foi repórter - leia
"Colunismo em estado sólido, líquido e gasoso".
Lula é um parvo, na acabada ditadura.
Mal se percebe no líder sindical um fiapo de inteligência.
Roberto Marinho merece três míseras irrelevantes linhas.
E como diz aquele navegante do
Conversa Afiada:
falar da BrOi sem mencionar Daniel Dantas e a ditadura sem falar em Roberto Marinho ... só o Gaspari.
Heitor Aquino, inesperadamente, passa a ter um protagonismo na "revolução" de 1964 só comparável ao da Operação Brother Sam.
O autor não conta que o general Kruel recebeu cinco malas de dólares para trair o compadre Jango.
O autor não explica que os democratas Golbery e Heitor, quando foram expulsos do Palácio do Planalto, militaram na bem-sucedida campanha presidencial de Paulo Maluf.
Tão sabidos quanto liberais.
O autor insiste em não citar René Dreifuss, autor de um clássico - "1964 - A Conquista do Estado" -, que descreve como Golbery foi o Goebbels do catecismo ideológico para derrubar Jango.
Gaspari, o único amigo do José Serra, diz que ele se exilou no Chile, na Bolívia e nos Estados Unidos.
Mas, se recusa a explicar como Serra, casado com uma Allende, deixou o Estádio Nacional, onde Pinochet guardava os marcados para morrer, e apareceu na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos.
Gaspari passa açúcar nos Golpes.
Deve estar para escrever seu Volume VI - "2016 - O Golpe Salvador".
Em que Serra será o Sacerdote e ele, Gaspari, o Feiticeiro.
Em tempo: pena que o documentarista da “ditadura”, Amaral Neto, não esteja mais entre nós. Faria desse livro um “especial” para o horário nobre da Globo: “Acabou-se o que era doce!”
Paulo Henrique Amorim