Casa da
Cabofriense tem portões inoperantes - um deles está no chão - e vira
ponto de uso e esconderijo de drogas, relatam funcionários: "Eles se
acham poderosos"
Por Juan Andrade, Tébaro Schmidt e Gustavo Garcia
Cabo Frio, RJ
Entrelaçados
quase como se fossem juntos um sentimento só, o abandono e o medo
caminham juntos no Estádio Municipal Alair Corrêa, em Cabo Frio, Região
dos Lagos do Rio de Janeiro. Sede de treinos e jogos da Cabofriense,
equipe que disputa a elite do Campeonato Carioca, o Correão acrescentou à
sua rotina um clima de insegurança e descaso. Uma breve caminhada por
lá é o suficiente para constatar que as queixas feitas por funcionários e
vizinhos são pertinentes - a falta de manutenção e o vandalismo são as
mais comuns. No entanto, basta uma dose pequena de insistência para que
outro problema venha à tona, esse muito mais grave: o estádio que
outrora recebeu gigantes do futebol brasileiro agora pode estar sendo
usado como local para consumo de drogas.
Um
dia desses invadiram o sistema de iluminação do estádio à noite para
ligar o refletor para poderem jogar bola. A invasão continua. É só você
chegar e vê.
funcionário "x"
Administrado
exclusivamente pela prefeitura, o Correão foi fundado em 1985 e
atravessa um processo de abandono. O lixo espalhado por todas as partes e
o mau cheiro nas arquibancadas e nos bancos de reservas não deixam de
ser uma consequência da irrisória fragilidade do local. Qualquer um pode
entrar. Sim, sem restrição, constrangimento ou dificuldade. Afinal,
dois dos três portões estão desprotegidos - um teve o cadeado arrombado,
e o outro foi simplesmente trazido ao chão
(acompanhe no vídeo, clicando no LINK da FONTE no final da Postagem abaixo, como é fácil entrar no Correão).
As cenas de invasão no gramado tornaram-se diárias.
Para
falar sem medo, só não se identificando: todas as declarações e
histórias recolhidas pelo GloboEsporte.com foram feitas anonimamente com
o objetivo de evitar represálias. Apesar do problema corriqueiro e do
perigo, o assunto é um tabu para funcionários e jogadores da
Cabofriense.
- Todo dia, se você for, principalmente à tarde,
tem gente jogando bola no campo. Como se fosse deles mesmo. Um dia
desses invadiram o sistema de iluminação do estádio à noite para ligar o
refletor para poderem jogar bola. A invasão continua. É só você chegar e
vê - relatou o funcionário "x".
Em
dia de jogo, uma viatura fica no estádio. No
resto da semana, a
segurança fica por conta da
Guarda Municipal, que, por conta das
condições
precárias, vai embora antes do anoitecer
(Foto:
GloboEsporte.com)
Com os portões inoperantes, o número
de estranhos perambulando pelo local é grande. O Correão fica no bairro
Jardim Caiçara, e uma das saídas dá na Rua Duque de Caxias, cuja fama de
ser um ponto do tráfico na região é pública e fala por si só.
Funcionários garantem que é rotineiro encontrar entorpecentes entocados
no estádio - segundo eles, os refletores e os bueiros são os locais
preferidos para os esconderijos.
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A
Guarda Municipal de Cabo Frio é a responsável pela segurança no local.
Segundo um agente da que prefere não se identificar, há pouco tempo um
guarda era destacado para ficar o dia inteiro no Correão, inclusive
pernoite. Agora, por conta das condições precárias e falta de segurança,
ele vai embora antes do anoitecer.
Cadeado do portão traseiro do estádio teria sido arrombado mais de uma vez (Foto: GloboEsporte.com)
-
Mandei um ofício para cada secretaria dizendo que adequasse o espaço
dignamente para que os guardas pudessem fazer o seu trabalho. Não posso
pegar um guarda e colocar ele em qualquer lugar, de qualquer forma -
explicou Renato Viana, secretário de Ordem Pública de Cabo Frio. Ele
ainda informou que o profissional da segurança fica lá até
aproximadamente 19h, mas um guarda entrevistado pelo GloboEsporte.com
deu outra versão em relação ao horário:
- Tinha agente no
local a noite toda. Entrava com o carro, guardava, passava a noite. Mas,
depois que estouraram o cadeado, a direção da guarda falou para que
cinco horas, depois do expediente, não ficar mais ninguém não.
À
prefeitura, foi perguntado por e-mail "por que o estádio encontrava-se
abandonado?" e se "há alguma proposta de reforma ou melhoria na pauta?"
Mais de uma semana antes da publicação desta reportagem, mas não houve
resposta.
À VONTADE
Momentos
antes do jogo começar, indivíduos invadem o estádio normalmente, fumam,
jogam conversa fora e vão embora (Foto: GloboEsporte.com)
No último dia 28 de outubro, a equipe de reportagem do
GloboEsporte.com
foi ao Estádio Municipal Alair Corrêa acompanhar a partida entre
Cabofriense e Portuguesa-RJ, válida pela última rodada da primeira fase
da Copa Rio. Duas horas antes de rolar a bola, cinco indivíduos não
fizeram a menor cerimônia e entraram pelo portão traseiro (o que teria o
cadeado arrombado). Com uma bola na mão, duas crianças começaram a
bater bola no gramado, como se fosse uma prévia do jogo.
Ao
lado de uma ambulância e de uma equipe de enfermeiros que estavam à
disposição do confronto, ficaram ali por pelo menos uma hora, à vontade.
Em meio aos tragos de cigarros, sequer foram incomodadas por alguém. O
cheiro de maconha impregnado atrás de umas das balizas era forte, mesmo
pouco tempo depois. Apenas momentos antes de Cabofriense e Lusa
começarem a jogar foi que eles deixaram o estádio.
- A gente
fica com temor, né, até porque temos família, temos filhos. Não adianta
brigar, eles não vão te ouvir mesmo, quer queira ou não. Eles se acham
poderosos. Ficamos com medo de qualquer coisa que possa complicar a
gente, a família da gente. É desagradável trabalhar com bandido e
traficante dentro do campo, com arma na mão, escondendo maconha dentro
do campo, nos postes, em bueiros de água. É difícil demais - disse, por
sua vez, o funcionário "y".
Logo depois da saída do grupo, uma
viatura da Polícia Militar escalada para fazer a segurança da partida
chegou e se instalou no portão lateral (o que foi derrubado). E por lá
ficou até o fim do jogo, sem mais problemas aparentes.
Por
telefone, o tenente-coronel Ruy França, comandante do 25° BPM de Cabo
Frio, se disse surpreso com a notícia. No entanto, ele reconheceu a
"região complicada" em que se encontra o estádio e garantiu que vai
tomar providências.
- Ninguém me passou nada sobre essa
situação no estádio. Não fomos informados sobre isso. Mas sabemos que as
ruas de acesso têm situações complicadas. Estamos sempre monitorando
porque sabemos que é uma região complicada, isso não é novidade para
ninguém. Mas vamos continuar monitorando e vamos procurar mais detalhes
sobre essa situação, que para nós é uma novidade. A administração do
Correão é da prefeitura. Então, nós vamos entrar em contato com as
outras autoridades da cidade para saber o que está acontecendo, para
sabermos mais detalhes e para eliminarmos isso. Pois uma situação como
essa, se for confirmada, não pode acontecer - afirmou.
O número destinado a denúncias, nesse caso, é o 22 2643-0190.
"CADA UM FICA NA SUA"
De acordo com jogadores e funcionários da Cabofriense, o cúmulo aconteceu durante um treinamento realizado nas vésperas do
confronto contra o Nova Iguaçu,
válido pelo returno da primeira fase da Copa Rio. Enquanto a equipe
realizava uma atividade no gramado, indivíduos supostamente armados
entraram no estádio e passaram a dividir as atenções do elenco.
-
Isso aí a gente acompanhou, foi em um momento de trabalho nosso.
Algumas pessoas envolvidas com a vida do crime, ou alguma coisa assim,
que estavam armadas. Aí, durante o treino, a gente evitava até chegar
de perto de lá, porque uma parte do campo fica bem perto. Dá um certo
medo na gente, fazendo nosso trabalho, e as coisas acontecendo do lado
de fora, mas cada um fica na sua - disse um atleta, o único que falou
sobre o assunto. - É uma coisa que a gente acompanha frequentemente, o
uso de drogas e de armamentos.
Muito lixo e vandalismo mancham a imagem
do maior estádio de Cabo Frio (Fotos:
GloboEsporte.com)
Líder
da torcida organizada Movimento Único Povão, a única da Cabofriense,
Felipe Chacau comprou briga com a Prefeitura de Cabo Frio no que diz
respeito à situação do Correão há alguns anos. Seja com correntes em
redes sociais ou protestos em dia de jogo, ele cobra melhorias e
questiona o abandono do estádio, o maior do município.
É uma coisa que a gente acompanha frequentemente, o uso de drogas e de armamentos.
jogador da Cabofriense
-
A situação aqui está de mal a pior, entende. Como torcedor organizado,
fico indignado com o pouco caso feito, com um time da elite do Carioca,
de expressão de Cabo Frio, pioneiro no futebol da Região dos Lagos,
semifinalista do estadual em 2014. A situação do clube não anda nada
boa, mas a do estádio anda ainda pior. Só 520 pessoas que podem entrar,
não recebe times grandes. Jogamos a Copa Rio para pode ganhar uma vaga
na Copa do Brasil. Mas eu te pergunto, para que Copa do Brasil se for
pegar um São Paulo, um Corinthians e a gente não pode jogar aqui e ter
que levar (o jogo) para Macaé? O negócio está largado aí. O único campo
profissional da cidade tem qualquer tipo de evento, qualquer marcação de
pelada, está largado - esbravejou.
De fato, o estádio não
recebe uma partida de apelo há tempos. A última vez foi em 2009, quando a
Cabofriense foi derrotada por 4 a 0 pelo Botafogo, pela Taça Rio - na
época, arquibancadas provisórias foram instaladas para suportar o
público. De lá para cá, a prefeitura não conseguiu mais obter os laudos
necessários, e a capacidade tem sido de pouco mais de 500 torcedores
desde então. Segundo o site da federação, a capacidade máxima do Correão
é de 10 mil pessoas.
No ano passado, o poder público investiu
R$ 600 mil em obras no estádio com o propósito maior de receber os
jogos contra os chamados grandes pelo estadual. No entanto, o Corpo de
Bombeiros enxergou falhas no sistema de combate a incêndio, e o local
permaneceu com capacidade mínima. O prefeito Alair Corrêa, inclusive,
reconheceu que o esforço acabou sendo em vão. Eliminada
precocemente da Copa Rio, a Cabofriense encerrou as atividades da
temporada e ainda não definiu uma data para reapresentação.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/rj/serra-lagos-norte/noticia/2015/11/drogas-e-medo-entra-quem-quer-no-abandonado-estadio-alair-correa-veja.html