Advogados de equipes brasileiras temem
colapso financeiro caso a proibição, apoiada pela Uefa, seja adotada em
âmbito global pela Fifa
Por Cahê Mota e Vicente Seda
Rio de Janeiro
Daniel Pereira (E), do Porto, e Flávio Godinho, do Fla, estiverem no encontro (Foto: Vicente Seda)
Mais de 20 membros de departamentos jurídicos de clubes de todo o Brasil, além do Porto,
de Portugal, se reuniram na tarde desta quinta-feira em um restaurante
na zona sul do Rio de Janeiro para discutir medidas que possam frear o
ímpeto da Uefa, que tenta junto à Fifa proibir a inscrição de jogadores
ligados a fundos de investimento em todo o mundo. No Brasil, diversos
dos principais atletas têm parcelas dos seus direitos econômicos
compradas por esses fundos e, na visão do grupo, a proibição teria
grande impacto no mercado do continente. Será produzido um estudo formal
com base nos termos discutidos no encontro pedindo que a Fifa ouça os
clubes sul-americanos antes de tomar qualquer decisão.
Após a reunião, ficou decidido que será formada uma comissão com
advogados de clubes, que deverá emitir em breve uma espécie de manifesto
e tomará as medidas para fazer com que os clubes sul-americanos sejam
ouvidos pela Fifa antes que a questão seja analisada pelo Comitê
Executivo da entidade. Esse grupo será composto por Flavio Willeman e
Marcos Motta, representando o Flamengo; Daniel Cravo, advogado do
Internacional; André Sica, advogado do Palmeiras; e Osvaldo Sestário,
que representará os clubes do Norte e Nordeste. Também fará parte da
comissão Daniel Pereira, diretor jurídico do Porto, que esteve no
encontro.
A propriedade de terceiros sobre os direitos de jogadores (“Third Party
Ownership” ou “TPO”, em inglês) é combatida abertamente pela Uefa, que
em dezembro de 2012 aprovou em seu comitê executivo o veto a inscrições
de atletas com direitos repartidos com terceiros em suas competições. A
Uefa já proíbe a utilização de receitas provenientes da comercialização,
por seus filiados, dos direitos econômicos de atletas para equacionar
balanços financeiros, o “Uefa Licensing System”.
Entre as ponderações descritas no convite enviado aos clubes para o
encontro desta quinta, um trecho afirma que a Fifa já terá o tema na
pauta da próxima reunião do seu Comitê Executivo: "Atenta a este cenário
e sob pressão da Uefa, em janeiro do corrente ano, a Fifa iniciou um
estudo global para saber como cada país trata e regula a questão,
enviando para todas as suas associações filiadas (inclusive a CBF) um
formulário de perguntas. Uma vez concluída esta análise, a possibilidade
de proibição do TPO em nível global será então submetida ao comitê
executivo da entidade, já em sua próxima reunião, a ser realizada em 30 e
31 de maio de 2013, nas Ilhas Maurício", diz o convite, assinado por
Botafogo, Flamengo e Vasco - também tiveram participação na organização e
convocação os advogados Marcos Motta e Bichara Neto, que representarão o
Flamengo ao lado do vice jurídico do clube, Flávio Willeman, e Daniel
Cravo, do Internacional.
O Corinthians foi campeão mundial com jogadores de fundos de
investimento, o Internacional também, eu ouso dizer que dificilmente
hoje um jogador de primeira linha no Brasil é 100% do clube. Os direitos
sobre os jogadores são um ativo do clube, como são os direitos de
televisão"
Marcos Motta
Em reportagem publicada no site oficial da Uefa em 11 de dezembro de
2012, a entidade anuncia que seu comitê executivo aprova a proibição da
inscrição de atletas ligados a terceiros em suas competições "por
questão de princípios" e que tal posição deverá ser levada para análise
imediata da Fifa. A Uefa diz que manterá a decisão em seus torneios,
ainda que a Fifa não tome os "passos necessários", prevendo um período
de transição de três a quatro temporadas.
- Esse tópico foi discutido em detalhes no Conselho de Estratégia do
Futebol Profissional, e foi emitida uma recomendação para que a
propriedade de terceiros sobre jogadores seja proibida. O Comitê
Executivo da Uefa endossou essa recomendação - afirmou ao site oficial o
secretário-geral da Uefa, Gianni Infantino, em 11 de dezembro.
O presidente da Uefa, Michel Platini, na mesma reportagem, explica o motivo da decisão:
- Não acho que seja muito bom jogadores de diversos clubes pertencerem a
instituições financeiras ou a pessoas. Creio que ética e moralmente não
é bom. Pensamos a respeito e pedimos à Fifa para lidar com isso -
disse.
O advogado Marcos Motta critica a proposta apoiada pela Uefa (Foto: Vicente Seda)
Marcos Motta, advogado com vasta experiência em casos na Fifa,
considera "absurdo" o fato de a Uefa querer impor a medida ao resto do
mundo sem o devido debate.
- Não satisfeita em tentar regular isso na Europa, a Uefa está
pressionando a Fifa a implantar isso no mundo inteiro, sem ouvir os
outros. Se a Uefa quer fazer na Europa, tudo bem, mas goela abaixo dos
clubes sul-americanos? O Corinthians foi campeão mundial com jogadores
de fundos de investimento, o Internacional também, eu ouso dizer que
dificilmente hoje um jogador de primeira linha no Brasil é 100% do
clube. Os direitos sobre os jogadores são um ativo do clube, como são os
direitos de televisão. Não faz sentido a alegação da Uefa, é um
absurdo.
Além dos clubes brasileiros, na reunião, o diretor jurídico do Porto,
de Portugal, Daniel Pereira, também se mostrou contrário à iniciativa da
Uefa defendendo que, ao menos, aconteça um debate com clubes e
federações antes que seja tomada qualquer decisão pela Fifa. Pereira
citou a ausência de maior abertura para diálogo com a entidade europeia e
explicou que não enxerga diferença no aporte de verba de uma
instituição financeira para a compra de direitos de um jogador e para
patrocínio de um clube. O português preferiu não conceder entrevista sem
uma autorização prévia do seu clube.
Não acho que seja muito bom jogadores de diversos clubes pertencerem a
instituições financeiras ou a pessoas. Creio que ética e moralmente não
é bom"
Michel Platini
Flavio Willeman, vice-presidente jurídico do Flamengo, afirmou que a
iniciativa tem como meta impedir que haja uma decisão "verticalizada".
- O Flamengo procurou liderar essa movimentação. A intenção é
estabelecer uma comissão para que algumas premissas de interesses dos
clubes sejam levadas à CBF, à Fifa e à própria Uefa. Já há um consenso
de que essa medida prejudica os clubes brasileiros, e a intenção é estar
inserido no debate, não deixar que ocorra uma decisão verticalizada.
Essa comissão vai estabelecer alguns parâmetros para que a gente
participe do debate.
Daniel Cravo, advogado do Internacional e um dos organizadores da
reunião, também mostra preocupação com o impacto das medidas propostas
pela Uefa caso sejam aprovadas para implementação em âmbito global pela
Fifa.
- A ideia foi fazer uma exposição da situação atual com essa pressão
que a Uefa está exercendo sobre a Fifa. Pode ser uma situação grave para
o futebol brasileiro e sul-americano se acontecer uma mudança brusca,
com a extinção dos direitos econômicos. Requer uma medida imediata,
então ajustamos um prazo até segunda-feira para que alguns clubes possam
levar isso a instâncias políticas internas e possam se juntar aos que
já definiram posição, caso do Flamengo, do Internacional, do Botafogo,
do Vasco.
André Sica, do Palmeiras, falou em colapso no caso de aprovação da medida pela Fifa.
- Foi muito pertinente essa reunião, é muito importante para todos os
clubes. Isso pode levar a um colapso da economia dos clubes. Acho que
isso aqui foi um exemplo de como os clubes podem se juntar por uma causa
comum a todos.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2013/04/clubes-se-juntam-para-tentar-impedir-extincao-dos-direitos-economicos.html