A imagem daquele homem de cabeça branca e aparência franzina, que percorria o campo com passadas firmes, repetindo uma frase como um mantra, ficou gravada na retina de
Bernardinho. Minutos antes da disputa de pênaltis contra a Holanda, na semifinal da Copa do Mundo de 1998, o frio que descia pela espinha da maioria dos brasileiros parecia não passar pela de Zagallo. Segurava o rosto de cada batedor e do goleiro Taffarel e dizia: "Nós vamos ganhar!". Dito e feito. Ali, o que era respeito virou inspiração para o técnico da seleção de vôlei. No comando da equipe masculina desde 2001, Bernardinho não imaginava que viveria uma trajetória tão vitoriosa. Muito menos que teria a chance de tornar o Brasil o único país da história da modalidade a vencer o Mundial por quatro vezes seguidas. Algo que nos gramados, o Velho Lobo conseguiu, embora não em série, duas vezes como jogador e outras duas na comissão técnica.
A caminhada rumo ao tetra das quadras terá início nesta segunda-feira, na cidade polonesa de Katowice. Lugar emblemático, onde foi conquistado o primeiro título da chamada "Era Bernardinho", na Liga Mundial, há 13 anos. O adversário da estreia será a Alemanha, time alto, forte fisicamente, que tem Georg Grozer como sua maior estrela e que na edição anterior ficou na oitava colocação. A partida será às 8h (de Brasília), com transmissão ao vivo do SporTV e cobertura em Tempo Real do GloboEsporte.com.
- Zagallo sentiu esse gosto de ganhar quatro. Ele é uma referência para mim pela paixão e intensidade com que sempre se dedicou à seleção. Pelo patriotismo, pela experiência e pelo quanto se emocionava. Naquele jogo contra a Holanda, parecia um garoto motivando os jogadores, sacudindo os caras antes dos pênaltis. É uma intensidade única, um exemplo para as pessoas com certa idade e uma inspiração para todos. Ele é um representante fiel de como é abraçar uma carreira. É bacana pensar que você poder ser colocado num hall de personalidades desse brilho, que ganharam quatro títulos mundiais na carreira. Nós tivemos três conquistas espetaculares, e 2014 é um novo capítulo, só que com uma perspectiva mais difícil. Somos candidatos, mas não somos favoritos. Este é um ano de confirmar força. Acho que se o título vier, vai ter sabor igual aos outros. Nada diferente... - disse.
Bernardinho espera levar o Brasil ao tetra mundial de vôlei (Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo)
Na corrida pelo ouro seja no Mundial ou nas Olimpíadas do Rio, Bernardinho coloca Estados Unidos, Rússia, Sérvia, Polônia e Itália no mesmo patamar que o Brasil. Ainda atenta para outros, como Irã, que podem dar trabalho. Mas a superação mostrada na última Liga Mundial - quando a ida à fase final pareceu, por vezes, improvável - deu uma boa resposta ao treinador.
- Lembro que, em 2002, nós chegamos fisicamente preocupados com Nalbert e Dante. Anderson e Ricardinho foram fundamentais na reta final. Em 2006, tivemos uma preparação mais tranquila e nos consolidamos. Na edição de 2010, o Marlon estava doente, e tomamos uma cacetada da Alemanha sem ver a cor da bola. Fomos jogando, vencendo as dificuldades e chegamos bem na reta final. No de agora, não somos favoritos. Cada vez mais a concorrência é mais dura. Mas temos um time com 12 jogadores efetivos, como nas outras três edições. Nós também tiramos lições da Liga Mundial. Nem nosso agente de viagens acreditava que fôssemos passar à final. No começo eles estavam inseguros, rendendo muito abaixo. Eu sentia a falta de luz nos olhos deles. Mas tivemos capacidade de trabalho para reverter aquela situação.
Sentado na poltrona de casa, Zagallo não perdeu uma partida sequer. Há muitos anos, acompanha os passos de Bernardinho e seus comandados. Seja em que horário for. Enxerga no treinador um pouco de si mesmo e vê naqueles jogadores um pouco do Mario Jorge, aspirante a levantador de sucesso, que se arriscou primeiro nas quadras antes de pensar em brilhar nos gramados. Fala com orgulho que ali, por volta dos 15 anos, jogou no primeiro time de vôlei do América. Foi federado e tudo. Só que a baixa estatura tratou de colocar um freio em suas pretensões. Em vez de armar jogadas com as mãos, foi fazer isso com os pés.
Brasil treina na Spodek Arena, local dos jogos do Grupo B na primeira fase, em Katowice Foto: Divulgação / CBV)
- Eu me lembro que jogamos até contra o Flamengo. Eu era levantador, tinha 1,70m e não podia me arriscar em outra posição (risos). Como eu estava naquela fase de escolher um esporte, passei pelo tênis de mesa, pela natação e também pelo futebol. Aí me convidaram para jogar futebol e eu falei: "Vou nessa". Só que comecei pagando para jogar. Meu pai pagava a mensalidade, e eu não recebia nada no juvenil do América. Escolhi a bola maior e não me arrependo (risos). Mas eu gosto de vôlei. Não perco os jogos. Na Liga, o time deu uma apagada, melhorou, voltou a jogar bem e venceu até a Rússia! Acho que tem tudo para ser campeã mundial. Sou fã dessa garotada comandada pelo Bernardinho. Bruninho, Lucarelli, Wallace... é uma equipe fantástica!
Como torcedor, sofreu com a derrota para Muserskiy & Cia. na final das Olimpíadas de Londres 2012. Fala sobre aquela partida com riqueza de detalhes. Como ex-jogador e ex-treinador, diz entender muito bem o quanto aquele revés doeu para uma equipe tão acostumada a vencer. Só não tinha conhecimento de que seu trabalho e atitudes inspiravam alguém com quem tanto se identifica e admira. Sorri, busca as palavras e só consegue falar: "Nossa, fiquei até arrepiado porque a recíproca é grande." Solta uma gargalhada ao saber que sua mais famosa frase de desabafo é a preferida de Bernardinho.
Lamenta ainda não ter tido a oportunidade de conversar, de trocar uma ideia com ele. É fã declarado, daqueles que saem em defesa de Bernardinho sempre quando alguém faz algum comentário sobre o temperamento do exigente treinador. Explica que aquelas caras, bocas, gestos e broncas são de quem coloca a alma à beira da quadra, de quem joga com o time. Se pudesse dar um conselho de tetracampeão, é que siga do jeito que é.
- Ele tem tudo dentro dele mesmo, como técnico e como pessoa. Acho que temperamento é como é. Eu sou como eu sou. Tem mesmo que mostrar que estar ali, botar tudo para fora. Tem que ser assim, tem que ser vibrante mesmo. Eu me identifico totalmente com ele. Com aquela vontade, com tudo. Não é fácil estar naquela função. A responsabilidade é muito grande! E ele fez uma mudança total na equipe. Ter a visão para montar uma seleção vitoriosa por tanto tempo é algo muito difícil. Não consigo imaginar a seleção brasileira sem o Bernardo. Quero que ele seja penta, hexa. Tive a felicidade de ser tetracampeão do mundo e não tem outro brasileiro chamado Zagallo que conquistou isso. Não sou Pelé nem Garrincha, mas tenho mais títulos (risos). Tem que engolir mesmo! E no vôlei todo mundo tem que que engolir o Bernardo! - diverte-se.