O número de passos variou conforme o tempo. Fossem 16, fossem 18, ao
longo do ano Fabiana Murer sempre teve um rumo definido: queria ir além.
A técnica, a tática e até mesmo as varas foram se alternando de acordo
com os objetivos de cada etapa. Com o título da Diamond League, em 2010,
a atleta entrou num caminho sem volta. Antes à sombra da amiga Yelena
Isinbayeva, passou a sonhar com saltos maiores, mais ousados. Casou-se
com o técnico Élson Miranda, treinou forte, enfrentou lesões e ainda
ouvia a eterna comparação com a russa. Tudo passou sem que sumisse o
sorriso característico, até que a maior conquista chegasse, em Daegu, no
último dia de agosto, com o título mundial que a colocou no topo do
planeta.
Fabiana e Élson na Coreia do Sul: atleta e técnico se casaram há um ano (Foto: GLOBOESPORTE.COM)
Desde outubro do ano passado, o GLOBOESPORTE.COM acompanhou, mês a mês,
todos os passos da brasileira. Já com os olhos voltados para Londres,
Fabiana dá o último salto de um ciclo nesta segunda-feira, em busca do
bicampeonato dos Jogos Pan-Americanos, em Guadalajara. Para chegar a
este ponto, foi preciso passar por muita coisa. É ela própria quem
conta.
Voltei das férias no dia 18 de outubro, fiquei um tempo sem fazer nada.
Eu precisava mesmo de um descanso, foram muitas competições. Estava
bastante cansada. Fui visitar a família, descansar a cabeça. Voltei aos
treinos no fim de outubro, em Bragança Paulista, mas coisas leves, mais
para fortalecer a articulação e evitar as lesões. Fiz muito pouco de
salto, ainda mais porque estava chovendo. Foram semanas produtivas, deu
para aproveitar bastante.
Fabiana (à dir.) na festa (Foto: Arquivo pessoal)
Depois das férias em outubro, passei novembro inteiro treinando. No fim
do mês, em Monte Carlo, tivemos a premiação dos dez melhores do
atletismo em 2010, foi muito legal. Fizeram um bate-papo com os atletas,
como a sueca Angelica Bengtsson, que foi muito bem nos Jogos da
Juventude, o Sergey Bubka, a Isinbayeva. Foi bom para dar uma relaxada.
Voltei para o Brasil, e foi um mês de muita expectativa, ansiedade.
Fiquei muito focada nos treinamentos, mas ao mesmo tempo pensando no
Prêmio Brasil Olímpico. Hoje em dia, consigo separar bem, não atrapalha,
consigo ficar concentrada. Mas nos momentos de folga meus pais
divulgaram, meus amigos fizeram campanha para que votassem em mim.
Durante a festa do Prêmio Brasil Olímpico, fiquei muito tranquila. Na
hora do anúncio, eu estava muito nervosa, sabia que tinha chances, mas
as outras meninas também tinham. Sabia que era muito complicado, mas
fiquei supercontente depois de vencer. Depois do prêmio, treinei direto
em São Paulo. Passei o dia 25 de dezembro treinando. No dia 31, ainda
treinei de manhã, mas fui para a chácara da minha família em Jaguariúna.
Sair com a família foi bom, consegui descansar a cabeça. Aí tirei uns
dias de folga, mas tinha de estar concentrada e firme se quisesse ter um
bom ano.
Fabiana Murer na limusine em Nova York, com as varas cuidadosamente embaladas (Foto: Arquivo pessoal)
Treinei bastante no início de janeiro. Não consegui fazer um bom fim de
treinamento por conta da chuva. Treinar em São Caetano atrapalha um
pouco por causa disso. Então, a parte final não foi tão boa quanto eu
esperava. Poderia ter sido melhor para as competições. A primeira foi em
Nova York, no dia 18. Por muito pouco eu não consegui 4,84m. Bati no
sarrafo e caiu. Mas foi boa, era só a primeira do ano.
Fui para a Alemanha, foi uma boa competição, mas na Ucrânia foi um
problemaço. Não sabia como tinha me machucado, achava que tinha caído no
sarrafo, mas tive uma distensão no músculo multifido, nas costas. Já
tive uma lesão nesse músculo quatro anos atrás, pouco antes do Pan. O
médico ficou até surpreso. Não conseguia me mexer. Achava que tinha três
dias pela frente e que iria estar bem para uma competição na Polônia,
mas não aconteceu, acabei desistindo. Começava a correr, sentia dor,
depois foi piorando. O corpo avisava que era melhor não. O problema era
que eu só fazia as consultas por computador. Tinha um fisioterapeuta lá,
mas não era o mesmo sistema que eu uso no Brasil. O tratamento foi gelo
e antiinflamatório. Consegui me recuperar bem para Estocolmo, fiz
alguns treinos de salto. Cheguei bem lá, muito veloz, melhor que em
Stuttgart. Estava muito bem, mas acabei indo mal, até mais por ter
perdido duas competições. Escolhi a vara que me jogava a 4,80 m, mas não
me jogou nem a 4,60 m. No dia 24, voltei ao Brasil. Foram treinos mais
tranquilos, sem dor nenhuma.
Fabiana com o técnico Vitaly Petrov: semana produtiva para a atleta no mês de março (Foto: Arquivo pessoal)
Descansei duas semanas, voltei a treinar bem devagar, fazendo toda
preparação física. Vitaly Petrov ficou uma semana aqui e foi superlegal
ele ter vindo nessa fase de treinos. E desta vez ele veio em uma
situação diferente, sem treinar a Isinbayeva, tinha um tempo maior. Eu
percebi que ele estava mais concentrado nos meus defeitos. Antes, ele
ficava muito mais concentrado em coisas que a Yelena precisava do que
nas coisas que eu precisava. Foi muito legal. O Élson liga direto para o
Vitaly, que sempre pergunta como estou. Não existe mais aquela
competitividade.
Eu estava muito cansada. Foram treinos fortes, então me cansei muito,
mas é um momento de diminuir os treinos mesmo. Não tive problemas de
dor, mas fiz fortalecimento das costas. Foi uma preparação grande na
fisioterapia também. Passei superbem pelos treinos, sem lesão. Estava me
preparando para o GP Brasil, no Rio de Janeiro. Estava bem preparada,
mas tinha de acertar alguns detalhes para a competição.
Fabiana no GP do Brasil, no Rio (Foto: AP)
O começo de maio foi o fim da preparação para as competições. Foi um
longo período de treinos e, mesmo assim, ainda não deu para saltar tão
alto. O ano é bem longo e as principais competições são em agosto
(Mundial) e outubro (Pan). Maio é o mês dos GPs do Brasil, e eu só
participei do último GP (foram cinco etapas), no Rio. A competição foi
boa, mas não consegui fazer muitos saltos, acabei cansando logo. Saltei
4,65 m, a melhor marca mundial do ano naquele momento. Fiquei contente
com os meus saltos. Logo depois, começou minha maratona de viagens.
Fui para o Sul-Americano em Buenos Aires. Estava bem frio, foi um pouco
difícil de aquecer, mas mesmo assim consegui uma boa marca: fiz 4,70m,
ganhando a competição e novamente melhorando a melhor marca do mundo.
Naquela noite viajei para Eugene, nos EUA, para uma etapa da Liga de
Diamante. Acabei saltando 4,48 m, tentei 4,68 m mas não passei, terminei
em terceiro. Lógico que não gostei do resultado, mas foi uma competição
importante. De Eugene, viajei para Oslo, para uma nova etapa da Liga de
Diamante. Fiquei um pouco gripada, com dor de garganta, mas sabia que
tinha que me manter firme. No dia da prova, estava chovendo e um pouco
frio. Saltei 4,60 m e ganhei a competição. Foi bom ter vencido. Depois
segui para Formia, na Itália. Fiquei treinando o mês de junho inteiro.
Consegui me recuperar, não treinei muito forte, não foram muitos saltos.
Eu precisava desse tempo para me recuperar fisicamente e chegar bem a
Birmingham, para mais uma etapa da Liga.
Em Formia, na Itália, haja gelo para recuperar a condição física da saltadora (Foto: Rodrigo Iglesias / BM&F)
Em Birmingham, eu estava bem, mas foi estranho, errei meu primeiro
salto. Começou a chover, ficou realmente complicado e acabei ficando em
terceiro. Saí um pouco decepcionada, o tempo não ajudou. Voltei para
Formia e fiquei um período treinando só com o Vitaly, já que o Élson
voltou para o Brasil. Depois, fui para Estocolmo, para a Liga. O vento
estava bem forte, precisei de certa paciência para conseguir saltar.
Gostei da competição, mas não do resultado. Saí contente porque estou
bem tecnicamente. Essas competições servem mesmo para acertar detalhes
para o Mundial e para o Pan. A Yelena voltou e fez a melhor marca. Está
saltando bem, mas não tão bem quanto antes.
No início de agosto, fui para Londres, última etapa da Liga antes do
Mundial. Estava muito segura, o tempo estava superbom para competir. Foi
ali que consegui confiança técnica para o Mundial. O Vitaly foi comigo,
porque o Élson voltou para o Troféu Brasil. Foi legal ter o Vitaly por
lá também. Fazia tempo que ele não me via competir. Tivemos de adaptar
algumas coisas e acabei sendo muito conservadora. Não saltei muito alto,
mas senti confiança.
No Mundial de Daegu, Fabiana salta para a maior glória de sua carreira (Foto: Agência Reuters)
Depois, fui para Formia e terminei a preparação para o Mundial. Fui
ganhando confiança, correu tudo bem durante os treinos. Saí dia 18 da
Itália e cheguei à Coreia do Sul no dia 19. Foi um voo longo, mas
cheguei superanimada. Era a competição na qual eu estava me focando o
ano. Também fiquei contente ao ver os outros brasileiros, já que não via
ninguém. Foi aumentando a ansiedade, a espera, os outros chegando.
Cheguei muito confiante, mas é importante ter uma certa insegurança
também. Eu sabia que estava com uma boa técnica, estava calor, tudo isso
ajuda. E acabou dando tudo certo. Consegui 4,85m, recorde
sul-americano.
Fabiana e a faixa que ela levou para casa após o
título mundial em Daegu (Rodrigo Iglesias/BM&F)
Quando saltei, ainda não tinha certeza do título. A alemã poderia
saltar 4,90m, claro, era muito difícil ela me passar. Tentei me manter
concentrada nos 4,90m. Sabia que, se ela passasse, eu teria de passar
também. Na hora em que acabei com minhas tentativas, aí sim pensei: “Sou
campeã mundial”. Consegui realizar um sonho, depois de tanto trabalho. É
legal ver que todo o trabalho foi certo.
Depois, nem fiz muita coisa. Teve uma premiação para mim com na casa
dos atletas, fui para a pista assistir às outras competições, conheci um
pouquinho da cidade. Até roubei uma das minhas faixas que estavam
espalhadas pela cidade (risos).
E teve toda aquela espera pela entrega da medalha, né? É sempre no dia
seguinte, porque salto é uma prova que demora muito. É muito legal
voltar e receber a medalha, todo aquele reconhecimento. Tinha a questão
de ver se a Yelena ia se recuperar depois do Mundial, aí me colocaram
como a principal rival (“Who is the highest?”), muito legal.
No dia 8, já tinha Zurique, pela Liga. Eu me senti muito cansada. As
condições não estavam muito boas, mas ainda assim por muito pouco não
saltei 4,82m. Fiquei em terceiro. Terminei contente, sabia que não tinha
me recuperado muito bem do Mundial. No Brasil, foi ótimo ter aquela
recepção toda no aeroporto, com a minha família. Fui para casa deles no
domingo, toda a família, todo mundo queria ver a medalha, tirar foto. E
para eles eu mostrei, né? (na chegada, Fabiana não mostrou a medalha
para a imprensa, porque haveria uma entrevista coletiva no dia
seguinte). Foi bem gostoso curtir aquilo tudo.
No desembarque, a medalha de ouro escondida (Foto: João Gabriel Rodrigues / GLOBOESPORTE.COM)
Acho que dá para ir bem no Pan, mesmo sendo fim de temporada. Nessa
época, eu estaria de férias, talvez até começando a treinar para o
próximo ano. Mas dá para pensar no recorde da competição. Primeiro,
quero ganhar. Sei lá, vou tentar meu melhor salto. Estou tão tranquila,
quem sabe não sai um bom resultado?
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/jogos-pan-americanos/noticia/2011/10/em-um-ano-fabiana-murer-salta-para-o-topo-e-chega-ao-pan-como-estrela.html