O
Conversa Afiada reproduz editorial de
Mino Carta, de
CartaCapital:
O afastamento de Eduardo Cunha já estava escrito no script do golpe, que não se esgota com o impeachment
O afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara estava escrito no script da conspirata. Ele paga o pato (obviamente, não o da Fiesp) para que Michel Temer e outros não paguem por coisa alguma. Aos leitores de CartaCapital recomendo que não se regozijem, e não se iludam quanto às próximas etapas deste trágico enredo.
Concluída a operação-impeachment com a decisão do Senado marcada para a próxima semana, caberia ainda recurso ao Supremo Tribunal Federal, o qual já deu demonstrações inequívocas de sua conivência com o andante geral da orquestração.
De sorte que fica previsível imaginar o passo seguinte: a devolução das investigações a respeito de Luiz Inácio Lula da Silva à sanha de Sergio Moro. Ousada demais a previsão da condenação final do ex-presidente da República, último e principal objetivo de caudalosa manobra?
Como disse Massimo D’Alema na entrevista publicada por CartaCapital na edição da semana passada, a prisão de Lula acentuaria o sabor do golpe e abriria a perspectiva de “um confronto lacerante”. Mas não seria a detenção de Lula a última passagem do script? O impeachment de Dilma Rousseff não passa de uma etapa do golpe, outras hão de vir.
Há quem exclame, a começar pelo arguto professor Michel Temer: não é golpe. Como há de ser chamado então todo esse entrecho que agora sacramenta o impeachment tirado da cartola, ao longo de um complô, a unir juízes, promotores, polícia, empresariado e mídia para rasgar a Constituição ao derrubar a presidenta legitimamente eleita sem prova do crime de responsabilidade. Do alto da sua hipocrisia, a casa-grande recorre a tecnicalidades para justificar suas mentiras.
Nunca aos meus olhos foi tão evidente a prepotência dos eternos donos do poder, prontos a aproveitar o momento de fragilidade de um país, por eles mesmos condenado a não passar de exportador de commodities, para desferir um golpe de feitio inédito.
Os conspiradores vitoriosos não hesitam em se apresentar como patriotas quando nada fizeram por sua terra ao satisfazer apenas e tão somente a sua ganância.
Elite da pior qualidade, incapaz até de entender as vantagens que o capitalismo tem condições de oferecer à nação em peso pelos caminhos que em outros tempos Antonio Gramsci definiu como fordismo.
Referia-se a Henry Ford, promotor da revolução do Modelo T, o carro que os seus operários, dignamente pagos, poderiam comprar. À época, uma anedota contava da visita ao papa de emissários do magnata norte-americano, que pediam que, ao fim da missa, o oficiante, em vez de dizer fiat voluntas tuas, dissesse ford voluntas tua.
Devemos à dita elite nativa a permanência da senzala, a educação precária do povo, a saúde mais ainda. Mas os próprios autores da desgraça não primam pela sabedoria, pela cultura, pela visão profunda das coisas da vida e do mundo. Em geral, toscos até a medula, embora arrogantes.
De certa forma criaram o país que lhes convém, e tragaram na esteira dos seus comportamentos quem haveria de resistir e apontar a direção certa. Aludo inclusive ao PT. Imaginou ter atingido o estágio senhorial e se portou no poder como os demais pretensos partidos.
Figura exemplar do entrecho nefasto, Henrique Meirelles. Dispenso outras, muito além de dúbias, Fernando Henrique Cardoso, José Serra e companhia, heróis da reação. Fico com Meirelles. Trata-se do inesgotável avalista das intenções neoliberais, melhor, neoliberistas, das satisfações devidas ao maldito mercado, em qualquer governo. Figura para todas as estações, imprescindível.
Na tentativa de imaginar o que virá, é fácil antever o futuro. O loteamento dos bens brasileiros, o distanciamento dos BRICS para a alegria de Tio Sam, Alca em lugar de Mercosul. Etc. etc. Antes ainda, a punição do trabalho, e aqui a alegria será da Fiesp e quejandos. Antes de tudo, a punição do Brasil e da maioria abandonada ao seu destino, em boa parte incapaz de perceber e avaliar a imponência da tragédia.
O que espanta é a profusão de bandeiras desfraldadas, a enfeitarem fachadas e carros, ou envolverem cidadãos ignaros. Celebra-se, igual à conquista de uma Taça do Mundo, o enterro do Estado de Direito. O espetáculo é assustador sem deixar de ser patético, reação parva, para não dizer demente, à fatal prepotência cometida contra qualquer propósito democrático. Se quiserem, contra quem se embandeira.
Suponho que, se Gulliver decidisse hoje partir na rota de Lilliput, não teria maiores dificuldades ao aportar no Brasil.