Mirandinha, no PV, com a camisa do Newcastle
(Foto: Diego Morais/Globoesporte.com)
Ao colocar os pés no gramado do novo Estádio Presidente Vargas, Mirandinha recorda um dos momentos mais marcantes de sua vida.
- Aqui, eu fiz três gols pelo juvenil do Ferroviário, em 1977, contra o
Ceará. Nós ganhamos por 4 a 3 e fomos campeões estaduais. Era tudo
muito diferente disso aqui - declarou o ex-jogador.
O PV não se importa em receber de braços abertos quem um dia levou a
magia do futebol brasileiro para a Inglaterra. Mirandinha fez história
ao ser, aos 27 anos, o primeiro jogador do Brasil a vestir a camisa de
um clube inglês: o Newcastle, em 1987.
E para quem já esteve correndo pelos campos da Europa - com muita
velocidade, uma de suas principais características -, a situação atual
não chegar a assustar, mas é bem atípica. Atualmente, Mirandinha, com 52
anos, presta consultoria para projetos que incluem esporte da
Secretaria de Cultura do Ceará.
Isso acabou aproximando-o da política. O homem que desbravou o futebol
inglês e foi ídolo no Brasil pode acabar se candidatando a vereador de
Fortaleza em 2012.
- É possível que eu saia sim (como candidato). Surgiu a possibilidade
recentemente. Estou pensando seriamente em não trabalhar no futebol
cearense. Tive muito desgaste em 2011, até familiar, por causa do
futebol - declarou o treinador.
Mirandinha penou em 2011, entre Ferrão e Maguary
(Foto: Rodrigo Carvalho/Agência Diário)
2011: um ano de incertezas
Mas as situações atípicas em 2011 não param por aí. Em janeiro, ele
montou um grupo de ex-atletas e empresários para dirigir o Ferroviário.
Além de dirigente de futebol, ele também assumiu a função de treinador,
com a missão de recolocar o Ferrão entre os grandes clubes cearenses.
- Nós investimos em campo, alojamentos, vestiários. No entanto, muita
gente criticou, achando que tinha que ter investido no time em si. Foi
um ano muito difícil profissionalmente - disse o treinador.
O grupo gestor de Mirandinha tinha direito à maior parte dos lucros que
fossem gerados no Ferroviário. O clube tinha direito a 35% nas
negociações de atletas e a 20% em qualquer outra fonte de renda como
borderôs, patrocinadores e investidores. No entanto, Mirandinha defende
que o grupo não queria o lucro imediato, mas sim utilizar o dinheiro
para recuperar o Ferroviário.
O Ferrão, porém, fez um péssimo início de Campeonato Cearense e logo se
viu ameaçado pelo rebaixamento. Mirandinha e o grupo gestor foram alvos
de críticas. A ruptura com o clube não demorou a acontecer, e veio no
2º turno do estadual.
- A ruptura aconteceu por um ato impensado do presidente. Ele achava
que o Ferroviário ia reabrir o PV em um jogo contra o Ceará e que essa
partida daria quase R$ 1 milhão de renda. Até preocupados em receber só
20% dessa renda, eles resolveram romper de vez conosco. Nosso objetivo
naquele momento não era o lucro, mas sim conduzir o projeto, pagar os
funcionários, jogadores e restaurar o patrimônio - declarou Mirandinha.
Depois, Mirandinha foi parar no Maguary, da Terceirona Cearense. O time
chegou a ir bem na primeira fase da competição, mas, depois, o trabalho
do técnico foi atrapalhado por problemas de infraestrutura.
- O projeto do Maguary é muito bom, por isso eu topei. Mas o presidente
não conseguiu o apoio que imaginava. Eu tive que dispensar seis
jogadores importantes na segunda fase porque eles estavam pagando para
jogar. Aí teve falta de salários, os jogadores começaram a faltar
também. A gente não tinha nem comida para dar aos jogadores em dias de
jogos - contou o técnico.
Desgastado com os clubes cearenses, Mirandinha, neste momento, se
divide entre a ideia de ser político ou de até voltar a trabalhar com
futebol. Mas bem longe do Ceará, onde deu seus primeiros passos como
jogador e fez sucesso vestindo a camisa do Fortaleza.
O ex-jogador e atual técnico pode ir para o Cascavel, no interior do
Paraná, onde já treinou em 2005. Porém, há outras possibilidades no
Piauí, em Manaus-AM e em Porto Velho-RO.
Na época de jogador, Mirandinha foi o primeiro brasileiro no futebol inglês
Mirandinha nos tempos do inglês Newcastle
(Foto: Divulgação/NewCastle)
Quando jogador, Mirandinha tinha como uma de suas principais virtudes a
velocidade no arranque. Essa característica, além dos gols, despertou o
interesse do futebol inglês.
- Na época, foi muito difícil. Não havia brasileiros por lá e eu não
falava nada de inglês. Mas, ao mesmo tempo, foi também o momento em que
eu me senti reconhecido como profissional.
A negociação de Mirandinha com o Newcastle contrariou a lógica da
época. Segundo ele, não houve nenhum empresário intermediário na sua
transferência. Se as portas para brasileiros eram fechadas no futebol
inglês, naquele momento, a abertura se deu de uma maneira bem peculiar.
Foi após um golaço com a camisa da Seleção Brasileira, em um amistoso
contra a Inglaterra, que Mirandinha ficou famoso na Terra da Rainha.
Em 1986, no entanto, o atacante pertencia ao Palmeiras. Além do golaço
no amistoso, contou também com uma "forcinha" especial. Um amigo dele
palmeirense foi fazer intercâmbio na Inglaterra e ficou hospedado na
casa de um amigo de Malcolm Macdonald, simplesmente o 'SuperMac', que
brilhou no Newcastle nos anos 70.
- Esse meu amigo estava lá e ficava mandando recortes de jornais,
fotografias e vídeos meus para o Malcolm. Como ele tinha uma grande
influência no Newcastle, onde foi ídolo, aí isso possibilitou que eu
fosse indicado para jogar lá - relembrou.
O SuperMac já tinha se aposentado, mas, como lembra Mirandinha, tinha
grande influência junto à diretoria do Newcastle. Em 1987, então, o
atacante trocou o Verdão pelo clube inglês. Mirandinha chegou à
Inglaterra como uma grande promessa
(veja no vídeo acima).
Ele era vendido pelos jornais da época como uma mistura de Garrincha
com Pelé. Uma manchete bem mais audaciosa o descreveu da seguinte forma:
'Mirandinha é o melhor desde que Pelé deixou as chuteiras.' Passado o
período de adaptação, o atleta viveu um dos momentos mais felizes de
toda sua vida.
- Os torcedores do Newcastle são apaixonados mesmo pelo futebol. Pode
ter certeza que não existe torcedor mais fanático que os de lá. E olha
que eu tenho muita experiência no futebol. Quando eu entrava naquele
estádio com aquela torcida, era algo fora do comum.
No Newcastle, Mirandinha jogou durante duas temporadas. Em 1987, viveu
bons momentos, atuando ao lado e contra alguns dos grandes astros do
futebol europeu na ocasião, como Paul Gascoine e Bryan Robson. Na
primeira temporada, o atacante marcou 23 gols. Na segunda, foram mais
16. Porém, na metade da segunda temporada, sofreu uma contusão no tendão
e acabou tendo dificuldades em se firmar. Foi também o mesmo ano em que
o Newcastle foi rebaixado no futebol inglês.
- A segunda temporada foi muito complicada. Eu tive uma contusão grave,
fiquei fora muito tempo. Houve ainda muitas mudanças de jogadores.
Perdemos alguns importantes, e isso acabou rebaixando o time.
Logo após o rebaixamento do Newcastle, Mirandinha voltou para o
Palmeiras, em 1989. Os dois clubes, por sinal, são os que o ex-atacante
considera como os seus times de coração. A relação de Mirandinha com o
futebol inglês não fica por aí. Depois de abrir as portas deste mercado
para os jogadores brasileiros, ele ajudou na venda de Juninho Paulista
para o Middlesbrough, em 1995.
- Eu estava na sala do presidente do São Paulo, tinha levado alguns
jogadores para ele dar uma olhada. Foi quando ele recebeu uma ligação do
Bryan Robson. Na época, estava dirigindo o Middlesbrough. O São Paulo
queria negociar o Palhinha, mas o Bryan queria levar o Juninho. Aí,
falei com o Bryan e com o presidente e acabei ajudando a selar a
negociação do Juninho.
Mirandinha rodou o mundo até voltar para Fortaleza
Mirandinha começou a carreira no Ferroviário em 1977. No Tubarão da
Barra, conquistou título juvenil e logo foi embora. Defendeu muitos
clubes pelo Brasil e pelo mundo, incluindo Ponte Preta, Botafogo,
Náutico, Portuguesa, Cruzeiro, Palmeiras, Corinthians, Newcastle,
Belenenses-POR, Coritiba, além de atuar pelo futebol japonês já no
finalzinho da carreira - entre 1992 e 1994.
Mirandinha: velocista e astro nos grandes clubes
do Brasil (Foto: Diego Morais/Globoesporte.com)
Nos tempos de Botafogo, Mirandinha já era famoso pela sua velocidade.
Na época, foi autor de uma daquelas frases que causam polêmica no meio
futebolístico: "O problema é que eu corro muito, e quando eu corro não
consigo pensar." E não é que, perguntado sobre isso, pelo
GLOBOESPORTE.COM/CE, o ex-atacante polemizou mais ainda?
- Com toda a minha velocidade, se eu ainda tivesse tempo de observar e
raciocinar para poder tocar para alguém ou cruzar, eu seria um fenômeno.
Quando jogava, era tachado de fominha e de egoista - frisou.
Mas disse que, na Inglaterra, acabou mudando seu jeito de jogar.
- Mudou na Inglaterra. Eu passei a ser outro jogador. Porque eu passei
para outro estilo de futebol. Aí, dava tempo para pensar e encontrar um
colega mais livre. Sem contar minha própria maturidade - acrescentou
Mirandinha.
Sobre este período, Mirandinha lembra ainda de um fato bem curioso.
- Eu sempre fui muito rápido. Em um dia, a gente estava se direcionando
para um jogo no Maracanã. Na chegada, o Botafogo tinha acabado de
contratar o Thé. O nosso treinador, o Jorge Meira, falou bem claro para
ele: 'Não se preocupa que o Mirandinha corre muito. Ele se desgasta e
você vai entrando no time'. Eu fiz dois gols no River-PI, ele acabou não
entrando e ficou sendo meu reserva de luxo - brincou.
E antes que encerrasse o papo sobre velocidade, se deu o luxo de
alfinetar o atacante Osvaldo, do Ceará, um dos mais caçados do
Brasileirão deste ano, que se projetou nacionalmente também pela sua
rapidez.
- Eu também era muito perseguido. Mas a diferença é que eu não errava
gol - afirma o ex-atacante, fazendo alusão às finalizações perdidas pelo
atleta do Vovô.
No Corinthians, Mirandinha lembra que a passagem foi bem mais rápida. E
que, pela sua ligação com o Palmeiras, não teve muita chance.
- Pela Libertadores, marquei gols, e quando fui enfrentar o Palmeiras parei no banco de reservas - disse.
Pela Seleção Brasileira, o atacante tem boas recordações,
principalmente das seleções de base, chegando a vencer torneio
Pré-Olímpico em 1984. Também esteve no grupo que defendeu o Brasil na
Copa América de 1987, disputada na Argentina.
- Naquele tempo havia muito mais amor pela pátria, pelas cores da
Seleção Brasileira. Hoje o que se vê é muito mais mercado e negócio no
futebol do que qualquer outra coisa.
Jogando em clubes cearenses, Mirandinha só foi campeão estadual uma
vez, com o Fortaleza em 1991. Em 1996, depois de nova passagem pelo
Tricolor de Aço, resolveu voltar para o Ferroviário. Já com seus 36
anos, se aposentou no Ferrão acumulando as funções de jogador e
treinador.
Mirandinha levou o Fortaleza ao tricampeonato estadual em 2009 (Foto: Kid Junior/Agência Diário)
foto componente_materia midia-largura-620">
Como técnico, o único título cearense foi também com o Fortaleza em
2009. Na ocasião, era funcionário do clube e acabou assumindo o time em
uma situação difícil. No 1º turno, o Tricolor de Aço não tinha
conseguido chegar à final. Pegou então na virada para o 2º turno, foi
vencedor, e, em seguida, derrotou o Ceará na final do campeonato.
Mirandinha, no entanto, não deu sequência ao trabalho no Fortaleza. Na
Série B, foi substituído por Giba, que foi trocado por Roberto
Fernandes. No mesmo ano, o Tricolor acabou caindo para a Série C.
- A minha trajetória foi podada em 2009 por coisas com as quais eu não
concordava. Eu tinha acabado de ser tricampeão com o Fortaleza, e isso
sem contratar nenhum jogador. Depois pedi alguns jogadores para a Série B
que não chegaram. Tivemos também problemas de elenco. Havia jogadores
que queriam ficar mais soltos e ter privilégios dentro do grupo e isso
não combinava com o meu perfil - avaliou, agora falando como técnico.