O atacante Dagoberto
entrou, definitivamente, para a história do
Cruzeiro no domingo passado: conquistou, pela segunda vez seguida, o
Brasileirão com o time mineiro. Cravou também o nome dele no futebol
brasileiro, com cinco títulos. Ídolo da torcida, mas reserva no time
de Marcelo Oliveira, o jogador, de 31 anos, concedeu entrevista
exclusiva ao
Globoesporte.com, nesta semana, na Toca da Raposa II. Falou da
felicidade
em vestir a camisa celeste, da insatisfação com a reserva, da confusão
com o
atleticano Leandro Donizete na final da Copa do Brasil e do desejo de
deixar o
Brasil em 2016, quando encerra o contrato dele com o Cruzeiro.
Dagoberto falou muito mais. Esclarecido e franco, não fugiu
às perguntas. Disse não entender a opção do treinador em deixá-lo no banco,
ainda que o argumento seja que ele marca pouco. Afinal, ‘nunca marcou’. Sempre
jogou. E isso costumava bastar. Disse, no entanto, respeitar a decisão do
comandante e comentou que o carinho do torcedor foi determinante para ter aceitado
a reserva.
- É difícil... Eu já tentei algumas vezes, mas... Claro que não estou feliz. Não sou hipócrita também.
Mas eu respeito.
Dagoberto comemora o quinto título brasileiro com o filho Mateus (Foto: Reprodução SporTV)
Dagoberto, no entanto, quer recuperar a titularidade em
2015, que pode ser o último ano dele no Cruzeiro e no futebol brasileiro. Quer
também o sexto título nacional. Embora já esteja cheio de orgulho por entrar na
história com cinco conquistas, quer mais. Afinal, como se costuma dizer, o que
vale mesmo é o quadro na parede.
- Estou muito feliz e bastante orgulhoso, porque é uma
marca espetacular, que ficará para sempre na história do futebol brasileiro, e
meus filhos poderão se orgulhar de mim. Confira a entrevista:
Já deu para digerir essa derrota na Copa do Brasil? O que foi
determinante para o Cruzeiro não ter ficado com a taça?
- Sou muito claro. Vejo que foi um ano muito
desgastante. Nós lutamos muito pelas duas competições. O Brasileirão terminou
antes, é um campeonato que tem um peso muito forte, né? Na Copa do Brasil, o
primeiro jogo nos deixou numa situação muito adversa. Nos doamos muito contra Santos e Grêmio, fora de casa, e
fomos para o tudo ou nada contra o Goiás. Conseguimos o título no domingo e nos
concentramos. No futebol existe um vencedor. Saímos de cabeça
erguida e muito. Foi um ano maravilhoso. Não é em todos os campeonatos
que se vai ter êxito. A equipe está de parabéns.
Esse desgaste do Cruzeiro foi um dos motivos para a superioridade do
Atlético-MG nos dois jogos?
- O futebol é muito nivelado. O Atlético-MG fez dois belos
jogos. Tem o Tardelli, que hoje está acima da média e é um jogador que faz uma
grande diferença no elenco deles, que é um elenco qualificado e mereceu.
Simplesmente, mereceu.
Os dois clássicos da final foram muito pacíficos dentro de
campo. A única pequena confusão foi entre você e o Leandro Donizete (veja no vídeo acima). O que
aconteceu?
- Acho que clássico já tem isso. Não digo confusão, acho
que ele entrou numa maldade muito grande no lance. No clássico, os nervos ficam
à flor da pele, ainda mais em uma decisão. É coisa do jogo, acontece. Ele foi
expulso. No calor do jogo acaba falando muita coisa, depois acaba repensando e
vê que falou muitas besteiras. Clássico é isso. Eles saíram vitoriosos, e acho
que eles deveriam ter uma postura de comemorar. O lance foi muito feio, ele foi
na maldade, veio para machucar. Mas eu não falei nada, não comentei nada,
porque não sou de ficar falando de companheiro de profissão, pois acho
antiético. Segue o baile. Não tenho problema algum.
Alguns times já conquistaram dois brasileiros seguidos,
como Palmeiras, Internacional, Corinthians, São Paulo e, agora, o Cruzeiro. Mas
não é algo comum. Porque é tão difícil ganhar dois anos consecutivos?
- O Hernanes tinha uma frase no São Paulo: ganhar
campeonato, título, todos ganham; bicampeão, poucos. E o tri ele falou que
era só o São Paulo. É para poucos. Dois anos seguidos no nível que está o
futebol brasileiro é muito difícil. É para se dar os parabéns para este elenco. É o
que vai ficar marcado. Esta semana o torcedor já esqueceu da Copa do Brasil,
nem lembra mais. Mas sabe do êxito que foi ter conquistado o Brasileiro, porque
o campeonato que realmente interessa é o Brasileiro.
Dagoberto avalia a perda do título para o rival: "Simplesmente, mereceu" (Foto: Tayrane Corrêa)
Ganhar cinco também não deve ser coisa fácil...
Estou muito feliz e bastante orgulhoso, porque é uma marca
espetacular, que ficará para sempre na história do futebol brasileiro, e meus
filhos poderão se orgulhar de mim. Ganhar um Brasileiro já é superdifícil,
porque nosso futebol é muito equilibrado. Imagina conquistar cinco vezes e ser
lembrado como uma dos jogadores que mais títulos possui! É algo sensacional,
que me deixa emocionado. Eu me considero um cara abençoado e só tenho a
agradecer a Deus por tudo o que Ele tem feito por mim e por minha família.
Quando você saiu do Inter e veio para o Cruzeiro, já
imaginava que o clube iria montar esse time e que conseguiria tanto
sucesso?
- O Cruzeiro vinha de dois anos ruins. Quando conversei com
o Alexandre (Mattos, diretor de futebol), o foco foi esse. ‘Qual o objetivo de vocês?’. Ele me
passou um projeto ambicioso, de lutar por títulos. E ali que agarrei a ideia.
Minha forma é essa, de buscar sempre estar no topo. O futebol é coletivo, mas
tem que ter peças individuais que façam a diferença, como o Cruzeiro tem.
O campeonato de 2014 foi mais difícil que o de 2013?
Bem mais. Ganhamos com duas rodadas de antecipação, mas o
segundo turno foi bem mais difícil. Acho que no ano passado não estavam com os
olhos no Cruzeiro. Este ano sim. Mesmo assim ganhamos. E é por
isso que temos que dar os parabéns ao grupo. Foi diferente. Todo mundo estava de olho, e
nós fomos lá e conquistamos.
Individualmente foi uma boa temporada?
Agradeço a Deus todos os dias pelo dia que está me
dando. Então, tenho que agradecer por mais este ano que Ele tem me
proporcionado. É um ano que vai ficar na história, uma marca histórica. E eu
me considero um cara privilegiado de estar num elenco desses. Chegar numa certa
idade e estar em um nível que, no meu ponto de vista, ainda tenho futebol para muitos
anos ainda, para levar por uma longa data. Então sou um cara privilegiado e
abençoado por Deus.
Atacante faz planos de jogar fora do Brasil a
partir de 2016, após deixar o Cruzeiro
(Foto: Tayrane Corrêa)
Você está com 31 anos. Já faz planos de encerrar carreira?
Eu dei uma entrevista para uma colega sua, e acho que
ela me entendeu errado. Eu falei que estava acabando o ciclo no Brasil. Eu
tenho contrato até o ano que vem no Cruzeiro e quero pensar em uma cultura nova
para os meus filhos. Jogar em um outro país para buscar novos ares. Não que eu
esteja pensando em aposentadoria, longe disso. Estou com 31 anos e amo fazer o
que eu faço. Então, há um longo caminho, mas creio que o ciclo no Brasil se
acaba daqui um ano.
E você segue no Cruzeiro em 2015?
Eu tenho contrato até o fim do ano que vem. Não sei qual os
planos da diretoria. Mas isso é de menos. O mais importante é marcar história, como vem
sendo.
Você se destacou muito cedo, sempre foi protagonista nos
times que passou, e não jogou fora do país. Por quê?
Essa é uma pergunta que muita gente me faz. Eu tive "n"
propostas. Mas o futebol brasileiro ficou muito interessante. Não era preciso
sair do Brasil para fazer a vida. E com filhos pequenos se coloca muito no
papel, pensa-se muito. Ir para Ucrânia, Rússia, de onde surgiram
propostas muito fortes, para ganhar três vezes o que ganhava aqui no Brasil...
Mas qualidade de vida não tem valor para mim. Eu vejo que, hoje, nos estamos preparados
para encarar um mundo árabe ou os Estados Unidos. Eu e minha família estamos
muito preparados. Temos conversado muito, mas em outros
momentos não estávamos. Surgiram propostas, mas escolhi o melhor.
Cruzeiro foi o quarto time de Dagoberto (Foto: Gustavo Theza/Brazil Photo Press/Agência Estado)
Por outro lado, você só defendeu quatro clubes na carreira.
Foi uma escolha?
Só no Inter foi um pouco
atípico, de ficar apenas um ano.
São coisas do futebol, que a gente,
às vezes, não entende. Quando surgiu a oportunidade do Cruzeiro... Saí e
vim para um time que ganhou dois Brasileiros seguidos. Você
vê que é Deus colocando o melhor. A carreira do jogador de futebol,
quando fica
pingando em qualquer time, acaba não se firmando. Passei seis anos no
Atlético-PR, que agradeço de coração. E se tem um time que eu voltaria a
jogar,
é o Atlético-PR. Por todo carinho que tem, pois foi onde comecei. Lá
teve uma pessoa que foi muito triste o que ele fez e enquanto ele
estiver lá não há desejo de voltar. Mas se um dia ele sair, e o
Atlético-PR
abrir as portas novamente, eu ficaria muito feliz e voltaria. O São
Paulo
foram cinco anos maravilhosos, foi inesquecível pelos títulos e por tudo
que
vivi. Poucos times, porém muito intensos. Aqui é um carinho muito
grande,
maravilhoso. O que fica é isso.
No Cruzeiro, você é um dos mais aplaudidos quando o telão
anuncia a escalação, mesmo que no banco de reservas. Para você, qual o motivo dessa
identificação da torcida?
Às vezes eu me
faço essa pergunta também. A galera do meu
prédio tem um carinho muito grande. No meu primeiro jogo,
fiz o gol da vitória contra o rival, na reabertura do Mineirão. O
torcedor ficou muito feliz com a minha vinda para cá. Eles sempre falam
que
eu fazia gols no Cruzeiro, que dava raiva neles. Quando tem isso junto,
sempre
se faz máximo para tratar bem. E a recíproca é muito verdadeira. Vou
levar para
o resto da vida o que aconteceu após o título de 2014, isso que
aconteceu
depois da derrota na quarta-feira
(torcida comemorou título do Brasileiro enquanto o Atlético-MG vibrava com conquista da Copa do Brasil). Isso não tem preço! Muitas vezes eu optei de
não sair por isso. O dinheiro não ia me dar o que eu queria. Eu agradeço muito,
de coração, por esse carinho que o torcedor tem.
Todo jogo, em qualquer situação, no início do segundo
tempo, a torcida pede a sua entrada. Isso é algo que agrada?
Eu vejo que a palavra de Deus não vai dar o fardo maior que
se pode carregar. A torcida acredita muito no futebol de "n" jogadores: Éverton
Ribeiro, Fábio, Dedé. Fico muito feliz com isso, é um aditivo para entrar e
dar o melhor. Claro que, sem o ritmo de jogo, é muito difícil entrar quinze,
dez minutos. Eu creio que Deus prepara tudo de uma forma muito boa. Isso me serviu
de um aprendizado para crescer como ser humano e profissional. Respeito todos.
Claro que quero jogar, mas respeito a opinião, a posição. E fico muito grato. Acho que isso é
o aditivo maior. Talvez eu não teria cabeça de continuar até o ano que vem
se eu não tivesse esse retorno que o torcedor me dá. Isso é muito gostoso e
fico muito feliz por isso.
Mas te incomoda a reserva? Você consegue entender a escolha do treinador?
É difícil. Eu já tentei algumas vezes, mas... Falava-se:
‘não volta para marcar’. Eu nunca voltei para marcar. Nos clubes que eu joguei,
eu sempre recompus. Acho que é uma questão do meu estilo de jogo. Se eu der
dois piques lá atrás, não consigo criar jogadas para os atacantes, ou eu fazer
jogadas. É uma questão de recomposição, como faço há treze anos. Mas eu
respeito. Claro que não estou feliz. Não sou hipócrita também. Mas eu respeito.
Respeito a posição e estou trabalhando para buscar meu lugar novamente. Acho
que o título coroa muitas coisas. É muito gostoso e é isso que importa no
final, independentemente de quem jogue.
Dagol é um dos jogadores mais queridos pela
torcida, que sempre pede a entrada dele nos
jogos (Foto: Marcos Ribolli)
Pode ser um reflexo desse esquema com três meias, que está "na moda"?
Acho que é muito por isso. Não adianta querer falar que vou
fazer isso. Nunca fiz isso, não é meu estilo de jogo fazer isso. Recomposição
é uma coisa. É claro que o Willian faz de uma forma maravilhosa, o Marquinhos...
o Alisson, mas é um menino que está com 19, 20 anos. Temos que parar e analisar muitas coisas. É o futebol
moderno que falam. Fiz história onde passei por jogar dessa maneira. No ano
passado joguei assim. Mas eu respeito. Trabalhei da mesma forma, buscando meu espaço.
Você diz que quer ficar no Cruzeiro em 2015. O que espera
da próxima temporada?
- Acho que agora temos que curtir este ano. Isso é mais
alguma coisa do Alexandre (Mattos) e diretoria, de buscar novos jogadores. Não sei
também qual vai ser o projeto deles. Tem uma Libertadores aí, e temos que
entrar muito forte.
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