Pelo menos três nomes que aparecem na investigação da Polícia Federal sobre as traficâncias de Geddel Vieira Lima e Eduardo Cunha na Caixa Econômica Federal continuam em postos chave do banco.
Deusdina dos Reis Pereira era diretora executiva de Fundos de Governo e Loterias, subordinada ao vice-presidente Fábio Cleto, que confessou participar de um esquema de corrupção na Caixa.
Na perícia realizada em um celular de Fábio Cleto, a Polícia Federal encontrou mensagens que comprometem Deusdina, chamada por ele de Dina.
Em maio de 2012, a então diretora participa das negociações para liberar um empréstimo a BR Vias, do Grupo Constantino (da Gol Linhas Aéreas). Liberado o empréstimo, a PF identifica o pagamento de propina através de uma empresa de Lúcio Bolonha Funaro.
Deusdina também aparece em troca de mensagens de Fábio Cleto como responsável pelo levantamento de informações sigilosas sobre contratos da Seara com a Caixa, utilizando senha que era de seu antigo departamento, para repassar a Funaro, apontado como o cobrador de propinas, juntamente com Eduardo Cunha.
Em dezembro do ano passado, quando Eduardo Cunha autorizou a abertura do processo de impeachment, a presidente Dilma Rousseff demitiu Fábio Cleto e Deusdina ficou no seu lugar, interinamente. Com Michel Temer na Presidência, Deusdina foi efetivada na Vice-Presidência de Fundos de Governo e Loterias.
Em agosto de 2012, Roberto Derziê de Sant’Anna era diretor de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal, diretamente subordinado a Geddel Vieira Lima numa das vice-presidências do banco.
Na época, Eduardo Cunha estava empenhado na liberação de R$ 50 milhões de reais para outra empresa do Grupo Constantino, a Oeste Sul Empreendimentos Imobiliários, e reclama, através de mensagem de celular, que Derziê, que ele chama de “Desirre”, não atende o dono da empresa, Henrique Constantino.
“(Derziê) vai ligar para Henrique agora”, responde Geddel, conforme registro encontrado no celular de Eduardo Cunha apreendido pela PF na casa do ex-presidente da Câmara dos Deputados, em dezembro de 2015, cujo conteúdo só agora foi tornado público.
São 17h50 do dia 3 de agosto de 2012 quando Eduardo cobra Geddel. Vinte e sete minutos depois, Geddel tranquiliza Eduardo Cunha:
“Derziê já falou com HC (Henrique Constantino). Estamos falando em 50 m (milhões) da Comport, né? Avançou”. Eduardo Cunha responde: “Ok”.
Roberto Derziê de Sant’Anna já era apontado como homem de confiança de Michel Temer. Tanto que, algum tempo depois, quando Michel Temer assumiu a articulação política de Dilma Rousseff, Derziê deixou a Caixa e foi para o Palácio do Planalto.
Derziê voltou para a Caixa quando Temer disse ter concluído seu trabalho na articulação política.
A ligação de Derziê com Michel Temer ficou mais uma vez evidente no dia 1º de abril de 2016, quando Dilma demitiu o afilhado de Temer na Caixa, em resposta à participação já escancarada do vice-presidente da República na conspiração que derrubou a presidente.
Uma vez no cargo de Dilma, Temer mandou Derziê de volta para a Caixa, num posto de maior relevância, a Vice-Presidência de Governo.
Outro nome apontado como operador de Cunha-Gedel que continua na Caixa Econômica Federal é José Henrique Marques da Costa, na época vice-presidente de Atendimento e Distribuição.
Depois de aprovada a liberação de recurso do FI-FGTS para o grupo J&F, dono de marcas famosas como a Friboi, Havaiana, Vigor e Banco Original, José Henrique estaria “ensebando” para assinar o contrato.
Eduardo Cunha aciona Geddel e depois Funaro, que teria ascendência sobre José Henrique. Conforme fica claro na troca de mensagens, conseguem a assinatura.
Alguns dias depois, Funaro manda mensagem para Cunha e diz que se encontraria com José Henrique. Funaro diz que ainda não tinha visto qual era a “taxa” de Henrique.
José Henrique foi mantido por Michel Temer na Caixa Econômica Federal. Na área dele, a única alteração foi o nome da Vice-Presidência. Era Atendimento e Distribuição, passou a se chamar Varejo e Atendimento.
Como classificar a ação desse grupo que têm na linha de frente Geddel, Cunha, Cleto e Funaro?
A comunicação entre eles é pelo Blackberry, a marca de celular conhecida pelos policiais como a preferida, por exemplo, de narcotraficantes. É que o sistema de mensagens do Blackberry era considerado até um tempo atrás à prova de grampos.
Tanto que, nas reportagens que fiz sobre o Helicoca, soube que os traficantes envolvidos no episódio utilizavam Blackberry e que, 2014, um grupo de policiais federais teria visitado a sede da fábrica, no Canadá, para tentar encontrar uma forma de grampear as mensagens.
Teriam tido êxito nessa viagem. Tanto que, em razão disso, teriam monitorado os traficantes até conseguir o flagrante numa fazenda do Espírito Santo, onde um helicóptero de propriedade do senador Zezé Perrella foi apreendido, com 445 quilos de cocaína.
Mas o conteúdo do Blackberry de Cunha só se tornou público porque ele não apagou as mensagens, mesmo três anos depois, quando o aparelho foi apreendido na sua casa.
Esse “descuido” tem alimentado especulações (por enquanto, apenas especulações) de que Cunha fez isso propositalmente, para despertar na Polícia Federal e na Procuradoria Geral da República o interesse por uma delação premiada dele.
O que o conteúdo das mensagens revela é uma dupla — Cunha e Geddel — atuante nos pleitos em favor de grandes empresários.
Quando se compara essa ação ao resultado de outras investigações, que mostram transferência de recurso para Funaro, que não ocupa cargo no governo, não há margem para dúvida: o negócio deles é corrupção, utilizando, para isso, um banco que administra o dinheiro dos trabalhadores.
Mas nem Cunha nem Geddel se comportam, um em relação ao outro, como chefe. No dia 5 de setembro de 2012, os dois combinam um encontro num hotel em São Paulo, que ocorreria no dia seguinte. Mas nenhum deles irá pessoalmente. Enviarão representantes.
Altair, o representante de Cunha, ficará hospedado no apartamento 1302 do Clarion da rua Jerônimo da Veiga, Itaim Paulista. Gustavo, o homem de Geddel, chegará a São Paulo de avião e depois voltará de ônibus, e, seguindo instruções de Cunha, não deverá chegar ao hotel de carro, pois Altair o levará até a rodoviária no carro de Cunha, que já estava em São Paulo.
“Não precisa ir de carro, ok?”, avisa Cunha.
“Entendido. Maravilha”, responde Geddel.
Por que chegar de avião a São Paulo e voltar de ônibus? Por que não ir de carro até o hotel, para ser levado à rodoviária no carro de Cunha?
Segundo a PF, a encomenda de Geddel seria dinheiro. E depois de flagrantes de numerário em cueca e calcinha ou em malas despachadas de avião, ônibus se tornou mais seguro para esse tipo de transporte.
E Cunha, insistindo que o emissário de Geddel não fosse de carro, estava provavelmente querendo dizer que a encomenda já estava no seu porta-malas. Geddel entendeu: “Maravilha.”
O padrão é o mesmo do tráfico, que, em algumas circunstâncias, evita o transporte em avião de carreira.
“Vc mandar um cara la c volta da forma de sexta passada”, instrui Cunha, numa evidência de que não era a primeira operação desse tipo.
A rigor, Cunha não se reporta como chefe nem a Funaro, o operador do esquema. Tanto que Cunha pergunta ao operador quando sairá a taxa dele, Funaro, e do Chico (este é o único pseudônimo para o qual a investigação da Polícia Federal não apresenta resposta).
Quem será o Chico?
Na conversa com Funaro, Cunha se apresenta como uma espécie de intermediário. “Tenho que atender as demandas de todos e ne$ (ele usa cifrão no lugar do m) Coliseu aguenta”, afirma.
Em outro momento, com Geddel, Cunha discute como atender o pastor Everaldo, presidente do PSC. É época de campanha para a prefeitura de 2012 e, em linguagem cifrada, segundo a PF, falam em transferências oficiais e via caixa 2 para o partido do pastor, aliado de Cunha.
Cunha pergunta:
“É para resolver algo para o PSC? Tão me perturbando”.
Geddel responde:
“Converso amanhã qdo vc chegar, eles estão me perturbando também, mas preciso fazer um balanço com vc. Qdo chegar, me avise”.
Cunha argumenta:
“Mas é melhor soltar algo, eu solto sexta para aliviar, tão apertados.”
Geddel observa:
“Preciso saber como anda o fluxo. Se eles estão apertados, imagina seu amigo tocando aquela zorra toda”.
Antes dessa mensagem, há outra, em que Geddel informa ter resolvido uma pendência na Caixa para uma empresa de um sócio de Everaldo.
Também há uma troca de mensagens entre Everaldo e Cunha, em que o pastor cobra a transferência de dinheiro para a Bahia e para São Paulo. Naquela época, o PSC tinha se coligado com o PMDB de Cunha e Geddel nas eleições para a prefeitura em Salvador e São Paulo. Pelo menos em São Paulo, a chapa foi pessoalmente costurada por Michel Temer.
Sem receber o dinheiro que esperava, Everaldo reclama para Cunha:
“Quero te dizer q to muito mal com meu pessoal. Mas, enfim”.
Cunha, surpreendentemente humilde, responde:
“Desculpas, é só o Geddel dar ordem que resolvo sexta”.
Geddel dar ordem? A Cunha?
De onde vem o poder de Geddel? E de Cunha?
Uma pista pode ser encontrada em outro Blackberry apreendido pela Polícia Federal, o de Fábio Cleto, o primeiro a delatar o esquema na Caixa Econômica Federal.
Na conversa, Funaro usa vários pseudônimos: Lucky (1, 2, 3 e assim por diante) e Spin. Cleto se apresenta como Gordon Gekko, aquele personagem interpretado por Michel Douglas no cinema, o inescrupuloso corretor de Wall Street.
Funaro, o Lucky, se comporta como chefe de Cleto, o Gordon Gekko, e reclama de Geddel, com quem havia se desentendido e com quem, aparentemente, tinha cortado relações. Manda Cleto (Gordon Gekko) ligar para ele e agilizar a liberação de um empréstimo ponte para o Grupo Constantino.
Refere-se a Geddel como “porco e um folgado”, como “boka de jacaré p receber e carneirinho para trabalhar”, “reclamação”, E avisa: “agora tenho condição total, se ele me encher o saco, de ir p porrada com ele”.
Spin (Funaro), nas conversas de Geddel, Cunha e Cleto, é chamado de Maluco. Cunha também tem apelidos. Spin e Cleto o chamam de Carlos.
Mas Cunha deu para si outro pseudônimo, para as conversas via Blackberry: Lopes.
Diante do impasse no grupo, para fazer Geddel se movimentar, Maluco (Funaro), numa mensagem a Cleto, entrega quem é o chefe:
“Me faz um favor, liga p Geddel e vê em qual email ele quer que vc passe isso ou pra quem vc entrega que, se ele não resolver, vou fuder ele no Michel”.
Michel Temer era, então, vice-presidente da República.
Presidente, Michel Temer manteve as pessoas do grupo em postos chave da Caixa Econômica Federal, exceto o delator Fábio Cleto. E levou Geddel, o “porco folgado”, para ser seu braço direito no Palácio do Planalto.