Aos 33 anos, atacante do Coelho ainda
espera brilhar no futebol brasileiro, lembra de expectativa na Europa e
revela projeto social na Inglaterra
Por André Casado
Rio de Janeiro
Em junho de 2001, com o status de ídolo do Cruzeiro (especialmente pelo
gol do título da Copa do Brasil de 2000) e grande aposta do futebol
brasileiro, Geovanni embarcou para Barcelona,
vendido por US$ 18 milhões de dólares - à época recorde na história do
clube. Na Espanha, o brilho foi do meia-atacante de 21 anos foi fugaz,
mas em Portugal, onde defendeu o Benfica
por quatro temporadas, emplacou com gols e títulos. Depois, acumulou
passagens pela Inglaterra e até se aventurou pelos Estados Unidos. Hoje,
aos 33, defende o América-MG e se orgulha da carreira, que, segundo
ele, lhe ofereceu muito mais do que em seus melhores sonhos nos campos
de terra batida, na infância em Acaiaca, interior de Minas.
Neste domingo, no Mineirão, Geovanni vai enfrentar pela primeira vez o
time que o revelou - e no qual repetiu a dose em passagem apagada entre
2006 e 2007. A sensação é diferente, admite, mas, como o companheiro
Fábio Júnior, que viveu caminho semelhante, o aconselhou recentemente,
não pode ser tratado como um jogo especial. Principalmente para quem
ainda tem projetos na bola e esperança em atuar novamente na Série A.
Geovanni em ação por quatro europeus: Barça, Benfica, Manchester City e Hull City (Foto: Getty Images)
- Não sei como vai ser a recepção do torcedor, mas creio que vá ser
positiva. Sempre entrei em campo para jogar futebol e ajudar meu time.
Vários cruzeirenses me param na rua, lembram daquela geração, que tinha
Ricardinho, Marcos Paulo, Clebão (zagueiro), Sorín... Foram vários
títulos, não só a Copa do Brasil. O espetáculo quem faz são os
jogadores, mas do lado de fora é o torcedor. Passado o frio na barriga
de estar no Mineirão outra vez, vai dar tudo certo. Precisamos da
vitória para nos classificamos - afirmou o meia-atacante.
Geovanni foi destaque das seleções sub-17, na qual dividiu quarto na
concentração com Ronaldinho Gaúcho, e sub-20, além de ter sido titular
da seleção olímpica. A partir do momento em que pisou em solo europeu,
no entanto, não foi mais convocado. A sensação de que poderia ter ido
mais longe não passa pela cabeça nem o frustra.
Geovanni diz que teve propostas
do futebol chinês e japonês nos últimos meses. Mas não pensa
em sair por causa dos filhos.
A transação entre Cruzeiro e Barcelona, em 2001, ainda está listada como a sexta mais cara da história do futebol brasileiro.
- Minha carreira até aqui foi espetacular, não esperava chegar tão
longe. Meu sonho de menino era ser jogador, mas não sabia que seria
reconhecido no mundo. Tenho 33 anos, muito a dar ainda ao futebol, com
planos, e a cada dia que passa quero aproveitar o tempo que falta. Quero
que tudo saia bem para terminar como comecei - revela.
Dificuldades na Espanha
Rápido, habilidoso e com bom chute, o garoto franzino despertou a
atenção de uma das camisas mais poderosas do mundo em época que precedeu
craques de estilo semelhante, como Robinho, Messi e Neymar. As cifras
envolvidas asseguraram um pé de meia que serviu para arrumar a vida dos
pais, já que teve direito a mais de R$ 5 milhões. Mas, impressionado com
a força do Barça, diz que os momentos mais marcantes ocorreram fora do
Camp Nou.
- No aeroporto eram duas, três mil pessoas para receber o time, em
diversos lugares. Saíamos do estádio, tinham várias pessoas pedindo
autógrafos, era um assédio gostoso e que dava moral. Igual a hoje, a
diferença é que o futebol é implacável: não ganhamos tanto como esse
time atual. São coisas que marcam a carreira, sem contar que joguei com
Rivaldo, Puyol, Cocu, Frank de Boer. São rótulos que não saem: o
Geovanni que foi do Barcelona. Tenho quadros na minha casa e posso
mostrar às pessoas o que fiz - orgulha-se.
São coisas que marcam a carreira, sem contar que joguei com Rivaldo,
Puyol, Cocu, Frank de Boer. São rótulos que não saem: o Geovanni que foi
do Barcelona. Tenho quadros na minha casa e posso mostrar às pessoas o
que fiz"
Geovanni
A negociação para o Benfica, em 2003, não fez mal ao meia-atacante.
Pelo contrário. Ele encontrou espaço para ser protagonista e ajudar a
liderar a Águia a sua primeira Liga depois de 11 anos de jejum. A
afirmação de quase 100 partidas disputadas veio na forma da prova de que
era capaz e não havia se deslumbrado com o início meteorórico.
- Sempre fui uma pessoa tranquila, humilde, com uma estrutura familiar
por trás. Não sabia qual era a dimensão de ter 21 anos e estar no
Barcelona. Era pesado. Poucos sabem distinguir e não sentir isso. Até a
falta de costume de comer frutos do mar atrapalhou um pouquinho. Não
conhecia bem, era só churrasco e feijão em Minas. Hoje, por exemplo,
adoro frutos do mar, vou lá e como só isso, com saudade. Amadureci aos
poucos em relação ao futebol, à vida e provei meu valor. Em termos de
dinheiro, tinha os pés no chão, nunca subiu à cabeça. O Barcelona era um
sonho, fiquei feliz de poder ir para um grande clube. Deu tranquilidade
à família. Quando fui para o Benfica, a pressão era grande. Se não
melhorasse, iria fechar as portas. Não tinha CT, não ganhava títulos. A
torcida perdeu aquela força, saíram muitos associados. Mas o clube
voltou a ser um dos grandes, só falta uma conquista europeia para coroar
esses últimos anos. Hoje, se quiserem, eles têm dinheiro para contratar
um Kaká ou um Neymar - disse.
Da Terra da Rainha, o jogador guarda um misto de mágoa e gratidão. No
Manchester City, após recusar La Coruña, da Espanha, e PSG, da França,
teve a promessa de que seu contrato seria renovado e, de acordo com o
que soube posteriormente, uma proposta de 10 milhões de euros do futebol
alemão foi recusada sem consultá-lo. Ao fim da temporada, contudo,
acabou desempregado. Em 2008, o pequeno Hull City apostou em Geovanni,
que considera esse seu maior acerto. Ganhou música dos torcedores e
marcou o gol eleito o mais bonito da história do clube, em 2008, na
vitória sobre o Arsenal pela Premier League. Só saiu porque, com o
rebaixamento, houve necessidade de redução salarial, que não foi aceita.
Geovanni é casado com Roberta há 14 anos e pai de Giovanna, de 13, e Daniel, de 8
- Queria ficar, mas não dava. Ia pagar para jogar pelo custo de vida de
lá, pela gasolina para ir ao treino, que era longe... Foram claros que
me queriam, pena que precisei recusar e três meses depois um empresário
comprou o clube e reorganizou as finanças - lamentou.
Foi na Inglaterra que Geovanni realizou um desejo antigo. Ajudou a
fundar, através da igreja que frequentava, o projeto New Hope (nova
esperança, em português), que acolhe crianças e adolescentes humildes,
as encaminha para o esporte e as insere na sociedade. A ação apadrinhada
pelo brasileiro já rendeu até o surgimento de um atleta: Darlan, de 18
anos, que luta MMA e, curiosamente, é brasileiro. Agora, a meta é
implantar o modelo em BH.
- Estive conversando com pessoas no bairro de Vera Cruz, onde morei, e
espero conseguir fazer o mesmo aqui em breve. Lá temos, além de
ingleses, angolanos, cabo-verdianos, nigerianos e alguns brasileiros.
Estou de longe, mas continuam tocando o projeto - afirmou.
Apesar do engajamento, o meia-atacante topou ir para os Estados Unidos
aos 30 anos. Durou seis meses no San Jose Earthquakes a pedido da filha,
que queria morar no país, conta. Em seguida, voltou ao Brasil em
definitivo para ser artilheiro do Campeonato Baiano pelo Vitória, do
qual saiu no meio da temporada passada por ter sido preterido por
Toninho Cerezo e Paulo Cesar Carpegiani. E cobrou mais respeito ao que
alcançou.
Geovanni comemora gol pelo Cruzeiro na Libertadores de 2001 (Foto: Futura Press)
Esse é um caso à parte. Fui o melhor jogador do time em 2011, tenho o
carinho da torcida, que não é fácil de conquistar, nunca fui vaiado. Se
tivesse a mídia de Rio de Janeiro ou São Paulo, seria diferente. Mas
depois chegou o Toninho, e não entendi. Não quero fechar as portas, mas
precisava jogar e pedi para me transferir - explicou.
Numa espécie de recomeço, Geovanni assinou até o fim de maio com o
América-MG. O retorno a Belo Horizonte tem agradado à família, embora
deixe clara a tendência de buscar novos horizontes.
- Tive contatos do Japão e da China, mas não quisemos sair. Nem mudar
de estado. Meus filhos estão adaptados e é ruim mudar toda hora de
escola e de amigos. O carinho pelo América-MG, que foi muito correto e
me quis, é grande. Não me chamaram para renovar ainda e, se pintar uma
nova proposta, vou escutar. Tenho que jogar. Meu empresário já está
trabalhando em algumas coisas boas. Vamos ver - ressaltou, misterioso.
Veja o gol histórico marcado por Geovanni no modeslo Hull
Nomes como Gil, Leandro e Jean são jogadores ofensivos de velocidade
que com a queda da explosão física viram suas carreiras declinarem.
Geovanni não acredita que sofre deste mal e condena aqueles que tratam
os veteranos como acabados para o futebol.
- Quando passa de 30, o jogador já é criticado. Mas o Seedorf, o Deco, o
Ronaldinho, o Juninho sempre fazem falta quando estão fora. O próprio
Fábio Júnior aqui no América é artilheiro do Mineiro com 35. Acho que a
mentalidade tem que mudar. O grupo campeão do Cruzeiro em 2000 tinha os
principais com mais de 30. Foram eles que levaram. Na hora da decisão,
isso pesa. No Barça, tirando o Messi, a conta é parecida com Villa,
Xavi, Iniesta, Puyol, Valdes, são todos muito experientes. Se perde a
velocidade, ganha a experiência em contrapartida. Assim é na vida -
defendeu Geovanni.
Geovanni vive fase de altos e baixos no América-MG e não sabe se fica (Foto: Mauricio Paulicci)
De olho no futuro, o meia-atacante ainda não sabe o que fazer quando
pendurar as chuteiras. Mas se divide entre trabalhar no ramo de
construção e permanecer com algum cargo no futebol.
- Gosto de muitas coisas no meio. Diretor, auxiliar para começar a
aprender a ser técnico... Gosto também de construção civil, meu sonho
era ser engenheiro (risos). Ainda bem que virei jogador. Tenho amigos
que já pararam e me dão ideias. Vou ficar triste um tempo, eu sei, quero
tirar umas férias e por isso que agora quero me dedicar ao máximo para
honrar esses últimos momentos.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/america-mg/noticia/2013/04/ex-joia-geovanni-reve-cruzeiro-pela-1-vez-e-analisa-carreira-espetacular.html