Nem passa pela cabeça de Valdeir, 45 anos, ficar sem jogar bola todo
santo final de semana. As pernas começam a coçar. Justifica-se: foram
quase duas décadas de disparadas ataque afora - correria que lhe rendeu o
apelido de "The Flash". As peladas pela Sociedade Esportiva Savana,
time de brincadeira criado por ele e alguns amigos em Goiânia, servem
para o ex-atacante relembrar os dias de fama em clubes como Botafogo e
Flamengo - rivais cujo primeiro jogo completa 100 anos nesta
segunda-feira.
Valdeir, hoje com 45 anos, se diverte em time de pelada em Goiânia (Foto: Arquivo pessoal)
Foi nos anos 90 que Valdeir construiu uma parte substancial de sua
carreira. Vem de lá a principal fatia da memória que o ex-jogador cativa
- tempos em que chamou a atenção pelo Botafogo, tempos em que depois
vestiu rubro-negro. Ele viveu um dos momentos em que a agora centenária
rivalidade entre os dois clubes esteve mais evidente. Chegou ao Botafogo
pouco depois do título estadual de 1989 (sobre o Flamengo) e deixou o
clube logo após a perda do Campeonato Brasileiro de 1992 (para o
Flamengo).
Depois, em 1994, retornou ao Rio. Mas para defender o outro lado. E detalhe: para fazer gol contra o Botafogo.
Coração dividido? Nem tanto. Passadas duas décadas, Valdeir se orgulha da experiência como rubro-negro, mas não esconde:
- Tenho uma quedinha pelo Botafogo.
Valdeir, o primeiro à esquerda na fila do meio, e o time do Savana (Foto: Divulgação)
Primeiro, o Botafogo
Valdeir chegou ao Botafogo em 17 de agosto de 1989. Tinha 21 anos.
Destacara-se no Atlético-GO, por quem fizera 18 gols no Estadual daquele
ano. Ao chegar à nova casa, o atacante se deparou com um elenco
recém-saído da conquista histórica do Campeonato Carioca de 1989 -
quebrando um jejum de 21 anos sem o título local. A rivalidade com o
Flamengo era particularmente forte naquela época.
- Cheguei ao Botafogo depois de ele ter conquistado um título
justamente contra o Flamengo. Isso fez com que aumentasse um pouco mais a
rivalidade. Tive a oportunidade de trabalhar num clube que foi campeão
depois de muito tempo. Já tive a oportunidade de sentir esse clima.
Claro, todo clássico é importante, todo atleta sempre gosta de disputar
um clássico. Mas o Flamengo, na época, nos anos 80, conquistou os
maiores títulos da vida do clube. Ganhar do Flamengo nos anos 80 era
interessantíssimo - recordou o ex-atacante.
The Flash logo cresceu no elenco. Em 1990, ajudou o Botafogo a conquistar mais um título estadual, dessa vez sobre o Vasco.
- Aquele grupo do Botafogo era muito bom, maravilhoso. Tenho muita saudade. Era uma família.
Valdeir ficou no Botafogo até 1992, quando foi negociado com o
Bordeaux, da França. Em seu último ano com a camisa alvinegra, viveu sua
maior decepção: a perda do Campeonato Brasileiro. Justamente para o
Flamengo.
O Botafogo era favorito. Tinha um time mais consolidado. Tinha melhor
campanha. Contava com jogadores como Renato Gaúcho, Carlos Alberto
Santos, Carlos Alberto Dias e Válber. Mas foi engolido pelo Flamengo no
primeiro jogo da decisão, em 12 de julho. Ainda no primeiro tempo, levou
3 a 0, gols de Júnior, Nélio e Gaúcho. Valdeir foi titular.
Não foi possível matar a desvantagem no segundo jogo. O Flamengo ainda
abriu outros dois gols, com Junior e Júlio César Imperador. A reação do
Botafogo nos últimos minutos foi inútil. Pichetti descontou. E Valdeir
empatou, mas viu o adversário ser campeão. Até hoje, ele alimenta certo
incômodo com aquela derrota
(relembre no vídeo acima).
- O Botafogo, naquele ano, era dado como favorito. O time era muito
bom. Meus amigos ainda hoje me perguntam o que aconteceu naquele jogo,
naquela final. O Botafogo já era contado como campeão. Fica até difícil
tentar achar alguma justificativa, alguma resposta. O Flamengo esteve
mais concentrado do que o Botafogo. Nosso time era altamente
qualificado, um time maravilhoso. Ninguém acreditaria que no primeiro
tempo teria aquela avalanche.
Valdeir sente falta daquele título.
- Vivi quatro anos maravilhosos no Botafogo. Para ter fechado com chave de ouro, aquele título era essencial.
A decisão foi marcante a ponto de alguns de seus personagens, quando se
encontram hoje em dia, ainda conversarem sobre aqueles episódios. Os
próprios rubro-negros, conta Valdeir, se surpreenderam com o tamanho da
vitória.
- Quando eu converso com o Gaúcho, o Uidemar, o Júlio César, outros
amigos, a rapaziada fala que não acredita no que aconteceu, pelo elenco
que o Botafogo tinha.
Depois, o Flamengo
Tha Flash deixou o Botafogo, tentou a sorte no Bordeaux, da França, e
logo retornou ao país para defender o São Paulo. Fez parte do elenco
bicampeão mundial em 1993. Estava no melhor time do Brasil, mas não
resistiu a um convite para voltar ao Rio de Janeiro, cidade de que tanto
gosta. Mas o retorno não foi para o Botafogo. Para choque de seus
amigos, ele vestiu rubro-negro.
- Muitos botafoguenses, especialmente amigos e familiares, me cobraram
bastante. Disseram que a volta deveria ser para o Botafogo. Mas o
problema é que o Botafogo vivia um momento dificil. Fiquei só seis meses
no Flamengo, mas foi muito importante para mim. Tenho muitos amigos
flamenguistas, e eles diziam: "Agora, a gente pode te respeitar.".
No Fla, Valdeir não teve o mesmo sucesso que alcançou no Botafogo. Mas
viveu momentos marcantes. Não saem da cabeça dele as três vezes em que
enfrentou o ex-clube: empate por 1 a 1 e vitórias por 1 a 0 e por 3 a 1.
Nos três jogos, começou no banco. No último, fez gol
(recorde no vídeo abaixo).
- Foram clássicos que me marcaram em dois sentidos: primeiro, por ficar
no banco; segundo, pelo gol que fiz. Quando eu chegava no Maracanã, a
torcida do Botafogo gritava meu nome. Isso mexe com a pessoa. Entrei e
fiz um gol contra o Botafogo. Contra o Botafogo...
Foi uma situação das mais inusitadas para Valdeir. Quando jogou pelo
Alvinegro, ele viu parte de sua família se tornar botafoguense. Acabou
levando puxões de orelha entre quatro paredes.
- É meio estranho. Teve cobrança até dentro de casa. "Pô, vai fazer gol
justo contra o Botafogo?". Depois que joguei no Botafogo, a família
passou a torcer pelo clube. Aí aconteceu isso.
Hoje, cuidando de imóveis e da família
No Rio de Janeiro, Valdeir ainda defendeu o Fluminense. Também passou
por equipes como Atlético-MG, Paraná, Ceará, Madureira e Brasiliense até
encerrar a carreira, há dez anos. Hoje, cuida de imóveis ao lado de um
irmão em Goiânia. E gosta.
- Faço de tudo: compro, vendo, alugo. Está dando certo - diz ele.
Valdeir é casado com Katiúcia e tem duas filhas: Jordana e Jéssica, de
quatro e oito anos. Nelas, encontra o antídoto para a saudade que sente
dos campos.
- No inicio, eu sentia mais. Agora, já sinto um pouco menos. Construí
familia, aí chego em casa e tenho minhas filhas para dar atenção. É
muito bom.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/bau-do-esporte/noticia/2013/05/lembra-dele-valdeir-quedinha-pelo-bota-e-rivalidade-dos-anos-90.html