Mago rebate críticos, admite que
balançou com proposta da Arábia, mas desdenha do Flamengo. Ex-estudante
de jornalismo, quer ser comentarista
Por Daniela Scatolin e Diego Ribeiro
São Paulo
O nome de Valdivia
nunca é ouvido com indiferença, qualquer que seja o interlocutor.
Amado, odiado, controverso, o chileno completou dois anos de Palmeiras
nesta semana. Em meio a tantas polêmicas, ele sobrevive na equipe de
Luiz Felipe Scolari e tenta engatar, enfim, uma boa sequência como
titular (assista a mais no vídeo acima).
Enquanto não consegue isso, ele fala, dá opiniões, marca sua posição.
Migué para se transferir? Ele assegura que não existiu e nem existe.
Amigo de Felipão? Talvez, apesar das diferenças. E mesmo com a cobrança
de parte da torcida, ele acredita que a maioria ainda está ao seu lado.
– Acredito que 80% dos palmeirenses ainda confiam e sentem carinho por
mim. Se ainda estou aqui e lutando, aguentando tudo isso, é por causa
dessa maioria. E esses 20% que querem que eu vá embora vão mudar de
ideia – garante.
Nesta entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, é possível perceber um Valdivia
articulado, complementando a fala com gestos, às vezes suaves, às vezes
bruscos. São respostas longas, às vezes com pausas de mesma duração.
Pensativo, o Mago se controlou, mas não deixou de falar sobre assuntos
espinhosos: o sequestro-relâmpago, a proposta da Arábia Saudita, a
sondagem do Flamengo, as informações que vazam diariamente de dentro do
clube, as lesões, a relação com Felipão, o futuro.
Valdivia sorri durante entrevista: 'A magia vai voltar', assegura (Foto: Diego Ribeiro / Globoesporte.com)
Às vezes, Valdivia hesitava. Não queria responder. Em outros momentos,
desandou a falar. Uma prévia do que pode aparecer na televisão chilena –
e até brasileira, por que não? – em um futuro não tão distante. De
criticado, Valdivia quer passar a crítico. Quer retomar a faculdade de
jornalismo que abandonou depois de oito meses, no Chile. Quer ter um
programa esportivo na televisão, opinar, receber convidados do mundo da
bola.
– Mas sem trairagem, como muitos fazem por aí – reclamou.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
GLOBOESPORTE.COM: Houve um grande desgaste físico e psicológico
na Copa do Brasil. Isso faz efeito até hoje? A falta de reposição
também prejudica?
Valdivia: Você vê o
Santos. Com Neymar e Ganso é outro Santos, há dois ou três jogos eles
estavam lá embaixo, agora estão pensando até em título. É um pouco de
tudo. Na Copa do Brasil, a gente se esforçou ao máximo para trazer o
título, as consequências estão aí. Tem jogador machucado, Luan, Wesley,
outros. A cada semana sempre tem alguém novo no departamento médico.
Isso não acontece só no Palmeiras, já citei o exemplo do Santos. Eu
sempre cito que quando você tem um elenco, é muito mais fácil levar
várias competições. Machuca um, entra outro e não tem muito problema.
Mas quando acontece o que aconteceu com o Palmeiras, que não tem muito
de onde pegar, dificulta um pouco. Não é só isso que está atrapalhando
nossa posição no Brasileiro, é um pouco de tudo.
Valdivia no Verdão:
165 jogos, 33 gols, dois títulos
1 Paulistão (2008)
1 Copa do Brasil (2012)
Falta reposição no elenco?
Elenco a gente tem, só que precisa de mais. Com esse elenco que a gente
tem, fomos campeões da Copa do Brasil, ganhamos do Grêmio lá no
Olímpico e não perdemos para o Coritiba no Couto Pereira. Esse mesmo
elenco foi campeão. Precisa de mais. A gente teve a felicidade de
ninguém ter uma lesão maior, só agora que teve Assunção e Fernandinho.
Tem jogador com dor no joelho, dor muscular, na Copa não aconteceu nada
disso.
Você ou algum outro jogador tem atuado com dores? É comum para você?
Eu já joguei assim muitas vezes. Já joguei gripado também, estou um
pouco mal agora. Mas é dor comum, dor muscular, isso vai ter sempre.
Fiquei fora por 20 dias entre tratamento e recondicionamento para poder
voltar a jogar. Aí joguei 90 minutos contra o Flamengo, mais um jogo
contra o Atlético-GO, e é normal que o jogador passe a ter incômodo
muscular. É muito comum você jogar com dor. A maioria dos jogadores atua
assim, é normal.
Essas dores são decorrentes das antigas lesões?
Não, nada. Quando fico fora de algum jogo já falam que é a mesma coxa
de sempre, a esquerda, a da fibrose. Não é assim. Isso já sumiu, é parte
do passado e não quero nem lembrar. Não tem lesão. O que me deixa fora
de algum jogo é produto do cansaço que o corpo vai sentindo pelo fato de
ficar três, quatro dias sem treinar, porque ainda não estou 100%.
Queria jogar sempre sem dor muscular, mas não dá pelo fato de todos os
problemas que tive no passado. Como fiquei fora de vários jogos e voltei
a jogar só agora, é normal, mas lesão grave eu não tive mais.
Valdivia homenageia Barcos: 'Clima é o mesmo da Copa do Brasil' (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
A biopsia realizada há quatro meses o ajudou?
Desde aquilo eu não tive mais lesões, então ajudou. (Teve um problema muscular na coxa esquerda, que o tirou de campo por 20 dias)
Como é o esquema de treinamentos hoje? Dá para encarar a maratona de jogos entre Brasileiro e Sul-Americana?
Meus treinamentos são controlados. Eu não treino menos do que os
outros. Mas quando é uma atividade mais puxada, que vai exigir do
músculo, eu faço algo diferente, mas faço. A intenção é jogar todas, eu
não quero ser poupado, mas preciso. Agora, por exemplo, fiquei fora
contra o Botafogo, pela Sul-Americana, porque o Felipão prefere me ter
contra o Santos. E aí eu jogo domingo, quarta, domingo, e fico uma
quarta descansando. Devemos fazer isso de novo. Depois disso, mais
preparado, acho que dá para ter uma sequência maior. Dá para jogar duas
vezes por semana, mas tem de dosar algumas coisas.
Forcei muito a coxa para jogar, tomei infiltrações muitas vezes (...)
Quando você faz um ultrassom e não dá nada, tem de jogar, não importa a
dor, porque senão os caras pensam que você está dando migué"
Valdivia
Como você lida com as acusações de 'migué'? Você já fez isso para não jogar alguma partida?
Nunca! Forcei muito a coxa para jogar, tomei infiltrações muitas vezes.
Mas para mim é complicado falar isso, não é o jogador que tem de
falar... (longa pausa). Não é o jogador que tem de vir a público falar
disso. Forcei a coxa porque o momento não era bom, todo mundo precisava
dar algo a mais no ano passado. Quando eu queria dar esse algo a mais,
não conseguia. Quando era para parar por um tempo e tratar, vinha aqui
no Palmeiras, fazia exames e não dava nada, porque não ia dar nada
mesmo. Nunca rompeu o músculo, só tinha as dores. Só depois de forçar
umas quatro vezes é que rompe. Mas quando você faz um ultrassom e não dá
nada, tem de jogar, não importa a dor, porque senão os caras pensam que
você está dando migué. Era para descansar, fortalecer e voltar
recuperado 100%. Mas como o exame não dava nada, eu tinha de ir para o
jogo. O momento não era bom, Felipão dizia que precisava de mim, de um
gás para ajudar. Em 2010 e 2011 o momento não era bom, eu estava aí,
pronto para ajudar. Estou falando isso porque você me perguntou, mas já
joguei 500 vezes machucado e vocês não falam nada.
A repercussão dessas lesões foi bem negativa...
Tudo foi negativo, mas não me arrependo de ter feito isso, de ter
forçado para ajudar o Palmeiras. Quem me conhece sabe o que eu fiz, quem
não me conhece prefere falar do que ouve por aí. Tento não dar muita
importância para aqueles que preferem falar coisas ruins.
De onde você acha que surgem essas "coisas ruins"? Por que tanta polêmica em torno do Valdivia?
Isso tudo cansa, por isso que prefiro não me importar mais com essas
coisas. Apenas ouço os verdadeiros amigos e a família. No mundo do
futebol é muito difícil fazer amigos. Se perguntar para uns 500
jogadores, 350 vão te dizer que não é fácil fazer amizades no futebol.
Tem os interesseiros, no mundo da bola tem muita inveja. Não é fácil.
Tenho muito amigo jogador, e desses amigos a gente cuida. Amigo é quem
entra na minha casa, conhece meus pais, meus filhos.
A cada campeonato, um visual diferente (Montagem sobre fotos da Agência Estado)
Você tem esses amigos no Palmeiras? Eles que o mantêm no clube?Tenho
amigos dentro e fora do Palmeiras, mas o que me motiva mais é o clube, o
carinho do torcedor. Acredito que 80% dos palmeirenses ainda confiam e
sentem carinho por mim. Se ainda estou aqui e lutando, aguentando tudo
isso, é por causa dessa maioria. E esses 20% que querem que eu vá embora
vão mudar de ideia.
O Felipão, hoje, é considerado um amigo? A relação entre vocês está tranquila?
É boa hoje, ontem, um mês atrás, ano passado... Não temos problemas, ou
brigas, apenas não concordo com algumas coisas que ele pensa. É uma
questão normal. Mas problema de um querer socar o outro, não tem. Nada a
ver. Nossa relação é boa desde sempre. Mas as pessoas preferem falar
que não jogo, dou migué, brigo com o treinador, porque isso vende mais,
repercute mais. Se sou amigo dele? Bom, amigo... Se falo que não, já
pensam que sou inimigo. Portanto, amigo.
Então dá para dizer que você está confortável no Palmeiras?
Sim. Não queria voltar para o Chile depois do sequestro-relâmpago, como
disseram por aí, mas a necessidade de ficar perto da família me fez
pensar isso. Isso me fez duvidar se adiantava ou não ficar aqui. Nunca
me senti carente nem inseguro, nem agora, nem depois do que aconteceu.
Nunca precisei de seguranças, de carro blindado, então nunca me senti
incomodado com isso. Acho que todos os países têm dificuldades e
problemas, perigos, riscos. Não sei se aqui é pior. Não foi a violência
que me fez pensar em ir embora, mas sim a necessidade de ficar perto da
família.
Valdivia admite diferenças com Felipão, mas diz que se dá bem com ele (Foto: André Pera / Futura Press)
Você se sente uma referência dentro do grupo, mesmo jogando pouco?
A referência é muito simples. De quem o pessoal pega mais no pé?
Barcos, eu... Automaticamente você já percebe que é referência. Barcos,
Assunção, Bruno, que a gente espera que seja o novo Marcos. O próprio
torcedor e a imprensa já sabem de quem cobrar mais. Minha
responsabilidade está assumida faz tempo, o que pegam no meu pé não é
brincadeira.
Flamengo,
não, de jeito nenhum. É a segunda vez que me procuram. Para jogar em
outro time do Brasil, não me vejo. Pelo que eu vi, o salário era muito
maior do que aqui. Mas estou bem aqui, feliz"
Valdivia
Mas os gols e assistências estão mais raros, não? No Brasileirão, nenhum gol ou assistência.
Fazedor de gols eu não sou, eu sou o jogador que deixa os outros na
cara do gol. Mas às vezes você dá o passe e o cara não faz o gol. O que
era para ser assistência não é mais. Não é a mesma coisa deixar o Barcos
ou outro jogador na cara do gol. Essa é outra questão. Se deixar o
roupeiro na cara do gol, vai perder, o Barcos eu tenho certeza de que
faz. É um pouco de tudo isso. Tenho de melhorar, claro. Mas na maioria
dos jogos recebo marcação individual, você vê aí a importância que tem
no time. Do outro lado os caras fazem questão de te dar essa
importância.
Continua apanhando muito?
Sim, sim, isso aí não muda nada. Se for na maldade é problema, mas se
for uma pancada de jogo, pela frente, não tem problema. Por trás é na
maldade. Mesmo assim, a magia vai voltar, já está aí, quando o Palmeiras
precisava de uma saída, de um escape, eu resolvi. Contra o Grêmio (pela
Copa do Brasil) fui lá e fiz o gol. Sempre estou aparecendo nos
momentos que é para aparecer. Na final eu fiz um gol contra o Coritiba
de pênalti (e depois foi expulso), contra o São Paulo já não fiz, mas
não tinha a mesma magnitude.
Como você se sente ao ver tantas situações internas sendo expostas? O caso do João Vitor, por exemplo.
Que caso do João Vitor?
Ele admitiu que chegou com “hálito de cachaça” em um treino nesta semana.
Eu não vi isso, só vi que ele deixou o treino por causa de uma dor. Mas se ele falou, não sei. Não é coisa minha.
Mas os vazamentos incomodam? Já sabem quem é que passa isso para fora?
Não sabemos, mas se precisar a gente faz uma rodinha lá no vestiário e
descobre. Mas não é ninguém do grupo, jogador, essas coisas. Estamos
muito unidos, a brincadeira continua, o bom ambiente está igual à Copa
do Brasil. Isso posso garantir.
A pergunta é recorrente, mas será feita de novo. Vai ficar no Palmeiras para a Libertadores?
Sim... Ah, eu quero. Mas se o treinador e a diretoria não quiserem, temos de arrumar uma saída.
Valdivia vestiu a camisa do Flamengo após o jogo
da semana passada (Foto: Reprodução)
Você pensou em ir para o Flamengo quando o Palmeiras recebeu a sondagem?Flamengo,
não, de jeito nenhum. É a segunda vez que o Flamengo me procura. Para
jogar em outro time no Brasil, não me vejo. Pelo que eu vi, o salário
era muito maior do que aqui. Mas estou bem aqui, feliz, gosto daqui,
agradeço dia a dia o carinho do torcedor. Sou muito de pele, não
pretendo sair para algum outro time.
Mas aquela história de colocar a camisa do Flamengo pegou mal, não?
Nada a ver, coloquei porque estava com frio. É a mesma coisa se jogar o
Chile com o Brasil e eu colocar a camisa do Brasil. Qual o problema?
Procura aí na internet, você vai achar um monte de casos como esse. Aí
um torcedor falou para eu tirar e eu pensei: "Ah, realmente é melhor
tirar". E aí colocam que torcedor me xingou...
E a proposta do Al-Ahli, da Arábia Saudita, fez você pensar em mudar de ares?
Quando chegou a proposta da Arábia, o Palmeiras ouviu, gostou, só que o
clube pediu uma garantia bancária, fato que os árabes, por terem muito
dinheiro, não dão. Como eles não deram, o Palmeiras não me vendeu. A
verdade é essa. No momento eu estava em casa, sempre sendo meio
questionado pela família para voltar a ver meus filhos. Pensei um pouco,
mas não estava muito afim. Sei como é na Arábia, é muito difícil.
Quando joguei nos Emirados eu procurei perguntar como era a vida nos
outros países lá, fui jogar nesses países e é difícil. A Arábia é um dos
países mais complicados para morar. Perguntei ao Marcinho, da Ponte
Preta, que jogou no time que me queria. Contou um pouco, quando ele
chegou lá prometeram casa, carro, ouro, e ainda está esperando tudo
isso. A família demorou para ir, ele morou numa casa que não era a que
ele queria, atrasavam quatro meses de salário. Mulher não podia dirigir,
não podia sair com roupa normal. É muita coisa... Nos Emirados é
diferente, tem Dubai e Abu Dhabi, é normal. Vale a pena visitar.
Valdivia diz que já jogou com dores, mas nunca deu "migué" (Foto: Luis Moura / AE)
Às vezes você é mais notícia pelo que faz fora do que dentro de campo. Como você encara isso?Não
me sinto perseguido. Gostaria que falassem mais do que faço em campo,
mas às vezes a gente dá brecha. Esse fato de por a camisa do Flamengo
para mim... Não importa. Aì o torcedor pediu para eu tirar a camisa,
tirei. Aí dizem que fui xingado pelos torcedores. Nada a ver. Você vê aí
a maldade. Vende mais uma notícia ruim do que uma boa a uma notícia
simples. Eu sei disso, fiz oito meses de jornalismo, conversava com
muita gente, sei o que vende mais, o que interessa, o que não interessa.
Jornalismo? Quando foi isso?
Quando eu estava no Chile, início de carreira, comecei a fazer
faculdade porque me interesso muito pelo assunto, gosto de saber como
funciona. Parei porque não dava para conciliar com o futebol, não tinha
tempo. Aí optei pelo futebol, mas pretendo retomar quando encerrar a
carreira.
Pensa em ser comentarista, apresentador, algo do tipo?
É o que eu quero, vou comentar, cornetar. Primeiro comentarista, depois
quero ter meu programa de TV, com entrevistas, essas coisas. Seria bem
legal. Mas no meu programa não vai ter trairagem. Se o cara jogou mal,
vou dizer que jogou mal. Mas o que ele faz fora de campo não me
interessa.
Clique aqui e assista a vídeos do Palmeiras
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/2012/08/valdivia-nega-migue-e-fla-80-dos-palmeirenses-acreditam-em-mim.html