Humorista relembra título do Campeonato
Carioca de 1989, que tirou o Botafogo da fila de 21 anos sem títulos, e
compara período com ditadura
Por GLOBOESPORTE.COM*
Rio de Janeiro
Adnet posa com a camisa de Seedorf no Engenhão
(Foto: Edgard Maciel de Sá/Globoesporte.com)
Dia histórico no Maracanã: 21 de junho de 1989. Com um gol de Maurício
aos 12 minutos do segundo tempo, o Botafogo venceu o Flamengo por 1 a 0 e
foi campeão carioca. Lágrimas, sorrisos e orações. Era o fim de um
jejum de 21 anos sem títulos. Pouco mais de duas décadas após a
conquista, o ator, jornalista, humorista e ovelha alvinegra Marcelo
Adnet ainda guarda doces lembranças do dia em que viu o time de General
Severiano transformar o Rio de Janeiro numa contagiante festa ao som do
“buzinaço da vitória”. Emoção para quem viveu parte de um longo período
de agonia para soltar um grito de libertação e comemorar pela primeira
vez um título do seu time de coração.
– Sou de 81 e frequento os estádios desde quando eu tinha oito anos de
idade. Já fui em muitos jogos, vi muitas decisões, mas na minha opinião o
título do Campeonato Carioca de 89 foi mais importante até do que o
Brasileiro de 95, com Túlio & Cia. Na época, o Botafogo vivia
péssima fase: estava há 21 anos sem erguer um troféu. Foi um período
traumático. Aquele título simbolizou um verdadeiro divisor de águas na
história do clube e foi muito marcante na minha vida. Naquele dia,
graças ao gol do Maurício, pude me afirmar como torcedor e entender o
que era ser botafoguense de verdade. Foi uma festa muito bonita – disse
Marcelo Adnet.
Nasci botafoguense e cresci com aquela noção de que somos poucos, mas
muito honrados. (...) E, para mim, ser botafoguense é ser um herói.
(...) Ninguém torce para o Botafogo por conveniência, mas por paixão."
Marcelo Adnet
Nascido e criado no bairro do Humaitá, na Zona Sul do Rio de Janeiro,
Marcelo não era como as outras crianças. Seus passatempos preferidos
tinham como alicerce manias. Aliás, muitas manias: gostava de conversar
com os mais velhos e compartilhar seus gostos. Jogava xadrez na praia,
era fissurado em estrelas e planetas, estudava russo por conta própria e
adorava ficar em casa na segurança de seus livros. Essa reunião de
excentricidades e a fuga de rótulos ou estereótipos são, na verdade, o
retrato da infância de Marcelo Adnet, de 31 anos, um dos maiores
talentos da nova safra de humoristas brasileiros.
Dentro ou fora dos palcos, o "botafoguense puro – de mãe e pai –"
interpreta a si próprio: um jovem comediante apaixonado por futebol que
em algum momento da vida sofreu bullying dos amigos de escola para mudar
de time, mas não sucumbiu. Descobriu um amor incondicional pelo
Botafogo ainda criança e, atualmente, procura exercer seu clubismo de
maneira consciente, quando transforma os principais tópicos
futebolísticos da semana em piada na sua “coluna humorístico-esportiva”
no jornal O Globo.
– É muito difícil escrever para o torcedor, porque somos fanáticos por
futebol. Defendemos nosso clube como defendemos um país, uma etnia, uma
crença. Nasci botafoguense e cresci com aquela noção de que somos
poucos, mas muito honrados. Além dos meus pais, meu tio e meu avô
maternos torcem para o Botafogo. Meu pai sempre disse: "Meu filho pode
ser tudo, mas vai ter que ser botafoguense". E, para mim, ser
botafoguense é ser um herói. O clube não é maioria em nada – em nenhum
setor da sociedade. Ou seja, ninguém torce para o Botafogo por causa de
títulos e conquistas. Ninguém torce para o Botafogo por conveniência,
mas por paixão.
Marcelo Adnet: "Um gauche na vida, uma ovelha alvinegra no mundo" (Foto: Arquivo Pessoal)
Depois de ter sido o clube mais vitorioso do Rio de Janeiro na década
de 60 – conquistou quatro Estaduais em dez possíveis -, o Botafogo viveu
um longo período de escassez de títulos. O clube quase ganhou os
Cariocas de 1971 e 1975, fez boas campanhas nos Brasileiros de 1971,
1972 e 1981, ano de nascimento de Adnet, e chegou a ficar 52 jogos
invicto entre 1977 e 1978.
Nomes como Marinho Chagas, Mendonça e Alemão passaram pelo Botafogo,
viraram ídolos. Mesmo assim, o tão sonhado título teimava em não vir. O
fato aguçou a criatividade de Adnet, que mergulhou na história do Brasil
para apresentar uma visão humorística do período de raras alegrias
alvinegras.
– Em protesto, boicotamos a falta de liberdade no Brasil (risos). Após
conquistar o bicampeonato carioca em 1968, quando foi decretado o AI-5,
com um time repleto de jogadores da seleção brasileira - como Gérson,
Jairzinho e Paulo César Caju -, o Botafogo voltou a ganhar somente em
89, ano das primeiras eleições diretas. Ou seja, um clube que demonstrou
coragem e boicotou o período ditatorial inteiro (risos). Gosto de fazer
essa brincadeira.
Campeão do returno de 89, o Botafogo chegou à decisão contra o Flamengo
(campeão do turno) com um ponto de vantagem por ter feito a melhor
campanha geral. No primeiro jogo, um empate sem gols foi bom para o
Glorioso. Para ser campeão, o time de General Severiano teria que chegar
a quatro pontos (na época, vitória valia dois). Um triunfo na segunda
partida significou a conquista tão sonhada pelos torcedores alvinegros
num jogo em que o número excessivo de coincidências transcendeu o limite
do bom senso, surpreendendo até mesmo os botafoguenses mais
superticiosos, como o humorista (veja ao lado).
– Fui em vários jogos naquela ocasião. Vi o empate sem gols do Botafogo
com o Bangu na Taça Rio, mas assisti à decisão contra o Flamengo em
casa, por motivos de segurança, junto dos meus pais. O Maracanã estava
lotado. Foi uma noite mágica – 21 de junho, 21h, 21 graus, 12 minutos do
segundo tempo, 21 anos depois, gol do Maurício, o camisa 7, após
cruzamento do Mazzolinha, o camisa 14 (14+7= 21). Enfim, muitas
coincidências. Do jeitinho que o botafoguense gosta. Foi um jogo que me
contagiou. O Flamengo de Zico, Bebeto & Cia. tinha um time bem
melhor. Mesmo assim, jogamos com muita raça e humildade e conseguimos
conquistar o título.
Aos 7 anos, o pequeno Marcelo entendeu o que era ser botafoguense de verdade (Foto: Arquivo Pessoal)
Mesmo com o Glorioso em vantagem no placar, o pequeno Marcelo soube
conter a ansiedade pelo tão esperado apito final. Que veio e foi a senha
para a festa alvinegra. Uma comemoração esperada por duas décadas e que
até hoje é lembrada por ele.
– Foi um grito de libertação, de independência. Aquele título gerou uma
comoção muito grande. Quando o jogo acabou, lembro dos meus pais
comemorando fervorosamente e decidindo que iam para a sede social do
clube, em General Severiano. E me levaram junto. Foi um dia muito
marcante na minha vida. Eu estava lá, cantando o hino do clube, em meio a
uma multidão apaixonada e enlouquecida. Uma festa e tanto. Assim sou
eu, um gauche na vida, uma ovelha alvinegra no mundo.
Marcelo Adnet em "dia louco do Rio para
São Paulo" (Foto: Reprodução / Twitter)
Filho do músico e arranjador Francisco Adnet com a ex-modelo e
figurinista Regina Cocchiarale, Marcelo Adnet cresceu tendo seu lado
artístico estimulado. No entanto, foi em 2003, ano em que o Botafogo
disputou a Série B do Brasileirão, que topou o convite de um amigo para
subir pela primeira vez em um palco e improvisar. Assim, sem mais nem
menos, descobriu que suas piadas poderiam fazer rir plateias muito
maiores do que as rodinhas de violão da PUC-Rio, onde cursava
Comunicação Social. Logo na primeira noite da peça, diante das
gargalhadas alheias, o jornalista em formação, astrônomo frustrado e
enxadrista amador descobriu o caminho que deveria seguir.
Virou
comediante
Atualmente, a rotina pesada de gravações fez com que o humorista
fixasse residência em São Paulo e, consequentemente, acompanhasse com
menos frequência os jogos do Botafogo. A frase “Minha casa é uma van”
resume bem o entra e sai ao qual é submetido todo santo dia entre
aeroportos e compromissos. Mesmo assim, Adnet encontrou uma saída um
tanto quanto inusitada para praticar sua fidelidade ao clube da estrela
solitária.
– Já fui mais aos estádios. Um dos momentos mais memoráveis foram as
inúmeras idas de van ou de "996" até Niterói para acompanhar o sucesso
do Fogão na Série B do Brasileirão, no Caio Martins. Atualmente, quando
não consigo assistir aos jogos do Botafogo pela televisão na minha casa
ou na casa de amigos, tento acompanhar pelo rádio via internet. Ou tento
outra jogada: coloco na busca do twitter a palavra Botafogo e vejo tudo
o que está sendo twittado no momento do jogo. Vou acompanhando tudo em
tempo real de acordo com o ponto de vista dos torcedores.
Mestre de cerimônia, Adnet apresenta Seedorf à torcida do Botafogo, no Engenhão (Foto: Arquivo Pessoal)
Mesmo com grande parte do seu tempo devotado a arrancar sorrisos de
famílias inteiras em seus stand ups, o célebre torcedor faz questão de
encontrar um espaço em sua agenda para manter vivo o laço afetivo que
tem com o clube alvinegro e atender os pedidos do presidente Maurício
Assumpção, seu amigo. Assim como na festa de lançamento dos uniformes do
time para esta temporada, o humorista foi o mestre de cerimônia e
conduziu a festa de apresentação de Clarence Seedorf à torcida
alvinegra, no Engenhão, antes do duelo contra o Bahia, pela oitava
rodada do Brasileirão.
– Faço esse trabalho de coração. Para mim, é muito gratificante e um
motivo de orgulho poder participar. Quando o Maurício, por exemplo, me
liga perguntando “você poderia ...?”, eu já respondo que sim antes de
saber o que é. O Botafogo é a única instituição para qual eu trabalho de
graça. Sobre o Seedorf, trazê-lo foi um ato de grandiosidade. Fazia
tempo que o clube não contratava um jogador desse gabarito – concluiu.
* Texto de Igor Castello Branco, sob supervisão de Alexandre Alliatti e Márcio Mará.
botafogo 1 x 0 flamengo
Ricardo Cruz, Josimar, Wilson Gottardo, Mauro Galvão e Marquinhos;
Carlos Alberto Santos, Luisinho e Vítor; Maurício, Paulinho Criciúma e
Gustavo (Mazolinha). |
Zé Carlos, Jorginho, Aldair, Zé Carlos II e Leonardo; Aílton,
Renato e Zico (Marquinhos); Alcindo (Sérgio Araújo), Bebeto e Zinho. |
Técnico: Valdir Espinosa. |
Técnico: Telê Santana. |
Gol: Maurício, aos 12 minutos do segundo tempo. |
Estádio: Maracanã. Data: 21/06/1989. Competição: Campeonato Carioca. Árbitro: Valter Senra. Público: 56.412 pagantes
FONTE: http://globoesporte.globo.com/bau-do-esporte/noticia/2012/11/meu-jogo-inesquecivel-o-grito-de-libertacao-de-adnet-ovelha-alvinegra.html |