Abi Olajuwon, com passagem pela WNBA e
pela Europa, dá mais um passo em sua volta ao mundo em Ourinhos,
seguindo os conselhos do pai, Hakeem
Por João Gabriel Rodrigues
Ourinhos, SP
O calor era tanto naquela tarde de quarta-feira que as ruas de Ourinhos
estavam vazias. Os que se arriscavam, por loucura ou necessidade,
carregavam panos para enxugar o suor e algumas garrafas d’água. Os mais
velhos andavam protegidos por guarda-sóis, mas pouco adiantava. Nada
afastava o incômodo e a sensação de estar em forno aquecido a, no
mínimo, 60ºC. Pode ser exagero, mas até mesmo o rígido técnico Edson
Ferreto amoleceu: cancelou o segundo treino do dia e deu uma inédita
folga às jogadoras do time de basquete da cidade. Uma delas, porém,
venceu a preguiça e, chupando um picolé, se arrastou a passos curtos
para o ginásio do Ourinhos, logo em frente ao hotel onde vive há exatas
três semanas.
Alon Abisola Arisicate Ajoke Olajuwon, que prefere ser chamada apenas
de Abi, carrega no sangue o calor do solo nigeriano, mas diz nunca ter
enfrentado uma temperatura tão alta. Pudera: nasceu em Oklahoma, jogou
pouquíssimo tempo na WNBA e iniciou sua peregrinação. Passou, nessa
ordem, por Croácia (onde nem chegou a entrar em quadra por problemas de
documentação), Hungria, Romênia, Israel e Bélgica. Foi quando surgiu a
ideia de se aventurar pelo Brasil. Com 24 anos, 1,97m e uma passagem
pelo principal campeonato de basquete feminino do mundo, a pivô
americana teria mercado no país apenas pela ficha técnica. Mas suas
credenciais vão além. Filha de Hakeem Olajuwon, que nasceu na Nigéria,
se naturalizou americano e brilhou entre 1984 e 2002 por Houston Rockets
e Toronto Raptors na NBA, Abi leva no sobrenome o seu maior cartão de
visitas.
Abi Olajuwon temeu pela segurança antes de vir para o Brasil (João Gabriel / GLOBOESPORTE.COM)
A jogadora foi oferecida ao Ourinhos através de seu empresário. À
procura de uma pivô de peso desde a última temporada, o clube do
interior paulista, atual vice-campeão da Liga de Basquete Feminino
(LBF), se interessou. “Filha de quem é, deve ter talento”, pensou a
diretoria. Mas nem por isso foi uma negociação fácil. Ainda que o Brasil
aparecesse como o destino ideal por conta das Olimpíadas de 2016, no
Rio de Janeiro, a jogadora se preocupou. Sem conhecer muita coisa do
país, lembrou das notícias de violência que viu algumas vezes pela TV.
Seu pai, através do empresário, chegou a pedir que, por contrato, ela
tivesse um segurança sempre à disposição.
Foi quando procurou saber mais sobre Ourinhos, município pacato do
interior paulista, com índice de criminalidade próximo a zero e pouco
mais de 100 mil habitantes. Depois de três semanas, anda de chinelo
pelas ruas da cidade, sem se preocupar. O único problema é o tal
calor...
- Eu conhecia pouco o Brasil. Sabia que seria a sede das Olimpíadas, da
Copa do Mundo de futebol, que tinha muita gente bonita e praias lindas.
Quando me perguntaram se eu queria vir para o Brasil, respondi: “Claro,
quem não quer ir para o paraíso?” (risos). Depois, realmente fiquei
preocupada com a segurança. Mas, ao saber como era a cidade, fiquei
tranquila. Só esse calor que está me matando, não estou acostumada. É
muito, muito quente. Estou sempre suando, saio do treino com a roupa
encharcada. Mas, por outro lado, é bom, ajuda a aquecer mais rápido,
parece que você sempre está pronta para jogar - disse a jogadora, que
ainda não conheceu as tais praias brasileiras.
Abi se diz ansiosa para estrear no Brasil
(João Gabriel Rodrigues / GLOBOESPORTE.COM)
Mas, mesmo que esteja realmente pronta, Abi ainda não estreou pelo
Ourinhos. Chegou a enfrentar quatro horas de viagem de ônibus para a
partida contra Americana, pelo Campeonato Paulista. Vestiu a roupa,
aqueceu, mas um problema na documentação impediu que ela entrasse em
quadra. Agora, porém, com todo o imbróglio resolvido, a pivô espera
enfim estrear na próxima segunda, contra o São José.
- Estou muito, muito ansiosa. Estou pronta para jogar há algum tempo.
Contra Americana, já estava no calor do jogo, na expectativa de entrar
em quadra, mas não deu. Mas fiquei como torcedora, sabia que era o
momento delas. A equipe é muito boa, a maior parte do time já está aqui
há dois, três anos. Então, a química é excelente. Não são elas que têm
de se adaptar ao meu jogo, eu que tenho de entrar no estilo do time.
Abi sabe do peso que carrega no sobrenome. Diz ter a sorte de ser filha
de Hakeem, considerado por muitos como um dos maiores pivôs da história
da NBA. Ainda que diga ter um estilo completamente diferente do pai,
admite pedir conselhos sempre que conversa com o astro. Não só de
basquete, ressalta. As principais recomendações, ela afirma, são sobre
como guardar dinheiro para o futuro pós-quadras.
- As pessoas esquecem que, para mim, antes de ser um grande jogador de
basquete, ele é meu pai. Então, conversamos sobre tudo, tudo mesmo.
Claro que eu peço conselhos, mas não só sobre basquete. E ele sempre me
dá conselhos de como guardar dinheiro. Diz que, se eu fosse homem e
jogasse na NBA, nunca mais teria de me preocupar com trabalho. Mas como
sou mulher, as coisas são diferentes. “Pode ter certeza, você vai ter de
trabalhar quando largar as quadras!”, ele me diz (risos) – conta a
jogadora, que afirma que o pai deve visitar o Brasil para vê-la em ação
durante a próxima edição da LBF.
Apesar do sobrenome, Abi afirma não sentir pressão alguma por ter
seguido os passos do pai no basquete. Hakeem, ela conta, tem outros dois
filhos homens. E são estes que deverão sofrer com o peso da comparação
caso optem pelo basquete.
- Até por eu ser mulher, acho que não podem nos comparar. Mas toda
minha vida eu me acostumei com isso. Meu pai tem outros filhos mais
novos. Ainda não começaram no basquete. Ele quis que eles jogassem
futebol para ter um bom trabalho de pés. Mas, caso resolvam jogar
basquete, esses sim vão sofrer com as comparações.
Abi Olajuwon diz não carregar pressão por ser filha de Hakeem (João Gabriel / GLOBOESPORTE.COM)
Abi diz ter sido bem recebida pelas companheiras. Nos dias de folga,
costumam ir todas juntas ao shopping ou ao boliche da cidade. A língua
portuguesa é realmente o maior problema: “Eu não sei nada, nenhuma
palavra”, ela diz, abrindo o sorriso. Mas isso deverá começar a ser
resolvido em breve. Desde que chegou a Ourinhos, a pivô tem procurado
uma escola para aprender a nova língua. Assim, poderá atender melhor aos
torcedores que já a param pela rua e, principalmente, facilitar a
comunicação com o técnico Edson Ferreto.
- Ele não entende nada de inglês. Às vezes, fica lá rindo e pede para
alguém que saiba falar um pouco de inglês me passar o que deseja. Ele
não fica nervoso, mas sei que, se pudesse, falaria um monte de coisa
para mim – brincou a jogadora.
Até por eu ser mulher, acho que não podem nos comparar. Mas toda minha vida eu me acostumei com isso"
Abi Olajuwon
A pivô afirma não conhecer tão bem o basquete brasileiro. Diz ter se
impressionado com a força do rival Americana, atual campeão da LBF,
ainda que tenha sido avisada que se tratava de uma equipe acima das
outras. Abi, no entanto, afirma que, em três semanas, viu um trabalho
diferente do que é feito nos outros países. E garante que logo o Brasil
deverá ter dias melhores dentro de quadra.
- Aqui, vejo todas trabalhando todos os fundamentos. Lá fora não é
assim. Quando eu comecei, viram o meu tamanho e já me colocaram de pivô,
fazendo um trabalho específico de pivô. Aqui, todas fazem tudo. Por
isso, quando vimos Iziane, Érika e Damiris lá fora, sempre percebemos a
variedade técnica delas. A seleção dos Estados Unidos é algo fora dos
padrões. Mas isso porque a WNBA é um negócio. Todos os times têm um
grande investimento, um trabalho muito forte sendo realizado há anos.
Mas você nunca sabe se estará no time. De uma hora para a outra, pode
ser cortada por outra jogadora. Por isso gostei de viajar. Essas meninas
estão jogando juntas há três anos. O time tem química. Lá fora, isso
não existe. Acho que o basquete brasileiro vai melhorar muito nos
próximos anos...
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/basquete/noticia/2012/11/filha-de-lenda-da-nba-vence-medo-da-violencia-e-vive-dias-de-calor-em-sp.html