O pedido de cassação foi protocolado pelo PSDB, o rival na eleição e principal partido de oposição, logo após a reeleição de Dilma, em outubro de 2014. Desde então, a ação teve dificuldades de seguir adiante, principalmente devido à falta de provas. Em outubro de 2015, o processo foi reaberto e, um ano depois, ganhou velocidade com o novo relator, o ministro Herman Benjamin.
Nos últimos meses, o TSE vem colhendo documentos para decidir se há provas suficientes para seguir em frente com o processo. Esta será a primeira vez que o TSE decide se vai ou não cassar o mandato de um presidente.
Como andam as investigações?
Em dezembro deste ano, peritos do TSE encontraram novos indícios de fraude e desvio de recursos ao analisar o sigilo bancário das gráficas VTPB Serviços Gráficos e Mídia Exterior Ltda., Focal Confecção e Comunicação Visual Ltda. e Rede Seg Gráfica Eireli, contratadas como prestadoras de serviços para a campanha de Dilma e Temer.
Nesta terça-feira (27/12), a Polícia Federal realizou operações de busca e apreensão em 20 endereços espalhados pelos estados de São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina. A operação investiga se as gráficas realmente tinham capacidade para prestar os serviços declarados.
Cenário de fraudes
A chapa Dilma-Temer pode ser cassada mesmo se não forem comprovadas irregularidades na prestação de serviços das gráficas. Segundo o jurista Fernando Neisser, da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político, ao longo desta fase de análise de documentos, que antecede o julgamento, a acusação vem tentando reunir indícios de que houve um “cenário de fraudes”.
Isso significa que a estratégia da acusação não depende apenas da comprovação de fatos isolados de corrupção. “Provas de abusos políticos e econômicos menores, que provem que o cenário da campanha foi, como um todo, fraudulento, são suficientes para uma condenação”, afirma o jurista.
Separação de julgamentos
Um detalhe que reforça o tom de ineditismo deste processo é que a defesa de Temer quer que o balanço das contas criadas para arrecadações de campanha seja julgado separadamente. Como são contas distintas, Temer quer que elas sejam desvinculadas, pois, no caso da condenação de Dilma, ele escaparia da cassação.
Em casos como este, o TSE costuma julgar a chapa por entender que, embora as contas sejam separadas, tanto o candidato principal como o vice são beneficiados pela eleição.
“Se fica provado que uma chapa cometeu abusos na campanha e, por meio desses abusos, chegou ao poder, faz sentido que os dois percam os mandatos. Afinal, o vice chegou ao cargo graças à eleição da chapa”, defende Neisser.
Na visão do jurista, uma possível adesão do TSE ao pedido de Temer resultaria em problemas para as candidaturas futuras. Seguindo essa lógica, os vices passariam a ser considerados potenciais inimigos dos candidatos principais. Eles poderiam coletar provas de fraudes, por exemplo, durante a campanha, e entrar com pedido de cassação logo depois da posse. Em caso de vitória, assumiriam o cargo principal. Essa possibilidade de separação de julgamento também poderia incentivar que candidatos principais cometam fraudes e joguem a culpa nos vices.
A defesa de Dilma quer que a chapa seja julgada em conjunto, seguindo jurisprudência da corte. Embora uma posição contrária à separação seja quase unânime entre os juristas, existe a possibilidade de o TSE aprovar o pedido da defesa de Temer.
O que pode acontecer com Dilma e Temer
O processo do impeachment cassou o mandato de Dilma, mas não seus direitos políticos. Se a Justiça decidir pela cassação da chapa reeleita em 2014, além de ter perdido o mandato, a petista ficará também inelegível. Já Temer perderá o mandato e também ficará inelegível.
Caso o TSE decida cassar a chapa Dilma-Temer em 2017, e essa decisão for confirmada pelo Judiciário, o artigo 81 da Constituição prevê que o Congresso elegerá um novo presidente para cumprir o restante do atual mandato.
Temer já afirmou que, se for condenado, vai recorrer com “recursos e mais recursos” da decisão, mas que “respeitará a decisão final do Judiciário”.
Pode haver eleição direta?
Sim, essa possibilidade existe, segundo alguns juristas. Em parte por causa do grande apoio entre a população, a possibilidade de eleição direta passou a ser cada vez mais debatida nos meios políticos e na imprensa nas últimas semanas. A tese de eleição direta se apoia numa minirreforma eleitoral aprovada em 2015 pelo Congresso Nacional e que determina que haja eleição indireta somente se houver vacância de um cargo público majoritário, por decisão da Justiça Eleitoral, nos últimos seis meses do mandato. Do contrário, eleições diretas devem ser convocadas num prazo de 20 a 40 dias.
Juristas debatem, porém, se essa alteração é constitucional, pois ela parece estar em claro conflito com o artigo 81 da Constituição, que determina a realização de eleição indireta se houver vacância nos últimos dois anos do mandato presidencial. Em maio, o Supremo Tribunal Federal recebeu uma ação de inconstitucionalidade, movida pela procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que argumenta justamente que a minirreforma não pode se sobrepor à Constituição. O julgamento da questão pela corte suprema só deverá acontecer depois de fevereiro, quando acaba o recesso dos juízes.
Um outro caminho para a eleição direta seria a aprovação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) que alterasse o artigo 81 da Constituição.
Impactos econômicos e políticos
Para Kai Michael Kenkel, pesquisador associado do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), de Hamburgo, eleições indiretas não trariam estabilidade política para o Brasil. “Pelo contrário, prolongariam a sensação de improviso e caos político.”
Segundo Kenkel, existe uma insatisfação popular geral em relação aos partidos brasileiros. “Essa crise de representatividade não seria solucionada com um presidente eleito pelos parlamentares.”
Na análise do cientista político Jens Borchert, da Universidade de Frankfurt, tanto o impeachment como o pedido de cassação que tramita no TSE mostram que a oposição brasileira não sabe perder. “O PSDB errou lá atrás, ao não aceitar a derrota nas eleições de 2014”, diz Borchert. “Perder faz parte do jogo da democracia. É o que garante a tão necessária alternância de partidos no poder.”
Na leitura do cientista político alemão, a imagem de toda a classe política está prejudicada. “Os políticos, mais uma vez, desrespeitaram a democracia brasileira. Todos saem perdendo.”
Os prejuízos também poderiam alcançar as finanças do país. “Os mercados não gostam de sistemas políticos instáveis”, diz Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV-SP. “Uma nova mudança na presidência poderia provocar desconfiança dos investidores estrangeiros e desmotivar o investimento externo, mas apenas no curto prazo”, afirma.