Remodelado pelas mãos de cerca de 2.450 operários, de quatro regiões do país, estádio supera greve e oferece a realização de sonhos e futuro melhor
De segunda a sexta, mais de 1.500 trabalhadores acordam sob o céu ainda
escuro para rumar ao palco onde milhares de torcedores costumavam
comparecer cheios de expectativa apenas pelo prazer de torcer por seu
time. Outros 950, aproximadamente, batem ponto em horários diversos, até
de madrugada, para não deixar o ritmo da maior reforma que o Maracanã
já sofreu desacelerar. O sentimento, porém, é diferente daquele de
botafoguenses, flamenguistas, tricolores e vascaínos: entra em cena o
orgulho de cada um que enche a boca para dizer que é peça decisiva na
remodelagem para a Copa do Mundo de 2014. Em contrapartida, sem
esmorecer, logo ali fora dezenas de homens miram o portão 13 do estádio,
oferecendo sua mão de obra, à caça de uma vaga para crescer seu padrão
de vida e também para compartilhar desse sonho.
O caminho até os retoques finais na futura arena multiuso durará dois
anos e meio, entre setembro de 2010 e fevereiro de 2013, data marcada
para a entrega à Fifa, que organizará a Copa das Confederações, quatro
meses depois, como evento-teste. Até lá, existe a previsão de contratar
700 funcionários em janeiro e mais gente no segundo semestre. Além
disso, necessidades pontuais têm sido eventualmente preenchidas por
esses brasileiros que não desistem de fazer parte dessa história.
Quatro regiões do país estão representadas no estádio.
Para conferir esses detalhes e descobrir mais sobre quem está erguendo o novo Maracanã, o GLOBOESPORTE.COM passou duas horas e meia dentro do canteiro da obra e conversou com homens e mulheres que trabalham de bota onde já desfilaram as chuteiras dos maiores craques do país. Não há gramado. Mas ainda há planos e sonhos. Como o do armador Juliano Silva, de 31 anos, que cursa o terceiro período da faculdade de engenharia à noite. Assim, dorme apenas cerca de quatro horas por dia para conciliar o estudo com o ganha-pão no templo do futebol. Com muito esforço, espera concluir a graduação em 2015.
- Saio de casa às 4h para chegar aqui às 6h. Entre 17h e 18h, vou
embora para o curso. É complicado, mas estou acostumado a chegar às
23h30 na Baixada Fluminense. Só vejo meus dois filhos nos fins de
semana, porque nas horas que sobram preciso descansar. Mas meu trabalho
está sendo recompensado, virei líder da equipe e tenho muita prática em
obra. Só falta a teoria, que as aulas me dão - ressaltou um disposto e
sorridente Juliano, que atua, hoje, na construção de uma das rampas de
acesso ao segundo andar do estádio.
A demanda, comparada ao tempo relativamente curto para deixar tudo pronto, não assusta a equipe contratada pelo consórcio, ainda que as duas paralisações grevistas, que somaram 23 dias entre agosto e setembro, tenham abalado os prazos iniciais.
- Pela experiência no ramo que a maioria tem, acho que empolga mais do que assusta. Acredito que o prazo é bom, sim, não vai dar errado. Sabemos o que nos espera. Tudo aqui representa um desafio, até porque ver o estádio do jeito que está (aponta para as ruínas) e imaginar que de nossas mãos sairá algo tão bonito, é de emocionar - conta Juliano.
Um dos primeiros a pisar no Maracanã após seu fechamento total, o maranhense Flávio admite que "as coisas não estavam andando muito" até a metade do ano, diante de reclamações de benefícios e salários abraçadas pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada do Rio (Sitraicp). Houve até um acidente que levantou a questão sobre se a segurança era a adequada. A briga judicial foi desgastante, mas garantiu parte das reivindicações da classe.
- O serviço está andando bem agora, ficamos felizes com o que conseguimos e estamos mais tranquilos. Espero ficar do início até o fim da obra e, de repente, ganhar um ingressozinho, né? Se não derem, que seja pelo menos mais barato (risos) - brincou ele, que foi criado no Piauí e só arriscou desembarcar com a família em uma cidade grande, como o Rio, em 2007.
- Meu cunhado já estava aqui, me indicou e vim para trabalhar na ampliação do metrô em Ipanema. Ele queria que eu fosse até para Angola trabalhar, mas achei muito longe. Arriscamos, não tinha lugar para ficar, mas deu certo. Não gosto de faltar, nem atrasar. Por isso, a Odebrecht (construtora que faz parte do consórcio responsável) apostou em mim e estou aqui, no lugar onde muitos gostariam, eu acho. E o pessoal pode ficar tranquilo que o Maracanã está sendo bem cuidado. Estamos reformando para ficar bem bonito e ter uma Copa linda - avisou o agora pedreiro Flávio, antes ajudante, um dos 840 emigrantes (35%) com carteira assinada.
Muitos momentos inesquecíveis
A relação da maioria com o futebol é intensa. Os entrevistados pela reportagem se revelaram torcedores rubro-negros, e outros dois - que posaram para uma foto como um time de futebol das estrelas do momento no maior palco carioca - tinham a inscrição de uma organizada vascaína colada no capacete. Por essa razão, lembrar de momentos inesquecíveis no estádio não é difícil, e eles se juntarão aos que vivem no dia a dia desse emprego especial.
- Eu estive em alguns Fla-Flus, e perdemos aquele com o gol de barriga
do Renato Gaúcho (no Carioca de 1995). Fui de geral, era uma época
gostosa. Mas me lembro mesmo daquele do Pet (risos), com gol no fim do
jogo sobre o Vasco (de falta, do tri estadual do Fla, em 2001). O
pessoal já se olhava desanimado, não acreditando mais. Mas quando saiu o
gol, o Maracanã quase desabou. Aí, a obra poderia começar mais cedo
(risos) - divertiu-se Juliano.
- Poxa, esse encontro foi muito importante. Jamais esperava um dia pegar na mão do Zagallo, quanto mais abraçá-lo. Fiquei sem palavras. Ganhei até uma bola dele. Fiquei muito feliz, porque nunca tive oportunidade de ganhar nada na vida. Foi meu maior presente até hoje. Vou guardar para sempre, com certeza - disse o pedreiro, de 34 anos.
Investimentos de primeiro mundo
No estágio atual, o estádio tem 30% do trabalho concluído e se prepara para começar a instalar as estruturas que vão sustentar o restante das arquibancadas, praticamente todas retiradas - vale lembrar que não haverá mais separação de setores. No centro do campo, há uma vala que serve para armazenar os pré-moldados (equipamentos que vão possibiltar a concretagem e a modelagem). A parte elétrica já vem sendo conectada, separando a área de trânsito de torcedores da que abrigará restaurantes e novos camarotes, todos com vista para o gramado. É possível notar também os pilares dos antigos túneis de acesso a arquibancada emassados e retocados para adiantar o que não será mexido posteriormente.
- Quando acabar a reforma, o Maracanã pouco terá mudado por fora porque
a fachada continuará a mesma. Mas, por dentro, será outro estádio,
completamente diferente do atual, por conta dos vários recursos
modernos, que cumprem exigências da Fifa. Estaremos equiparados às
principais arenas do mundo, como o novo Wembley, em Londres. Em cada
jogo, aqui também poderão trabalhar cerca de cinco mil pessoas. O
Maracanã está saindo de um paradigma para outro, num espaço de 60 anos. -
afirmou o presidente da Empresa de Obras Públicas (Emop), Ícaro Moreno
Júnior.
Para o projeto, divulga-se, depois de ao menos quatro mudanças de orçamento, um gasto de R$ 775,7 milhões. Há estádios de menor porte, porém, que estão sendo erguidos do zero a um custo menor. Só São Paulo e Brasília devem superar esse montante.
O cardápio dos funcionários e a higiene do refeitório, alvos de críticas no período grevista, apontam ótima variação e qualidade, segundo observou o GLOBOESPORTE.COM. Está afixada na porta a relação dos alimentos oferecidos no almoço. Todos os dias, a equipe tem direito a um prato principal, uma guarnição, uma salada, uma bebida e uma sobremesa. Na lista consta, além de arroz e feijão diários, fricassê de frango, batata francesa, pirão, cubos bovinos e carne assada, por exemplo.
Segundo os trabalhadores, não há mais qualquer reclamação a fazer. A relação com o consórcio voltou a ser cordial para que a trajetória desta histórica reforma - para os envolvidos e para todos os brasileiros - não seja manchada no maior dos eventos de futebol no planeta. Afinal, assim como em 1950, o Maracanã receberá nada menos do que a final da Copa.
Não perca neste sábado uma reportagem especial sobre a participação sem precedentes das mulheres nesta obra do Maracanã, representadas por uma ex-atleta.
Quatro regiões do país estão representadas no estádio.
Para conferir esses detalhes e descobrir mais sobre quem está erguendo o novo Maracanã, o GLOBOESPORTE.COM passou duas horas e meia dentro do canteiro da obra e conversou com homens e mulheres que trabalham de bota onde já desfilaram as chuteiras dos maiores craques do país. Não há gramado. Mas ainda há planos e sonhos. Como o do armador Juliano Silva, de 31 anos, que cursa o terceiro período da faculdade de engenharia à noite. Assim, dorme apenas cerca de quatro horas por dia para conciliar o estudo com o ganha-pão no templo do futebol. Com muito esforço, espera concluir a graduação em 2015.
Juliano se apoia na estrutura da rampa. Ele estuda
e trabalha cerca 18 horas/dia (Foto: André Durão)
e trabalha cerca 18 horas/dia (Foto: André Durão)
A demanda, comparada ao tempo relativamente curto para deixar tudo pronto, não assusta a equipe contratada pelo consórcio, ainda que as duas paralisações grevistas, que somaram 23 dias entre agosto e setembro, tenham abalado os prazos iniciais.
- Pela experiência no ramo que a maioria tem, acho que empolga mais do que assusta. Acredito que o prazo é bom, sim, não vai dar errado. Sabemos o que nos espera. Tudo aqui representa um desafio, até porque ver o estádio do jeito que está (aponta para as ruínas) e imaginar que de nossas mãos sairá algo tão bonito, é de emocionar - conta Juliano.
Um dos primeiros a pisar no Maracanã após seu fechamento total, o maranhense Flávio admite que "as coisas não estavam andando muito" até a metade do ano, diante de reclamações de benefícios e salários abraçadas pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada do Rio (Sitraicp). Houve até um acidente que levantou a questão sobre se a segurança era a adequada. A briga judicial foi desgastante, mas garantiu parte das reivindicações da classe.
- O serviço está andando bem agora, ficamos felizes com o que conseguimos e estamos mais tranquilos. Espero ficar do início até o fim da obra e, de repente, ganhar um ingressozinho, né? Se não derem, que seja pelo menos mais barato (risos) - brincou ele, que foi criado no Piauí e só arriscou desembarcar com a família em uma cidade grande, como o Rio, em 2007.
- Meu cunhado já estava aqui, me indicou e vim para trabalhar na ampliação do metrô em Ipanema. Ele queria que eu fosse até para Angola trabalhar, mas achei muito longe. Arriscamos, não tinha lugar para ficar, mas deu certo. Não gosto de faltar, nem atrasar. Por isso, a Odebrecht (construtora que faz parte do consórcio responsável) apostou em mim e estou aqui, no lugar onde muitos gostariam, eu acho. E o pessoal pode ficar tranquilo que o Maracanã está sendo bem cuidado. Estamos reformando para ficar bem bonito e ter uma Copa linda - avisou o agora pedreiro Flávio, antes ajudante, um dos 840 emigrantes (35%) com carteira assinada.
Muitos momentos inesquecíveis
A relação da maioria com o futebol é intensa. Os entrevistados pela reportagem se revelaram torcedores rubro-negros, e outros dois - que posaram para uma foto como um time de futebol das estrelas do momento no maior palco carioca - tinham a inscrição de uma organizada vascaína colada no capacete. Por essa razão, lembrar de momentos inesquecíveis no estádio não é difícil, e eles se juntarão aos que vivem no dia a dia desse emprego especial.
Estiloso,
pedreiro Flávio não dispensa os óculos escuros e faz questão de usar
por baixo do uniforme de operário uma camiseta em referência a Copa de
2014 (Foto: André Durão / GLOBOESPORTE.COM)
saiba mais
A realização pessoal não se restringe a somente levar o crédito pela
participação na reforma ou poder assistir de perto a um jogo do Mundial.
O tetracampeão Zagallo, de 80 anos, fez uma visita, no último dia 9 de novembro,
ao palco de tantas glórias em sua carreira para incentivar os
operários. Eleito como um dos destaques dos trabalhos no mês passado,
Flávio até hoje não acredita no que viveu.- Poxa, esse encontro foi muito importante. Jamais esperava um dia pegar na mão do Zagallo, quanto mais abraçá-lo. Fiquei sem palavras. Ganhei até uma bola dele. Fiquei muito feliz, porque nunca tive oportunidade de ganhar nada na vida. Foi meu maior presente até hoje. Vou guardar para sempre, com certeza - disse o pedreiro, de 34 anos.
Investimentos de primeiro mundo
No estágio atual, o estádio tem 30% do trabalho concluído e se prepara para começar a instalar as estruturas que vão sustentar o restante das arquibancadas, praticamente todas retiradas - vale lembrar que não haverá mais separação de setores. No centro do campo, há uma vala que serve para armazenar os pré-moldados (equipamentos que vão possibiltar a concretagem e a modelagem). A parte elétrica já vem sendo conectada, separando a área de trânsito de torcedores da que abrigará restaurantes e novos camarotes, todos com vista para o gramado. É possível notar também os pilares dos antigos túneis de acesso a arquibancada emassados e retocados para adiantar o que não será mexido posteriormente.
Todo operário que trabalha aqui tem o orgulho de fazer parte de uma
história internacional. A reforma do Maracanã é conhecida. O prazo é
bom, e estamos muito empenhados"
Juliano Silva, armador
Para o projeto, divulga-se, depois de ao menos quatro mudanças de orçamento, um gasto de R$ 775,7 milhões. Há estádios de menor porte, porém, que estão sendo erguidos do zero a um custo menor. Só São Paulo e Brasília devem superar esse montante.
O cardápio dos funcionários e a higiene do refeitório, alvos de críticas no período grevista, apontam ótima variação e qualidade, segundo observou o GLOBOESPORTE.COM. Está afixada na porta a relação dos alimentos oferecidos no almoço. Todos os dias, a equipe tem direito a um prato principal, uma guarnição, uma salada, uma bebida e uma sobremesa. Na lista consta, além de arroz e feijão diários, fricassê de frango, batata francesa, pirão, cubos bovinos e carne assada, por exemplo.
Segundo os trabalhadores, não há mais qualquer reclamação a fazer. A relação com o consórcio voltou a ser cordial para que a trajetória desta histórica reforma - para os envolvidos e para todos os brasileiros - não seja manchada no maior dos eventos de futebol no planeta. Afinal, assim como em 1950, o Maracanã receberá nada menos do que a final da Copa.
Não perca neste sábado uma reportagem especial sobre a participação sem precedentes das mulheres nesta obra do Maracanã, representadas por uma ex-atleta.
Entre 11h e 12h30, operários almoçam no refeitório do estádio (Foto: André Durão / GLOBOESPORTE.COM)
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