GLOBOESPORTE.COM apresenta especiais sobre centenário do duelo. De Garrincha a Zico, de Junior a Loco Abreu, craques fazem a história
Eu dizia que era bicho garantido, e a gente ganhava o jogo"
Manga
É. Flamengo e Botafogo se interligam em suas histórias. O mais curioso de tudo é que, antes de formarem times de futebol, deram o pontapé inicial no esporte com um amistoso... Na verdade uma pelada entre os remadores. Foi em 25 de outubro de 1903, antes da fundação do Botafogo Futebol Clube. O time, formado por W. Schuback, C. Freire e Oscar Cox; A. Shorts, M. Rocha e R. Rocha; G. Masset, F. Frias Júnior, Horácio Costa Santos, N. Hime e H. Chaves Júnior, goleou o Flamengo por 5 a 1 no campo do Paysandu. Alguns dos atletas alvinegros, como Oscar Cox, integrariam depois o time de futebol do recém-fundado Fluminense. Que depois sofreria uma ruptura e originaria o do... Flamengo.
O centenário da rivalidade, que será completado nesta segunda-feira e começa a ser contado pelo GLOBOESPORTE.COM neste sábado, é feito de goleadas históricas, grandes craques e muita emoção. Dá para montar uma seleção mundial dos dois clubes: Manga, Carlos Alberto Torres, Leandro, Domingos da Guia, Nilton Santos, Junior, Marinho Chagas, Andrade, Didi, Zizinho, Gerson, Adílio, Zico, Garrincha, Heleno, Jairzinho, Romário, Leônidas da Silva, Paulo Cezar Caju, Amarildo, Quarentinha, Zagallo, Bebeto, Adriano, Loco Abreu, Silva Batuta, Almir, Dida, Túlio Maravilha, Donizete, Perácio, Nilson Dias, Gil, Dirceu, Mendonça, Doval, Nunes, Maurício, Nilo Murtinho, Nonô, Carvalho Leite, Moderato, Joel, Fischer, Mozer, Rubens, Bruno, Jefferson, Dodô, Léo Moura, Seedorf, Lodeiro...
No
sentido horário, grandes personagens do clássico: Manga. Zico, Didi e
Zagallo com o Bota de 1961-62, depois Túlio Maravilha, Seedorf, Loco
Abreu, Bruno, Léo Moura, Adriano, Romário (Foto: Editoria de Arte)
O 'bicho certo' de Manga
No 3 a 0 do Garrincha eu fui. Três gols dele. Era um timaço. Por causa dessas coisas, eu sempre queria ganhar do Botafogo"
Zico, ídolodo Flamengo
- Eu dizia que era bicho garantido, e a gente ganhava o jogo. Era uma brincadeira que fazia. E o Botafogo tinha grandes jogadores, como o Amarildo. Mas tínhamos consciência que era difícil enfrentar o Flamengo durante os noventa minutos - afirmou Manga, hoje com 76 anos, um dos primeiros a encarar com bom humor a rivalidade.
Manga, que hoje vive no Equador, citou apenas o Possesso, como era conhecido Amarildo. Mas o time tinha mais. Muito mais. Tinha Garrincha, que fez algumas de suas maiores exibições contra o Flamengo. Principalmente na decisão carioca de 1962, quando marcou os três gols da vitória por 3 a 0 (na súmula, um dos gols foi dado a Vanderlei, contra, mas nos tempos de hoje seria certamente conferido para o Mané).
- Raramente vi derrota para o Botafogo, mesmo naquele tempo. Porque eu não ia também (risos). Mas no 3 a 0 do Garrincha eu fui. Três gols dele. Um foi meio contra, a bola bateu no Vanderlei. Era um timaço. A linha era Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo e Zagallo. Pampollini no gol... Por causa dessas coisas, eu queria sempre ganhar do Botafogo. Tinha a freguesia, por causa do Manga.
Quando você é torcedor, sente mais. Ele chegava sempre e dizia "Vou gastar o bicho na véspera." E eles iam lá e ganhavam mesmo - afirmou Zico, maior artilheiro do Flamengo no clássico, com 20 gols, e o grande responsável pela geração que inverteria a "freguesia" nos anos 1980.
Jairzinho
marca um dos três gols na goleada por 6 a 0 do Botafogo sobre o
Flamengo em 1972. Furacão do tri em 70 é um dos carrascos do
Rubro-Negro, com 16 gols em 35 partidas (Foto: Arquivo / Agência O
Globo)
Foi um momento especial. O gol de letra foi um recurso. Não houve má intenção"
Jairzinho, ídolo alvinegro
- Foi um momento especial porque o Botafogo era melhor. E tinha jogadores campeões mundiais. O gol de letra foi um recurso. Aconteceu a jogada do Zequinha. Cheguei atrasado, e a bola passou pelo meu posicionamento. Fiz o que podia, e o movimento acabou em gol. Mas não houve má intenção. Queria era ter sucesso na carreira, ser útil para a Seleção. Ganhei uma Copa, hoje sou coroado, o único a marcar em todos os jogos. Tive o apelido de Furacão, a Europa me consagrou como melhor jogador de 70. Meu objetivo era chegar ao máximo do estrelato, e cheguei. Não tinha essa coisa de rivalidade. Sempre tive muito respeito pelos adversários - afirmou Jairzinho.
Andrade
marca o sexto gol, e Flamengo devolve o 6 a 0 ao Botafogo em 1981:
geração de Zico, Nunes e Cia. inverte a 'freguesia' no número de
vitórias (Foto: J. Marinho / Arquivo Agência O Globo)
A partida teve sabor especial para o torcedor alvinegro, que durante anos estendia a faixa no Maracanã a cada clássico com o rival: "Mengo, nós gostamos muito de vo6." Um deles, de longe, torceu como nunca naquele jogo pela TV. Em Minas, o garoto Jorge Luis Andrade sonhava pisar um dia no Maracanã e seguir a carreira dos ídolos. Só não poderia imaginar que, nove anos depois, seria personagem do troco, do jogo da vingança. Volante do Flamengo campeão mundial, da Libertadores e daquele carioca de 1981, quando marcou o sexto gol da goleada rubro-negra por 6 a 0. Com a camisa 6.
Na hora, você entra em órbita. É como se estivesse só no deserto. É como ganhar na loteria sozinho"
Andrade,
ídolo do Fla
ídolo do Fla
Andrade jogou também na vitória rubro-negra de 6 a 1 em 1985, também pelo Brasileiro, quando o grande personagem foi o lateral-esquerdo Adalberto, autor de dois gols. Mas a partida de 1981 é muito mais lembrada. E o eterno camisa 6 disse que o time só pensou em devolver a goleada de 1972 no intervalo, quando virou vencendo já por 4 a 0. Era a chance, segundo o ex-jogador, de o time "lavar a alma da torcida".
- Com tanto artilheiro em nossa equipe, fui o "escolhido" para fazer o sexto gol. Sempre fiz alguns de fora da área. Numa jogada antes, tinha dado um chute. Até brinquei que foi só para aquecer. Depois, foi numa jogada bem típica do Flamengo, com troca de passes. Ela dá uma quicadinha antes e eu acerto de bate-pronto. Foi só alegria. Na hora, você não pensa. Entra em órbita. É como se estivesse sozinho no deserto. É como ganhar na loteria sozinho. Eu corri pro lado oposto ao túnel. Em vez de correr pra geral, corri pro outro lado. Foi mais um título para nós.
Maurício
leva a melhor sobre Leonardo, faz o gol e dá o título carioca de 1989
ao Botafogo, quebrando jejum de 21 anos sem título: momento histórico no
Maracanã (Foto: Marcos André Pinto / Arquivo Agência O Globo)
Se Andrade lembra até hoje com emoção do sexto gol do jogo da vingança, o que dizer do alvinegro Maurício? Oito anos depois da catarse do ex-volante rubro-negro, o ex-ponta-direita do Botafogo viveu também a sua no Maracanã ao livrar o clube do jejum de 21 anos de títulos justamente numa decisão de Carioca com o rival. E foi uma das finais mais emocionantes da história do estádio. O Flamengo era treinado por Telê Santana e ainda tinha Zico. Aos 12 minutos do segundo tempo, o camisa 7 livrou-se de Leonardo e mandou para o fundo das redes.
- É uma data que ficou marcada não só para os botafoguenses, mas para o Maracanã. Foi uma decisão em que os torcedores do Fluminense torciam para o Botafogo, os vascaínos também. Foi uma emoção generalizada, não só para os botafoguenses, mas para todos. Um cara beijou meu pé dia desses no shopping. Outro me disse que pôs o nome do filho como Maurício por minha causa. São coisas de que a gente só tem noção com o passar dos anos. Foi uma conquista muito grande. Tive amadurecimento, fui para a Espanha, fui para a Seleção, tudo por causa do Botafogo.
No vestiário, Nilton Santos estendeu as mãos, me abraçou e disse: "Filho, o Garrincha vai estar com você."
Maurício, ídolo
do Botafogo
do Botafogo
- Esse título para mim marcou a história. Eu estava febril. Não pude tomar nenhum tipo de medicação. Na terça-feira, fiquei mal. Na quarta, falei que não ia jogar. Meus companheiros falaram: "Nós vamos jogar por você. Você tem que estar no campo. Você faz gol contra o Flamengo". Isso foi de uma importância muito grande. Valorizou muito. foi aquele senso de grupo. E, para minha vida, o grande personagem foi o Nilton Santos. Quando cheguei ao vestiário, ele me viu, estendeu as mãos, me abraçou e disse: "Filho, Mané Garrincha vai estar com você."
Show e desabafo do Mané
Parecia realmente que Garrincha estava naquela camisa 7 em 1989. Tal como em 1963, quando o Mané teve uma das maiores atuações de sua carreira - por sinal, uma das últimas antes da decadência originada, principalmente, pelas sucessivas lesões e o álcool. E, curiosamente, naquela ocasião, ao contrário da euforia de Maurício, o Mané fez um desabafo ao "Jornal do Brasil" após a partida, em resposta às críticas dos torcedores e da crítica.
Garrincha é um dos grandes personagens do clássico Bota x Fla (Foto: Agência O Globo)
A
corrida desengonçada, como um garoto: Junior comemora o primeiro gol
do empate por 2 a 2 que garante o pentacampeonato brasileiro ao Fla na
final contra o Botafogo (Foto: Agência Estado)
Anos depois, Garrincha vestiria a camisa rubro-negra, mas sem o brilho de antes. Ídolo alvinegro, ídolo do mundo, jogou 38 clássicos contra o Flamengo. O mesmo número de Zico. Os dois só perdem para Nilton Santos, que disputou 40, e Junior, com 41, o recordista de jogos, que viveu uma de suas maiores emoções na única final de Brasileiro entre os dois clubes, em 1992. Com 38 anos, foi o grande comandante em campo da equipe que venceu a primeira partida por 3 a 0 e depois empatou a segunda por 2 a 2, resultados que garantiram o penta brasileiro.
Dava para perceber o clima pela comemoração no gol. Corri desengonçado de tanta emoção"
Junior,
ídolo do Fla
ídolo do Fla
- Acho inclusive que o 2 a 2 foi mais emocionante que o 3 a 0. O Maracanã era todo rubro-negro, até pelo resultado da primeira partida. Dava para perceber o nosso clima pela minha comemoração no gol de falta. Corri todo desengonçado de tanta emoção.
Heleno alvinegro, Zagallo dividido
Junior perdeu um gol feito, mas isso dificilmente acontecia com Heleno de Freitas num Botafogo x Flamengo. O polêmico atacante, destaque do time nos anos 1940, é o maior artilheiro do clássico, com 22 gols e atuações épicas, como a que marcou quatro gols na vitória por 6 a 4, em 1946. Mas nunca foi campeão com a camisa alvinegra. Coisa que não aconteceu com Mario Jorge Lobo Zagallo.
Tricampeão carioca pelo Flamengo em 1953-54-55 como ponta-esquerda ao lado de Joel, Dida, Evaristo e Rubens e com dois Cariocas como treinador, em 1972 - quando tinha Doval e Paulo Cezar Caju - e em 2001 - contando com Petkovic e Edilson -, repetiu a dose no Botafogo. Na ponta esquerda do mítico time do começo dos anos 1960, formava a linha com Garrincha, Quarentinha e Amarildo e sagrou-se bicampeão carioca em 1961-62. Depois, foi o treinador no outro bi carioca na mesma década, em 1967-68, quando Gerson, Jairzinho, Paulo Cezar Caju, Roberto Miranda, Rogério e Sebastião Leônidas eram os outros craques. Mas quando perguntam para que time torce, sai pela tangente.
- Eu sou seleção brasileira. Sempre tive um ambiente muito grande no Flamengo e o outro grande no Botafogo. Sendo que no ambiente do Botafogo eu atravessei as duas grandes fases como jogador e como treinador. A minha vida como treinador eu comecei no Botafogo. Foi até o doutor Nei que me convidou para seguir o caminho de técnico. Foram os dois grandes clubes. Mas sempre que me perguntam, eu digo: “Sou os dois.” Minha vida foi Seleção.
Romário, Túlio, Loco Abreu...
.Zagallo se dava tão bem nos dois clubes que jamais se deixou envolver pelo forte clima de rivalidade, que cresceu nos últimos anos com as últimas decisões. Nos anos 1990, Romário e Túlio Maravilha rivalizaram na preferência dos cariocas e na artilharia. No confronto direto, o Baixinho levou a melhor na final da Taça Guanabara, quando fez os três gols da vitória por 3 a 2, único triunfo rubro-negro no ano do centenário. E o camisa 11 tornou-se o segundo maior goleador dos rubro-negros nesse clássico, com 12 gols, perdendo apenas para Zico.
Loco Abreu comemora a cavadinha do título no pênalti: Bota vence Fla no Carioca 2010 (Foto: O Globo)
Você só fica sabendo a importância quando o tempo passa e as pessoas vão lembrando cada vez que estamos na rua."
Loco Abreu, campeão pelo Bota em 2010
Em 2010, o Botafogo quebrou a série do Flamengo. Ganhou os dois turnos, tal como este ano. E a decisão da Taça Rio, contra o rival, tornou-se inesquecível. O time venceu por 2 a 1 com direito a gol de pênalti do atacante uruguaio Loco Abreu, que usou a sua tradicional cavadinha e superou o goleiro Bruno, até então vitorioso contra o rival nas penalidades. O atacante conta que sentiu a rivalidade á flor da pele.
- O Botafogo vinha sofrendo nas decisões com o Flamengo, que tinha um timaço e era dado como favorito. Quando ganhamos, consegui fazer o gol do título, que foi especial. Mas você só fica sabendo a importância quando o tempo passa e as pessoas vão lembrando cada vez que estamos na rua. No dia a dia, dava para perceber que, dos três clássicos que temos, o mais importante para o torcedor era esse (contra o Flamengo) - afirmou o atacante uruguaio, de volta ao Nacional, do seu país.
Este ano, o Botafogo levou a melhor no último confronto com o Flamengo. Com o camisa 10 holandês Seedorf no comando, venceu por 2 a 0, gols de Júlio Césa e Vitinho, e depois conquistou o Carioca diante do Fluminense. Mas o duelo promete mais encontros emocionantes. Afinal, foi num Botafogo x Flamengo em 1997 que os alvinegros venceram os rivais com o time reserva por 1 a 0. Gol de Renato, conhecido como Pé Murcho. São histórias como essas que deixam mais viva ainda a rivalidade. Seja em placares apertados ou goleadas. Que não começaram no duelo dos 6 a 0. Muito antes, nos anos 1920, os dois clubes já haviam trocado penca de gols. Em 1926, o Flamengo venceu o Botafogo por 8 a 1. No ano seguinte, os alvinegros devolveram: 9 a 2. Coisas de um Botafogo x Flamengo.
FONTE^
http://globoesporte.globo.com/bau-do-esporte/noticia/2013/05/100-anos-de-bota-x-fla-o-classico-da-rivalidade-e-de-goleadas-historicas.html