Advogado pivô da
polêmica do caso Héverton se diz viciado em trabalho e tem 43 times como
clientes. Alguns dizem que foram apresentados a ele pela confederação
Por Eduardo Sousa, Daniel Mundim e Thiago de LimaRio de Janeiro
Sestário também sorri: advogado diz ter pouco tempo livre em rotina de julgamentos (Foto: Thiago de Lima )
Pegue 43 clubes brasileiros mais três federações, junte de 25 a 30
audiências semanais e adicione cerca de 20 horas por dia de trabalho. A
quantidade pode variar um pouco de ingrediente para ingrediente, mas o
sabor não muda para Osvaldo Sestário, "workaholic" assumido (gíria em inglês que significa alguém
viciado em trabalho).
- É uma cachaça. Já teve vezes no STJD em que a pauta toda era minha - afirma o advogado.
A
repercussão envolvendo seu nome nesta semana,
por ter sido o representante da Portuguesa no caso Héverton - que pode
mudar o rebaixamento da Série A do Campeonato Brasileiro -, não abala a
rotina do jurista. Convicto de
que não deixou de informar a Lusa da suspensão de dois jogos do atleta,
ele usa como argumento os 16 anos de carreira no
futebol.
- Eu falo muito
para aqueles que me criticam, para outros advogados aí que falam que eu
domino, que tenho reserva de mercado e essa coisa toda: se eu não fosse bom
naquilo que faço, não estava há tantos anos fazendo. Eu penso dessa
maneira. Eu advogo por exemplo os três grandes de Recife (Sport, Náutico
e Santa Cruz), e há muitos
anos já. Isso não é à toa, isso se conquista.
Até porque beleza aqui não
está, não é? (risos). Acho que é com competência e trabalho. Para se ter
uma ideia, fui advogado de clube, procurador na Liga de Futebol de
Londrina, ou
seja, fazia o papel que o Paulo Schmitt faz hoje de acusar, fui auditor
do TJD aqui do Rio, fui dirigente. Então, a minha
experiência está voltada para todos os lados: tenho
visão do dirigente, do clube. Essa escola ajudou muito -
defendeu-se.
O
escritório de Sestário tem oito integrantes, incluindo um sócio e a
esposa Renata Elisa, com quem é casado há nove anos. Ele tem duas filhas
do primeiro casamento, que moram com a mãe em Londrina. O advogado não
se estende ao falar da vida pessoal. E não se exalta nas respostas,
apesar do confronto com a Portuguesa, que o acusa de não comunicar a
punição de Héverton e dispensou seus serviços.
- Sou
muito sereno, procuro ser muito técnico. Eu até admiro alguns colegas
que têm essa veia mais teatral às vezes, mas não é o meu caso. Já teve
julgamentos de eu me exaltar, por exemplo, de a procuradoria fazer
denúncia duas vezes de um mesmo atleta meu. Então você acaba ficando
revoltado com a situação. Mas sou sereno, tranquilo, quem me conhece
sabe que sou da paz, digamos assim. Acho que é
até uma virtude nesse caso.
A teia de Sestário: como conseguiu tantos clientes
A declaração sobre Sestário é de Paulo Schmitt, procurador geral do STJD:
- Dizem que ele defende 200 clubes, mas não sei se é
verdade.
Lista de clientes tem 43 clubes brasileiros
Não é verdade. Mas é uma lista vasta: no momento,
segundo sua assessoria, seus clientes são três federações de futebol
(Cearense, Paranaense e Mineira) e 43 clubes. De todas as divisões. E
até
mesmo times que não têm série - que sequer participaram da Série D em
2013.
Esporadicamente, o advogado também atende outros clubes, como o
Vasco, por mais de dois anos. Por tudo isso, ele é conhecido por todos
no STJD e, em média, está presente em 30 julgamentos por semana. A extensa relação de
fregueses começou a ser formada quando ainda estava na presidência do Londrina e
ajudou
na criação da Futebol Brasil Associados (FBA), em 2002. O órgão defendia
os
interesses das equipes da Série B.
Após
o fim de seu mandato no Londrina, no fim de 2003,
Sestário foi incentivado por Peter Silva, amigo e também ex-presidente do clube
paranaense e ex-mandatário da FBA, a se mudar para o Rio de
Janeiro. Na cidade, tornou-se advogado da FBA. Era o início da relação
intensa com muitos
clubes do Brasil, que fez com que observasse uma carência no mercado jurídico da
época.
- Eu acabei criando esse vínculo com os clubes e comecei a
fazer um trabalho específico de STJD. Na época era muito difícil para os
clubes, e eu senti isso na pele no Londrina para contratar um advogado no Rio.
Não havia advogados especializados. E era caro, tinha muitas coisas que
dificultavam esse trabalho. Passei a atender estes clubes até pela
facilidade do nosso relacionamento, acabei me especializando só nisso e hoje
trabalho só com STJD - explicou.
A primeira vez em que atuou no STJD foi em 2002, quando
ainda presidia o Londrina e defendeu o clube em um caso de doping do ex-atacante João
Fumaça. Mal sabia que tal experiência seria sua rotina diária anos mais tarde.
Após a extinção da FBA, em 2009, Sestário não diminuiu seu trabalho. Pelo
contrário. Manteve os clientes e intensificou sua relação com eles. A demanda foi instantânea.
- A profissão de advogado é de relações públicas. Se ninguém
me conhecer, ou eu não conhecer ninguém, eu posso ser um gênio, mas ninguém vai
me procurar - opinou o ex-presidente do STJD Rubens Approbato.
Sestário em sua casa, com várias referências
ao Londrina, clube em que foi presidente
(Foto: Thiago Lima )
Relação com CBF é negada em meio a indícios de apoio
Sestário
nega ter "qualquer vínculo com a CBF". Mas no percurso para
se tornar destaque da área jurídica e uma espécie de defensor
público do futebol brasileiro há indícios de que a entidade teve uma
relação de apoio à carreira do advogado. Em entrevista ao site da ESPN
em 26 de dezembro de 2012, o advogado declarou que a
confederação bancava o serviço a clubes das Séries A e B com menos
recursos e que o pagamento era descontado da cota financeira que os
clubes recebiam pela participação nos campeonatos. Ainda de acordo com o
mesmo depoimento, Reinaldo Carneiro Bastos, vice-presidente da
Federação Paulista de Futebol (FPF) e diretor de desenvolvimento e projetos da
CBF, coordenava o serviço terceirizado através de uma agência. A
assessoria da federação desmentiu a informação alegando que Reinaldo conhece
Sestário, mas que "não participa ou participou de
qualquer tipo de coordenação ou indicação de profissionais na área
jurídica esportiva".
Alguns clubes de sua lista de clientes, ouvidos pelo GloboEsporte.com,
levantaram outros sinais de ligação da CBF. Segundo o diretor jurídico
do Atlético-GO, Marcos Egídio, foi a entidade que apresentou os
serviços do advogado.
- Até 2012 eu era o advogado do Atlético-GO nos julgamentos
no Rio. Mas, em 2013, a CBF nos ofereceu os serviços do Sestário e, por questão
de economia, optamos por ele. Ele sempre disse: "A CBF
vai me pagar, e estou à disposição. Caso o Atlético-GO queira mandar alguém, pode
mandar". Como ele sempre está à disposição, preferimos ficar com ele.
O
diretor jurídico Sandro Barreto disse que no caso do Avaí não houve
indicação da CBF. Mas reforçou a informação de que o pagamento feito
pelos clubes da Série B é descontado nas cotas do campeonato.
- Já faz muitos anos, desde a FBA,
que ele presta serviços para a gente e sempre
foi ótimo. Ele trata diretamente com os clubes, nós tínhamos contrato
diretamente com ele. Na Primeira Divisão, quem arca são os
clubes. Na Série B tem uma ligação, não é a CBF quem indica. Nós
usamos os serviços dele, e os honorários são descontados no valor
das cotas que o clube recebe da Série - afirmou.
O
diretor de competições da CBF, Virgílio Elísio, disse que conhece
Sestário há anos, elogiou o trabalho do advogado, mas desmentiu qualquer
relação da entidade com o jurista.
- Ele não presta nenhum
serviço à CBF. Sou responsável pelo departamento de competições e, no
que diz respeito à minha área, nunca ouvi nada a respeito disso. Ao que
me consta, ele é um profissional sério, honrado. No
tempo que tenho contato com ele, não tenho testemunhos que questionem a
índole dele.
Currículo extenso: os casos polêmicos
Em 2007, o Rio Branco-PR se classificou diante do Avaí na
primeira fase da Copa do Brasil ao empatar o primeiro jogo por 1 a 1 e vencer o
segundo confronto por 1 a 0. Os paranaenses chegaram a enfrentar o Villa
Nova-MG pela fase seguinte e venceram por 3 a 0 no jogo de ida. Mas, devido à
escalação irregular do jogador Paulo Massaro, o Rio Branco-PR foi eliminado, e
os catarinenses avançaram na competição. Em 2013, houve outro caso semelhante. O Paysandu
retornou à Copa do Brasil, após ser eliminado pelo Naviraiense na segunda
fase, porque o adversário havia escalado jogadores
irregulares - Paulo Sérgio e Bahia.
Em 2011, o Fortaleza
jogava contra o CRB pela última rodada da primeira fase da Série C e precisava
vencer por quatro gols de diferença para escapar da degola. Venceu. No entanto,
após o jogo, imagens da TV mostraram o atacante Carlinhos Bala, do Tricolor
cearense, dizendo para que os alagoanos aliviassem. O Campinense, que lutava
com o Fortaleza contra o descenso, brigou na Justiça contra os dois. CRB
e Fortaleza foram absolvidos no caso.
No mesmo ano, a Anapolina disputava com o Itumbiara a
classificação para a segunda fase da Série D. O Itumbiara perdeu para o Tupi-MG, resultado que o eliminaria
da competição caso a Anapolina vencesse os Tocantinópolis por quatro gols de
diferença. Quando a partida apontava 4 a 1 para a Anapolina, a partida foi
interrompida, já que os tocantinenses só tinham seis atletas em campo - foram
três expulsões e duas lesões. O jogo foi anulado pelo STJD, remarcado pela CBF,
e a Rubra goiana venceu por 6 a 1 e avançou na competição.
Todos estes casos têm uma semelhança: os clubes
vitoriosos nos julgamentos tinham Osvaldo Sestário como advogado. Mas ele os
trata como todos os outros quase 300 julgamentos que tem por ano. Quem o acompanha e
o conhece há muito tempo não fala em segredos para as vitórias.
- Talvez eu não vá lembrar detalhes. São muitos julgamentos
importantes, e eu tenho isso com muito carinho, porque a gente conseguiu obter
muitos resultados favoráveis. E eu tenho todo ano um controle dos processos que
faço, e só neste ano (2013), até novembro, foram mais de 230 processos, com mais
de 300 denunciados. Para mim não existe processo pequeno ou grande, então eu me
dedico muito, todos são importantes, trato todos iguais.
Faixa do protesto do Náutico foi um dos casos vencidos:
Sestário orienta torcidas (Foto: Otávio de Souza -
Ag. Estado)
O fato de ser conhecido nas pautas do STJD lhe rendeu trabalhos extras. Aulas e cursos preparatórios para o direito esportivo
estão na rotina do profissional, além de dar palestras e consultorias a clubes, dirigentes, atletas e chefes
de torcidas organizadas.
- Procuro orientar o máximo
possível para prevenir e para, quando acontecer, você ter provas
suficientes para poder defender os clubes. A gente separa os momentos dos
jogadores, depois comissão técnica e diretoria, e por fim chefes de
torcida, para que eles ajudem o clube deles. No ano passado fiz isso no
Sport e no Náutico, e tivemos uma resposta muito positiva. O único
problema que tive foi aquela faixa do Náutico, "Ninguém
vai nos derrubar no apito". A gente conseguiu até absolver o Náutico
também.
Auditores, advogados, dirigentes e um ex-presidente do
STJD foram ouvidos pelo GloboEsporte.com para dar depoimentos sobre
Sestário. A avaliação geral é positiva, e a lista extensa de clientes,
sempre usada como argumento para
reforçar a ideia. Dirigentes e diretores
jurídicos dos clubes que trabalham com o advogado foram unânimes: ele
dificilmente
erraria ao informar o resultado de um julgamento para seu cliente.
O diretor de
futebol do CRB, Ednílton Lins, estranhou o fato de o advogado ter usado
apenas o telefone para comunicar à diretoria da Lusa sobre a suspensão de
Héverton.
- O Sestário é um cara com quem temos um relacionamento
correto. Ele foi indicação de um amigo que foi auditor do STJD e tem cumprido à
risca tudo que tem acertado conosco. A verdade não é essa que estão
colocando, que foi negligência dele. Foi negligência do supervisor ou diretor
da equipe. Nenhum jogador entra ou deixa de entrar em um jogo sem minha
supervisão. Essa história está muito mal contada. O Sestário nunca fez isso.
Ele dá orientação técnica para gente, sempre avisa os resultados. É prática
dele.
Sestário sai de cena no caso Héverton, que será julgado na
próxima segunda-feira e pode rebaixar a Portuguesa para a Segunda Divisão no
lugar do Fluminense. Em conversa com a Lusa, as partes resolveram mudar a
defesa devido ao desgaste causado pelo assunto. Ele garante que faz o mesmo quando tem dois
clientes com interesses conflitantes em um mesmo processo.
Sestário diz que, quando há interesses conflitantes, ele
deixa de defender os clubes (Foto: Thiago Lima )
- Nesses anos, graças a Deus, foram poucos os conflitos, mas
sempre que existe indico profissionais, e isso já está implícito nos
contratos que faço, ou então peço para que os jurídicos dos clubes venham se
fazer apresentar. Mas é raro, nesses dez anos dá para contar nos dedos
conflitos que aconteceram - explicou.
Advogados que atuam no STJD não veem problemas na teia de
relacionamentos criada por Sestário. Domingos Moro, que presta serviços
para
clubes paranaenses, e Gabriel Vieira, advogado do Grêmio, adotaram o
mesmo
discurso: nunca ouviram questionamentos sobre a ética do colega.
Colecionador de vitórias em julgamentos polêmicos, Sestário
agora se torna protagonista de um. Quem convive com o "advogado porta de
STJD", expressão usada por um dos entrevistados, acha difícil que tudo
tenha acontecido por falha dele.
- Podem estar querendo pegar ele para Cristo - resumiu Paulo
Schmitt.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2013/12/perfil-fama-polemicas-e-contradicao-sobre-cbf-na-cachaca-de-sestario.html