FONTE:
http://www.ocafezinho.com/2016/08/11/ministra-carmen-lucia-transforma-a-republica-num-grande-mural-de-facebook/
Por Tadeu Porto* (@tadeuporto), colunista do Cafezinho
Fui escrever esse título sem saber se
acentuava, ou não, a palavra Carmen. Claro que fui recorrer ao Google e
relembrei que em algum tempo da minha vida eu soube que paroxítonas
terminadas em “n” precisam de acento. Obviamente, também fui ao site do
STF para ver a correta escrita do nome da nova presidenta da entidade,
afinal nomes têm total liberdade poética para fugir de mordaças
gramaticais.
Não fico tão chateado com essa minha
dúvida gramatical. A compreendo, inclusive, pois foi num Intel i486 -
numa infância extremamente fértil para descobertas - que cansei de ler o
nome Carmen Sandiego quando tentava encontrar uma hábil criminosa.
Ademais, sempre tive grande admiração pela atriz e cantora Carmen
Miranda (achava fenomenal o fato dela estar na calçada da fama).
Meu coração realmente briga com razão
quando o assunto é a escrita. E é natural que seja assim, afinal, entre
a linguagem e o vocabulário há um abismo onde mora grandes surpresas,
como, por exemplo, o livro Quarto de Despejo da escritora Coralina Maria
de Jesus que também tive a oportunidade de desfrutar ainda bem jovem.
Me surpreendeu, portanto, que a
magistrada Cármen Lúcia tenha tratado a iniciativa da presidenta
usurpada, Dilma Rousseff, de recorrer a uma
variação antiga
da língua portuguesa para quebrar, de certa forma, o machismo que
imperou e ainda impera na cadeira do executivo com uma ironia absurda e
num momento totalmente inoportuno, e um discussão feita de maneira
incrivelmente deselegante, com direito a anedota de Gilmar Mendes [me
diga com quem tu andas] e uma frase patética “eu fui estudante e sou
amante da língua portuguesa”.
Bom, talvez a magistrada tenha
aprendido o mesmo português que levou Merval Pereira e Fernando Henrique
Cardoso para a academia brasileira de letras, mas tal dedicação,
infelizmente, parece ter tomado um tempo precioso na vida dela,
substituindo importantes aulas como de direito e história, reforçando
essa visão o conservadora e retrógrada do preconceito linguístico.
Num cenário onde o ex-presidente da
câmara foi afastado numa decisão inédita pelo judiciário; o supremo foi
citado num áudio como possível integrante de um “pacto nacional” para
parar a Lava-Jato onde estava; Gilmar Mendes foi pego de surpresa na
Suécia e passou uma vergonha avassaladora, não só no Inglês medíocre -
deveria usar tradutor - mas também por desenhar ao mundo que o
impeachment
é um golpe parlamentar; Renan Calheiros acusou o STF de só pensar em
dinheiro e o governo de Michel Temer já deu sinais que o Brasil não tem
condições de cumprir a constituição.
Nesse quadro, no qual a Nova
República passa por sua maior crise, com total descrédito em toda
atuação política, qual o principal assunto da posse do cargo de
presidência do judiciário (um dos três poderes)? Se presidenta ou
presidente está certo ou não.
É tão absurdo que parece piada. Mas
não é, é apenas a maneira superficial e negligente com que nossa classe
política trata os problemas brasileiros, de forma tão rasa que parece
tentar construir a nossa democracia com uma página do
Facebook.
Vivemos um momento em que o
legislativo impõe manobras que ajudam Cunha, anistiam corruptos e
preparam um golpe para eleger, indiretamente, um usurpador covarde que
sequer tem a coragem de se apresentar ao mundo ou enfrentar meia dúzia
de vaias. Como a lei de murphy é implacável, soma-se a isso um
judiciário comprometido com as “alfinetadas” e as indiretas, ao invés de
se posicionar sobre o maior ataque que a constituição de 1988 já
sofreu.
E assim caminha nossa República, de
bananas a redes sociais, como uma democracia de fofocas, indiretas,
desabados, ataques preconceituosos, retratos falsos e exploração da
vaidade, porcamente disfarçada por um
carpe diem que tenta ludibriar seguidores e seguidoras, na forma de “instituições democráticas em seu funcionamento pleno”.
Funcionando, sim, igualzinho o Tico-tico: doidinho pra comer nosso fuba.
Tadeu Porto é diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (SindipetroNF).