O Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa de São Paulo, o DHPP, tem uma média baixa de solução para os crimes de morte em São Paulo: três em cada dez assassinatos têm o autor identificado.
O Departamento, além de investigar homicídios, procura pessoas desaparecidas e apura crimes de extorsão mediante sequestro.
Mas, no ano passado, teve uma atuação rápida e eficiente num inquérito que não é o foco de suas atividades definidas por decreto: crime digital.
O motivo é que o crime em questão envolvia Marcela Temer e a ordem para o DHPP resolver o caso partiu do então secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes.
A equipe de investigação era da confiança do secretário Alexandre de Moraes. A equipe fez o serviço e depois, em razão da confiança conquistada junto ao marido de Marcela, Michel Temer, Alexandre de Moraes se tornou ministro da Justiça e agora foi indicado para uma vaga para o Supremo Tribunal Federal.
O advogado do homem acusado de tentar extorquir R$ 300 mil de Marcela Temer para não vazar fotos íntimas e mensagens comprometedoras hackeadas de seu telefone celular diz que o cliente recebeu pena excessiva e tratamento judicial fora do padrão por conta das circunstâncias políticas que envolvem o caso.
“Quando ele foi preso, Michel Temer estava para assumir a presidência, por conta da votação do impeachment, e tudo o que ele queria era evitar um escândalo envolvendo o nome da Marcela Temer às vésperas de se tornar primeira dama”, afirma Marlon Heghys Giorgy Milanetto.
O cliente de Marlon, Silvonei José de Jesus Souza, nunca tinha sido preso antes e trabalhava regularmente como telhadista, mas foi preso numa operação de cinema em maio do ano passado: 40 policiais à paisana cercaram sua casa, na comunidade de Heliópolis, em São Paulo, e prenderam a mulher dele quando levava o filho para a creche.
Silvonei foi preso logo depois, ao responder a uma mensagem da mulher – mensagem que possivelmente foi a própria polícia quem enviou do celular dela – e ter sua localização identificada.
Os dois foram levados para a cadeia, numa decisão do juiz que coordena o Departamento de Inquéritos Pliciais (Dipo), Antônio Carlos Patiños Zorz.
No mandado de prisão, o juiz escreveu que eles mantinham uma “organização notável” e destacou que agia em defesa dos “cidadãos de bem”, numa cidade que se tornou “fértil campo para que marginais da pior espécie disseminem o terror, a violência e a maldade”.
Alguns dias depois, a juíza que assumiu o caso mandou soltar a mulher de Silvonei, pois o inquérito policial não provou nada além do fato de que o celular dela foi usado pelo marido para tentar extorquir dinheiro de Marcela.
Silvonei confessou o crime. Ele disse que comprou na rua Santa Efigênia, centro de comércio eletrônico de São Paulo, um CD com informações sigilosas – inclusive com cadastro da Receita Federal – de centenas de pessoas, entre as quais aparecia o nome de Marcela.
Silvonei disse que, sem saber se tratar da esposa do então vice-presidente, conseguiu acessar o celular dela, através de um arquivo que ela baixou numa mensagem de e-mail, e encontrou entre seus contatos o celular do irmão, com quem passou a conversar como se fosse Marcela.
“Ele se fez passar por Marcela e pediu dinheiro emprestado ao irmão para fechar um negócio. Ele disse que não tinha todo o dinheiro, mas poderia transferir R$ 15 mil. O hacker, fazendo-se passar por Marcela, aceitou e o irmão fez a transferência”, conta o advogado.
Quando o telhadista-hacker descobriu que Marcela era a mulher de Temer, passou a fazer contato diretamente com ela, e pediu R$ 300 mil para não divulgar fotos e mensagens comprometedoras.
Que fotos são estas?
“São fotos de Marcela de lingerie”, diz o advogado.
E as mensagens?
“São mensagens de áudio que ela enviou ao irmão, mas não posso falar sobre o conteúdo porque o processo está em segredo de justiça.”
O advogado descarta que as tais “mensagens comprometedoras” sejam aquelas que foram vazadas pela Polícia, a de que Marcela aconselhava o irmão, candidato a vereador na cidade de Paulínia, a seguir o exemplo do marido e se aproximar dos pobres…
“A mensagem tem a ver com assunto político na região deles, mas não é nada disso, não”, afirmou Marlon Milanetto.
Para ele, o mais grave é o rigor da sentença e a tramitação em velocidade anormal do processo.
Em outro caso de repercussão, o de hackers que tentaram extorquir dinheiro da atriz Carolina Dieckman e depois vazaram nudes dela na internet, os acusados estão soltos e ainda nem foram julgados, mais de quatro anos depois do crime.
Silvonei foi condenados a quase seis anos de prisão em regime fechado – sem benefício nenhum — e se encontra no presídio de Tremembé, onde também estão presos acusados de crime hediondo, como Alexandre Nardoni, condenado pela morte da filha.
“Quando foi preso, Silvonei já tinha desistido da extorsão, como prova uma troca de mensagem entre ele e Marcela, quando ela disse que procuraria a Polícia. Onde está a grave ameaça?”
Outro advogado, Ivan Carlos de Campos Claro, entrou com pedido de habeas corpus para o telhadista-hacker e argumentou em sua defesa a falta de antecedentes e o exagero da pena.
Alexandre de Moraes em 1997, nos tempos de promotor de Justiça de SP
Há uma semana, o desembargador Otávio Rocha negou o pedido de liminar, e Silvonei continuará preso.
Para o advogado, Silvonei foi preso e transferido para Tremembé, longe de São Paulo, para dificultar o acesso da imprensa.
No início, havia a suspeita de que Silvonei tivesse alguma ligação política – estaria a serviço de algum grupo ou partido (leia-se PT) com interesse de atingir Temer.
A justiça reconheceu que era delírio de alguma autoridade envolvida no caso.
Mas Silvonei, de certa forma, está pagando um preço político por um crime que, de fato, cometeu. Mas que não tem nada de político. O que ele queria era dinheiro, mas deu azar de cruzar com Alexandre de Moraes, que fez o que pôde para atender a Michel Temer e dar uma lição no telhadista-hacker.
A Justiça tem como símbolos a mulher que não vê e a balança com uma só medida. Mas, como prova a ação de Moraes no caso de Marcela Temer, a imparcialidade é relativa. Com um empurrãozinho, tudo se resolve mais rápido. Ou não.
Eu entrevistei Alexandre de Moraes quando ele estava no início de carreira, em 1997, era promotor de justiça em São Paulo e cuidava do inquérito civil público que apurava corrupção na venda de frangos para a merenda em São Paulo.
O alvo da investigação era Paulo Maluf e a empresa que vendia os frangos tinha conexão com sua mulher, Sylvia Lutfalla, e um genro. Alexandre estava muito empenhado nesta investigação, e agora é possível entender por que.
Maluf era o maior adversário do PSDB e ameaçava o partido em duas frentes: na esfera federal, onde queria disputar a presidência e evitar a aprovação da emenda da reeleição que permitiria uma nova candidatura de Fernando Henrique Cardoso, e em São Paulo, onde, na hipótese de não disputar eleições presidenciais, tentaria o governo do Estado, ameaçando Mário Covas.
A investigação de Alexandre de Moraes repercutiu muito, embora os valores envolvidos no negócio do frango fosse quirera perto de outros escândalos de corrupção, algo como R$ 1,4 milhão.
Alexandre deu muitas entrevistas e o caso do frango teve seu peso em favor de Covas, que venceu Maluf numa virada nas urnas que parecia improvável. Moraes cresceu na política e passou a servir diretamente ao governo.
Primeiramente, teve como padrinho o principal herdeiro do patrimônio político de Covas (falecido em 2001), Geraldo Alckmin, para quem trabalhou como presidente da Febem (atual Fundação Casa), num período onde houve um número recorde de rebeliões, com mortes e o caso do estupro de uma funcionária.
Com o desgaste da gestão de Moraes na Febem, Alckmin o removeu para cima, com a indicação para o Conselho Nacional de Justiça.
Depois, Alexandre de Moraes serviu ao prefeito Gilberto Kassab, grande rival de Geraldo Alckmin. Mais tarde, voltou ao ninho tucano, como secretário de Segurança Pública de Alckmin.
Alexandre de Moraes tem livros publicados – um deles agora contestado por evidência de plágio – e uma carreira acadêmica sem brilho – seus ex-alunos, quando vêm a público, é para criticá-lo, como a acusação de que teria justificado, em sala de aula, a tortura como meio para obter informação, em situação extrema.
Mas é inegável que Alexandre conhece como poucos os atalhos que levam ao poder e não hesita em percorrê-los. É este o profissional que o governo Temer indicou ao País para ser um guardião da Constituição pelos próximos 26 anos.
Sobre o Autor
Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com