Em busca do grande título, técnico do
Galo coleciona dores e conquistas em uma vida que parece correr às
avessas, testando sua maturidade
Por Alexandre Alliatti
Belo Horizonte
Em 1997, o pai de Cuca
passou por uma cirurgia no coração. Após o procedimento, com seis horas
de duração, o médico responsável pela operação chamou o filho do
paciente e disse que ele se tranquilizasse, pois a chance de recuperação
era de 97%. Cuca foi para casa aliviado, feliz.
No dia seguinte, o pai dele morreu.
Em 2009, Cuca assumiu um time que se debatia a caminho do rebaixamento.
Chegou um momento em que matemáticos avisaram: a chance de queda do
Fluminense era de 99%. Em seu íntimo, o treinador lembrou do que
escutara do médico quase duas décadas antes. E pensou: "Danem-se os
números."
O Fluminense não caiu.
A vida por vezes corre às avessas para Alexi Stival. Os melhores
momentos parecem dar errado. As lutas mais improváveis parecem dar
resultado. Aos 50 anos, Cuca é um sujeito que tenta equilibrar melhor
essa dualidade tão característica do ser humano, essa luta frequente
entre a racionalidade e a emoção, entre a consciência e a paixão. Os
adjetivos que caracterizam sua personalidade sempre foram exacerbados:
afetuoso ao extremo com quem gosta, desconfiado com quem não conhece,
religioso até o limite, supersticioso quase até a paranoia, obcecado por
vitórias, exageradamente preocupado, por vezes pessimista.
Pessimista? Na última sexta-feira, ao analisar a situação do Atlético-MG na Libertadores, o treinador foi direto assim:
- Sei que vamos ser campeões. Vamos sair vitoriosos na quarta-feira.
Cuca busca a razão, mas a emoção pulsa nele, especialmente na beira do campo (Foto: Editoria de Arte)
Acontece que Cuca mudou. A chegada a uma final de Libertadores coincide
com um processo de amadurecimento do treinador - um sujeito que vai
migrando dos extremos para o equilíbrio. Entre quem trabalhou com ele,
existe uma visão quase unânime: taticamente, ele entende do riscado como
poucos. O que pegou, durante anos, foi a instabilidade emocional. Um
ex-jogador do São Paulo (seu nome será preservado) comparou o atual
comandante do Atlético a seu sucessor no Morumbi, Emerson Leão. Disse
que preferia lidar com o ex-goleiro, de quem sempre sabia que ouviria
alguma grosseria, do que com Cuca, que em um dia era o sujeito mais
afável do mundo, mas no outro mal olhava para os lados.
Agora, o treinador dá sinais de estar mais confiante, mais seguro. É o
resultado da experiência que adquiriu ao treinar alguns dos principais
clubes do Brasil: Flamengo, Fluminense, Botafogo, São Paulo, Santos,
Grêmio, Goiás, Cruzeiro, Atlético-MG. Entre bons trabalhos e decepções,
ele chega ao cume de sua carreira como técnico. Nesta quarta-feira,
contra o Olimpia, pode ser campeão da Libertadores - um título
suficientemente forte para desbancar os resquícios de desconfiança que o
perseguem.
Homens também choram
A agonia de Cuca na beira do campo nos pênaltis contra o Newell's (Foto: Léo Simonini)
Quando Maxi Rodríguez parte para a cobrança de seu pênalti naquele 10
de julho, Cuca está em transe, ajoelhado na beira do campo do
Independência. A camisa com a imagem de Nossa Senhora gruda-se ao corpo
dele, suado. O coração bate descompassado, fazendo vibrarem as
medalhinhas que servem de escudo para um homem extremamente apegado à
fé. O argentino bate. Victor voa para a esquerda. Espalma. Leva um
segundo, quase um espasmo, para o corpo de Cuca reagir. Ele desaba no
gramado. Fica com o rosto grudado na grama. Sente o cheiro da terra.
Chora.
Homens também choram. E o choro foi uma marca de Cuca - literal ou
simbolicamente. Ele sempre teve aversão à dor, por mais vinculado ao
sofrimento que por vezes pareça ser. Quando criança, colocou as duas
pernas em um pé de cacto. Foi para o hospital, sofreu muito com a
retirada dos espinhos de uma perna e escondeu os ferimentos na outra.
Preferia ficar com eles a passar por mais dor. Ao chegar em casa, foi
desmascarado pelos pais. Teve que retornar para retirar os outros
espinhos.
Ele é um crianção. É o paizão da família. É um ótimo filho, um ótimo pai, um irmão maravilhoso"
Dona Nilde, mãe de Cuca
Ainda jovem, quando consolidava sua carreira como jogador no Grêmio,
Cuca chegava ao Olímpico prestes a desmoronar. Parecia que tinha
acontecido algo terrível com ele. Na verdade, a aflição era porque
deixara sua filha mais velha, Maiara, hoje com 24 anos, choramingando em
casa - fruto de dores de barriga normais em crianças.
Já homem formado, ele teve que lidar com as piores lágrimas. Ao
enterrar o pai, tentou figurar como homem forte da família, já que os
irmãos se mostraram extremamente abalados. Ferido na alma, Cuca
aproximou-se da mãe, dona Nilde, e disse:
- A senhora, a partir de hoje, será minha mãe e meu pai.
A morte do pai foi um rito de passagem de Cuca. A dor pessoal foi a
etapa definitiva para ele abandonar os campos. Resolveu estudar educação
física. Logo virou treinador do Uberlândia, o primeiro passo na
carreira que firmou em seguida. E que também teve o choro como uma marca
- desta vez simbólica. A final da Taça Guanabara de 2008 fez o
treinador, domando as lágrimas, reunir o elenco do Botafogo às suas
costas para, diante da imprensa, reclamar da arbitragem contra o
Flamengo. Cuca disse que o verdadeiro campeão do primeiro turno do
Campeonato Carioca era seu time. O episódio ficou conhecido como
"chororô".
Mas Cuca também ri. E muito. Quando está de férias, vai para o
aconchego da família em Curitiba, onde foi criado. Lá, joga cartas, fica
dando voltas na piscina, jogando água para tudo que é lado. Esquece o
futebol. É um homem livre.
- Ele é um crianção. Quando está de férias, desliga mesmo. Fica jogando
cartas, inventando brincadeiras. Vai na piscina, joga água ali, empurra
aqui. Ele é o paizão da família. É um ótimo filho, um ótimo pai, um
irmão maravilhoso. E é amigo de muita gente - orgulha-se dona Nilde.
Cuca foi criado em uma chácara, em meio a animais. Gostava deles. Muito
pequeno, dava sustos na família ao se aproximar dos bichos. Chegou a
ter os botões de uma camisa mastigados por um cavalo. Foi lá que começou
a se interessar por futebol. Desde muito novo, saía chutando uma bola
por tudo que era canto. Ou brincava como goleiro. Defendia os chutes dos
mais velhos e os provocava, quicando a bola sobre a linha. Conforme foi
crescendo, deixou claro que levava jeito era com os pés. Virou um
grande jogador.
Nos tempos de Grêmio: ótimo jogador, mas sem sinais de que seria técnico (Foto: Agência Estado)
O jovem meio-campista foi para o Rio Grande do Sul trilhar sua
história. Começou no Santa Cruz. Depois, foi para o Juventude. Lá,
chamou a atenção de seu treinador, que fez questão de levá-lo junto
quando foi para o Grêmio. Esse treinador se chama Luiz Felipe Scolari.
- Cuca foi um dos melhores meias com quem trabalhei. Ele sabia fazer
todas as funções do meio, e muito bem. Sempre foi um jogador de equipe -
comenta o treinador da seleção brasileira.
Felipão levou Cuca para o Grêmio porque percebeu no meia um jogador
capaz de se entregar taticamente ao time. Aquela equipe tinha um outro
jogador muito talentoso no meio, mas bem menos devotado à marcação. Ele
se chamava Assis, e na época já se dizia que bom mesmo era o irmão dele,
um garoto dentuço que batia bola pelos cantos do campo no Olímpico. Que
ironia: mais de 20 anos depois, Cuca telefonaria para Assis e pediria a
ele que agilizasse a contratação daquele menino, que virou Ronaldinho
Gaúcho, para o Atlético-MG. Juntos, eles chegariam à final da
Libertadores.
Assis e Cuca fizeram os gols do título da Copa do Brasil de 1989 para o Grêmio (veja no vídeo acima).
O irmão de Ronaldinho marcou o primeiro. Mas aí o Sport empatou, em um
gol contra do goleiro Mazaroppi. O presidente do time tricolor na época,
Paulo Odone, lembra que Cuca logo assumiu a responsabilidade pela
vitória.
- Aquele gol dava o título para o Sport. Foi uma infelicidade do
Mazaroppi. Lembro que o Cuca foi até o goleiro, bateu no ombro dele e
disse: "Deixa, vou fazer o gol."
E fez. No segundo tempo, ele deu o título ao Grêmio. Ali já estava,
portanto, um atleta seguro, um porta-voz do time, um líder nato, certo?
Errado. Quem visse Cuca naquela época não poderia ter a menor ideia de
que ele viraria treinador. Era um jogador de pouca voz, até acanhado.
- O Cuca sempre foi um bom jogador. Mas era dificil imaginar que ele
pudesse se tornar treinador, pelo perfil dele. Ele não tinha perfil de
liderança. Não era um jogador que falasse muito. Não era de assumir
muita responsabilidade, até por estar em início de carreira - lembra o
ex-zagueiro e hoje comentarista Edinho, capitão do Grêmio de 1989.
A visão é corroborada por Antônio Carlos Verardi. Com quase 50 anos de
serviços prestados ao Grêmio, o superintendente do clube fala com muito
carinho de Cuca. Mas também diz que não via nele as caracaterísticas de
um futuro técnico.
- Achava que ele não entendia nada. Eu o chamava de burrinho. Quem
trouxe o Cuca foi o Felipão. Ele dizia: "Esse tem a cara do Grêmio, é
obcecado, mete a cara na bola." O Cuca raramente saía de campo sem algum
arranhão.
Cuca teve uma carreira sólida como atleta. Também defendeu o
Valladolid, da Espanha, e voltou ao Brasil para jogar por clubes como
Inter e Palmeiras, até encerrar a carreira no Coritiba. Antes, porém,
passou por um dos momentos mais conturbados de sua vida. Em uma excursão
do Grêmio à Suíça, foi acusado de estupro, junto com dois colegas de
time (Eduardo e Henrique), por uma garota de 13 anos. Na época, ela
alegou que foi violentada pelo trio ao entrar no quarto de um deles para
ganhar camisetas do clube. Os jogadores ficaram 28 dias detidos. Eles e
o Grêmio negaram as acusações.
Como treinador, um colecionador de histórias
A morte do pai tornou Cuca um sujeito mais paternal, mais responsável.
Ele se sentiu pronto para virar treinador. Começou no Uberlândia, em
1998, e aí perambulou por clubes pequenos e médios até fazer seu
primeiro trabalho de projeção nacional, em 2003, com o Goiás. Ele tirou o
time da última colocação no Campeonato Brasileiro e o colocou entre os
dez primeiros. Virou uma aposta no mercado de técnicos.
Cuca passa por alguns dos principais clubes do país até chegar ao Atlético-MG (Foto: Editoria de Arte)
Veio 2004, e o treinador ganhou suas primeiras oportunidades entre
algumas das principais equipes do país: primeiro no São Paulo, depois no
Grêmio. Mas ele não estava psicologicamente preparado para o desafio.
No Morumbi, determinado a fazer sucesso a todo custo, se deixou levar
por um enorme sentimento de desconfiança. Achava que havia gente dentro
do clube tentando derrubá-lo. Temia que a imprensa o perseguisse. Foi
com o time até as semifinais da Libertadores, quando caiu para o Once
Caldas, da Colômbia, que seria campeão sobre o Boca Juniors.
Nesta Libertadores, Cuca viveu uma situação emblemática de sua
paranoia, lembrada ainda hoje, em meio a risadas, por seu amigo Milton
Cruz, auxiliar e consultor técnico do São Paulo. O clube paulista estava
em Lima, no Peru, para enfrentar o Alianza. Um dia antes, na mesma
cidade, o Coritiba enfrentaria o Sporting Cristal. Cuca e Milton Cruz
resolveram assistir à partida do time paranaense no estádio. Chegaram lá
sem problemas. Na volta, porém, não havia táxi. Resultado: pegaram
carona na caçamba de uma camionete guiada por pessoas que eles não
tinham a menor ideia de quem eram.
Cuca nos tempos de São Paulo: insegurança atrapalhou (Foto: Diário de São Paulo)
Cuca ficou desconfiado, temeroso de ser sequestrado. E disse a Milton
Cruz: "Se eles forem pro nosso hotel, eles têm que dobrar. Se seguirem
reto, a gente pula". O auxiliar não deu atenção. Distraiu-se e, de
repente, ouviu gritos: "Pula! Pula! Pula!". Era Cuca, já fora da
caçamba, planejando uma fuga. A camionete seguira reto.
- Eu pulei e quase torci o tornozelo. Fomos para o hotel rindo pra
caramba. O Cuca é um cara descontraído, brincalhão. Quando chegou num
time grande, teve aquilo de ser meio desconfiado, mas é um dos grandes
treinadores que conheci - diz Milton Cruz.
No mesmo ano, Cuca deixou o São Paulo e logo assumiu o Grêmio. Não
poderia ter encontrado barca mais furada. Com um elenco mergulhado no
caos, o treinador logo percebeu que estava assumindo o comando de um
time a caminho do rebaixamento. Pior: tinha um Gre-Nal pela frente. Na
semana de preparação para o clássico, o treinador percebeu que no
refeitório havia um menino carregando dois celulares. Era um garoto de
16 anos. O diálogo entre eles foi mais ou menos assim:
- Ô, guri. Que negócio é esse de dois celulares? Tá achando que é melhor que os outros?
- Sou. Se tu me colocar para jogar, vai ver que sou melhor que todos esses aí.
O Grêmio perdeu aquele Gre-Nal por 3 a 1, e a torcida, indignada,
chegou a arremessar um carrinho de pipoca na direção do gramado. Mas
houve um alento. No segundo tempo, Cuca mandou o tal menino a campo. De
falta, abaixo de chuva, ele fez o único gol tricolor na partida. Um ano
depois, Anderson também faria o gol que recolocaria o Grêmio na primeira
divisão, na histórica Batalha dos Aflitos. Hoje ele defende o
Manchester United, da Inglaterra. De fato, era melhor que todos aqueles
que estavam lá...
Foi em 2004 que Cuca se notabilizou como um treinador inseguro. Depois
da desconfiança no São Paulo, ele viveu quase um desespero no Grêmio.
Sentiu-se impotente. Em um período de reclusão do time em Bento
Gonçalves, o técnico sentou-se com dois jornalistas e disse a eles:
- Eu não sei mais o que fazer. Digam o que eu devo fazer. Esse time vai ser rebaixado.
O Grêmio efetivamente caiu. E Cuca, que zarpou antes do rebaixamento,
entrou em um período de baixa. Dividiu 2005 em passagens curtas por
Flamengo, Coritiba e São Caetano. Até se encontrar no Botafogo.
Wellington Paulista e Cuca: treinos fortes no Bota (Foto: Agência O Globo)
Foi aí que Cuca provou que tinha ferramentas para ser um dos melhores
treinadores do Brasil. Acima de tudo, ele teve sequência no clube.
Mostrou trabalho de campo. Certa feita, depois de um treino, resolveu
fazer com que o atacante Wellington Paulista dominasse a bola sem perder
o controle dela. Jogou uma vez. Duas. Três. Dezenas. Beirou as
centenas. Até que o jogador conseguiu mostrar perícia. Quando o atleta
respirou aliviado, Cuca pôs um zagueiro grudado nele e começou a testar
movimentos de pivô. Wellington Paulista fez hora extra naquele dia.
Já era um treinador em evolução. E que ganhou a confiança de um elenco
apelando para duas vertentes: a competência tática e o envolvimento
emocional. Em Cuca, é notória a capacidade de surpreender nas preleções.
Nos tempos de Botafogo, há relatos até de ele levar um pedaço de carne
para o vestiário e passar o sangue no rosto dos atletas, para deixá-los
com espírito de combate. Ele também costuma valorizar os funcionários.
Em 2007, antes do empate por 4 a 4 com o Vasco, levou cozinheiras e
camareiras para a preleção. Usou a história de vida delas para motivar
os atletas.
Mais tarde, no Fluminense, após um jogo no Paraguai, guardou, sem
ninguém perceber, pedras que torcedores arremessaram no elenco tricolor.
Antes do jogo seguinte, na última conversa, tirou as pedras do bolso e
as atirou perto dos jogadores. Os atletas riram com a lembrança do
sufoco que passaram. Foram a campo mais leves.
Cuca é um sujeito muito supersticioso. Em uma final de Carioca pelo
Flamengo, dormiu na véspera com a camisa do título da Copa do Brasil de
89, pelo Grêmio.
- Ele me falou de uns jornais do Rio que diziam que ele era pé-frio,
que não ganhava nada. Ele estava traumatizado com aquilo. Aí ele pediu
pra eu ir no vestiário depois do jogo. Fui lá, e ele se fechou comigo
para mostrar que, com toda aquela história, foi resgatar um momento de
vitória dele. Ele ainda tinha aquela camisa de 89, e me mostrou. Ele
tinha dormido com a camisa! - recorda Paulo Odone.
Houve um momento na carreira em que Cuca proibiu os ônibus dos clubes
onde trabalhava, no Rio, de entrar de ré nos estádios. Hoje, dizem
pessoas próximas dela, a mania se perdeu. Mas a religiosidade segue
firme. Antes dos jogos, ele ajoelha-se diante de uma imagem de Nossa
Senhora, em um altar dentro do vestiário, e faz sua oração. É um
resquício da infância. Ele vem de uma família católica. Ainda menino,
era muito devoto, daqueles de sempre frequentar a igreja. Jamais perdeu
isso, mesmo com os percalços que a vida e a carreira apresentaram a ele.
Cuca faz o sinal da cruz: religiosidade é uma marca forte nele (Foto: Epitácio Pessoa / Agência estado )
Cuca sofre como poucos na beira do campo. Agita os braços. Pula. É bom
saber: quando ele se agacha e fica pensativo, é que ele está mais tenso.
Roer as unhas é um vício do qual ele não se cura. Maltrata as mãos. É
curioso: a mãe dele, vendo os jogos pela TV, fica mordendo os dedos.
Hereditariedade.
O envolvimento dele com os times que treina é notório - está com
herpes, tamanha a ansiedade pela final da Libertadores. Como diz o hino
do Atlético, o treinador é obstinado por "vencer, vencer, vencer". Ele
fica arrasado ao treinar times derrotados. No Grêmio, em 2004, depois
daquele Gre-Nal de Anderson, foi para a coletiva e, quase em estado de
choque, enumerou cinco ou seis posições carentes do time e disse que se a
diretoria não contratasse, ele iria embora.
No Santos, em 2008, com o time ameaçado de rebaixamento, Cuca acordou
no início de uma madrugada com o barulho de gatos namorando no telhado. E
não dormiu mais. Passou o resto da noite pensando em como arrumar a
equipe. Aos atletas do Botafogo, chegou a dizer que não se preocupassem
em caso de eliminação na Copa do Brasil, pois o culpado pela eventual
queda seria ele. Com tudo isso, ganhou fama de deprimido. Mas começou a
mudar sua história em 2009, não sem antes viver nova batalha.
Às turras com Adriano
Cuca e Adriano tiveram problemas no Flamengo (Foto: Eduardo Peixoto / Globoesporte.com)
Cuca conquistou dois títulos em 2009. O primeiro, de forma tradicional,
ganhando uma final, erguendo uma taça - com o Flamengo, no Carioca. Mas
o segundo, sem troféu, sem nova linha linha no currículo, foi o mais
expressivo. Salvar o Fluminense do rebaixamento se equipara a levar o
Atlético-MG a uma final de Libertadores como a maior conquista do
treinador.
No Rubro-Negro, o técnico teve relação bastante ruim com grande parte
do elenco. E especialmente com Adriano. Como o Imperador costumava
chegar atrasado aos treinamentos, Cuca pegou o hábito de só permitir a
entrada da imprensa quando o atacante já estivesse em campo, para
preservá-lo. Mas perdeu a paciência com o jogador. Os atrasos dele se
tornaram públicos. E os dois viraram desafetos.
Mais tarde, quando Cuca já estava no Fluminense, chegou a hora do
reencontro. Adriano, antes do Fla-Flu pelo returno do Brasileirão,
reuniu o elenco rubro-negro e pediu um pacto: que nenhum jogador
cumprimentasse o treinador adversário. Disse que precisava vencer Cuca.
Chegou a sugerir que poderia oferecer dinheiro aos colegas para ganhar a
partida. Era pessoal.
Veio o jogo, e o Flamengo venceu por 2 a 0. Detalhe: com dois gols de
Adriano. Naquele momento, o time rubro-negro arrancava rumo ao título, e
o Fluminense parecia despencar para o rebaixamento. Mas ambos sairiam
vencedores naquela temporada. O Imperador realmente ganhou o Brasileiro.
E Cuca salvou o Tricolor.
A consolidação
Nas últimas 11 rodadas do Campeonato Brasileiro de 2009, o Fluminense
teve sete vitórias e quatro empates. Foi uma arrancada impressionante,
de um time que parecia condenado à queda.Cuca foi fundamental nisso.
Fez uma revolução no time, sacando atletas experientes, apostando em
jogadores mais jovens. Comprou uma briga que deu certo.
Mas sofreu. Viveu tempos de agonia, de incertezas. Centralizador,
tentava abraçar o mundo no clube. Ficou uma pilha de nervos. E usou seu
preparador físico da época, Ronaldo Torres, para desabafar.
- Ele queria resolver tudo: time, problemas de jogadores, tudo. E
ficava muito tenso com aquilo. Aí ele me levava pro cantinho e dizia:
"Só dez minutos, só dez minutos." Daí a gente conversava de tudo. Quando
ele ficava calmo, dizia: "Obrigado, Ronaldo." Ele queria desabafar -
recorda o preparador físico.
É emblemática a imagem de Cuca e Ronaldo, abraçados, aos prantos,
depois do empate com o Coritiba no Couto Pereira. O resultado manteve o
Flu na Série A (veja no vídeo acima). O treinador seguiu no clube até o ano seguinte, quando não teve sucesso no primeiro semestre.
Foi aí que começou a trajetória mineira do treinador. Ele fez o time do
Cruzeiro engrenar. Entrou na briga pelo título brasileiro. E novamente
fez um desabafo, em tom de revolta, contra a arbitragem. Após jogo
contra o Corinthians, pela 35ª rodada, reclamou muito de pênalti marcado
sobre Ronaldo. Sugeriu ao Fluminense, outro concorrente ao título, que
"abrisse o olho" para eventuais favorecimentos ao clube paulista.
Indignado, prestes a chorar, chegou a dar um soco na mesa onde estava
posicionado na entrevista coletiva (veja no vídeo acima). Chamou o árbitro daquela partida, Sandro Meira Ricci, de "safado".
- Dou minha vida ali, trabalhando pelo Cruzeiro, suando! É vergonhoso. É
o tipo de coisa que faz a gente pensar em seguir ou não na profissão.
Porque eu sou honesto. Eu ganho meu dinheirinho com o salário do meu
trabalho. Isso aí não é erro comum. Isso aí é muito grave e faz a gente
repensar muita coisa - disse o treinador em 2010.
Cuca não abandonou a profissão, tampouco o Cruzeiro, com quem foi
campeão mineiro em 2011. No mesmo ano, porém, deixou o clube após cair
para o Once Caldas na Libertadores. Voltou ao mercado como um
profissional mais valorizado. Mas ainda sofria desconfianças públicas. E
um episódio foi emblemático nisso.
A diretoria do Inter decidiu que demitiria Paulo Roberto Falcão em
julho de 2011. Antes mesmo de afastar o treinador do cargo, ligou para
Cuca. Ele disse que só conversaria quando o clube estivesse sem técnico.
Falcão, então, foi demitido. E o clube iniciou conversas com Cuca. A
negociação evoluiu. Houve um acerto verbal. E aí a torcida colorada
iniciou um movimento de contestação ao treinador. Enquetes em rádios
mostravam rejeição quase total ao nome dele. A diretoria recuou.
Desistiu de contratá-lo. E isso mudou o destino do Atlético-MG.
Forte e vingador
Cuca chegou ao Galo mais forte. Estava preparado para vingar as
desconfianças do passado. Inicialmente, voltou a ter o desafio de evitar
o rebaixamento. E conseguiu, após início muito ruim, em que chegou a
entregar o cargo à direção. Veio 2012, e a história começou a mudar:
título estadual, vice brasileiro, vaga na Libertadores. Veio 2013, com
mais uma conquista do Mineiro. E com a disputa da Libertadores.
Emoção na semifinal com camisa de Nossa Senhora (Foto: Vinnicius Silva/Futura Press/Agência Estado)
Alexi Stival mora no hotel da Cidade do Galo. Ali, se dedica
integralmente ao Atlético. Sofre por não estar o tempo todo com a
esposa, Rejane, e as duas filhas, Maiara e Natasha. Passa as horas
convivendo com funcionários do clube, pessoas comuns, coadjuvantes no
mundo midiático do futebol. Gosta muito de conversar. E, principalmente,
de escutar.
Ele chega à final da Libertadores como um homem mais sereno. Seu lado
emotivo ainda pulsa, claro. Mas não é mais tão desconfiado. Conseguiu se
livrar de boa carga do pessimismo que o marcava. Com um tricampeonato
estadual nas costas e a certeza de ter montado o melhor time do país em
2013, não pode mais ser considerado um azarado. E deixa aqueles que o
cercaram em sua trajetória até este 24 de julho, dia mais importante de
sua carreira, com a sensação de que hoje ele é um profissional melhor.
- Tenho falado bastante com ele pelo telefone. É fácil perceber que ele está mudado. É um homem amadurecido - diz Milton Cruz.
- Ele melhorou muito em termos de comportamento. Não fica mais
empolgado com tudo isso. Está aprendendo a lidar com esses momentos -
afirma Ronaldo Torres.
- Hoje em dia, depois de uma derrota, ele ainda fica abalado, mas logo
diz: "Vamos lá, vamos virar a página" - conta dona Nilde.
- Ele hoje é um dos melhores técnicos do Brasil. Gosto de sua
personalidade, de sua forma de agir como pessoa. Estarei torcendo por
meu amigo na quarta-feira - completa Felipão.
Depois da derrota de 2 a 0 para o Olimpia no Paraguai, um matemático
diria que é improvável o título do Atlético-MG nesta quarta-feira. Assim
como era improvável a morte do pai de Cuca após a cirurgia no coração.
Assim como era improvável o Fluminense seguir na Série A.
"Danem-se os
números", há de pensar novamente o treinador.
- Vamos ganhar quarta. Fiz 50 anos neste mês. Se Deus quiser, meu
presente virá na quarta-feira. Sou o que mais sofre aqui. Largo minha
mulher, minhas filhas, e quero fazer esse povo feliz. Quero ganhar isso.
Tenho essa coisa que vocês falam, de ser azarado. Mas quero acabar com
isso na quarta. (...) Se acontecer, vou ser o homem mais feliz do mundo.
Cuca, aos 50 anos, busca o título da Libertadores com o Galo (Foto: Bruno Cantini / Flickr do Atlético-MG
FONTE: