quarta-feira, 24 de julho de 2013

Bernard: ‘gigante’ do Galo superou dúvidas e quase jogou no Cruzeiro

Telefonema impede que maior rival levasse ídolo atleticano, fã de pagode, chocolates, e ‘sobrevivente’ de aventuras pelos ônibus de Belo Horizonte

Por Alexandre Lozetti Belo Horizonte

O meia-atacante Bernard, do Cruzeiro... De onde? A torcida do Atlético-MG nem faz ideia. Mas o risco de este início de texto ser real foi muito maior do que se pode pensar. Se hoje, dia da final da Libertadores, de sua possível despedida, um dos maiores ídolos da Massa tem 1,63m, é possível imaginá-lo seis anos atrás, quando iniciou sua trajetória.

Foi em meio ao cenário de incertezas sobre o futuro de um jogador talentoso, mas tão pequeno, numa época em que a força física já dava as cartas no futebol, que o Galo quase perdeu seu futuro astro para o maior rival. Quem conta é Fillipe Soutto, grande amigo de Bernard nas categorias de base.

- Ele estava praticamente fechado com o Cruzeiro. Mas o Mauro ligou desesperado, falou para ele não ir, fez de tudo para ele voltar. Você tem de falar com o Mauro - disse Soutto, atualmente no Vasco.

Bernard, Atlético-MG, Mineirão, treino (Foto: Bruno Cantini / Site Oficial do Atlético-MG) 
Bernard esteve perto de vestir a camisa do Cruzeiro. Mas o coordenador da base atleticana, Mauro Sérgio, tratou de segurá-lo no Galo (Foto: Bruno Cantini / Site Oficial do Atlético-MG)
A reportagem atendeu a determinação do volante. Mauro Sérgio era, e ainda é coordenador da base do Atlético. Estava viajando para a disputa da Copa São Paulo de Juniores quando Bernard foi liberado pelo treinador, que, coincidência ou não, também saiu logo em seguida.

Mauro voltou e sentiu falta do menino. Por mais contraditório que possa parecer, era fácil notar a ausência do pequenino. E ele não se conformou.

- Pedi o telefone da casa dele, marquei uma reunião com ele e o pai. Disse que gostaria que ele voltasse, pois acreditava no futebol dele. Pela forma como o pai respondeu, notei que havia algo bem encaminhado com outro clube, mas só descobri que era o Cruzeiro muito depois.

Os apuros não pararam por aí. Quem define bem a trajetória de Bernard é André Figueiredo, gerente da base alvinegra: “Pelo tamanho, ele sempre soube que tudo seria mais difícil para ele.”
Tímido, mas de personalidade forte, sorridente, fã de chocolates e pagode, dorminhoco... Sem perder suas características, o jogador seguiu adiante. Tinha um objetivo claro na cabeça: seria um profissional bem sucedido do futebol. O caminho era longo. Literalmente.
Bernard acordava por volta das cinco da manhã no bairro de Diamante. Eram três ônibus até a Cidade do Galo. Um deles passava às sete e meia pelo Planalto, onde outro garoto promissor entrava no veículo rumo ao treino. Era Fillipe Soutto, parceiro das andanças por Belo Horizonte.

- Toda vez eu entrava no ônibus e o via de cabecinha baixa. Ele era muito menor do que é hoje. E eu pensava: coitado desse garoto. A gente ia conversando.

As conversas viraram uma amizade forte. A mãe de um passou a dar carona ao outro. Pelo menos até parte do caminho, já que as casas eram distantes. Era com o volante que o meia desabafava quando se sentia em dúvidas sobre o futuro. Sempre o tamanho, que levou seu pai Délio a procurar o endocrinologista Máximo Pirfo quando Bernard tinha 14 anos.

Hoje temos na base atletas mal educados, mal preparados, sem foco, “bad boys”. O Bernard nunca faltou a um treino, não tinha o perfil do boleirão"
André Figueiredo, gerente da base do Atlético-MG
O tratamento de crescimento não foi completo. O futuro craque se consultou apenas duas vezes. Segundo Pirfo, o potencial genético do paciente poderia tê-lo levado a 1,77m. Depois, em outro cenário, a 1,68m, mesma altura de Romário. Ele parou em 1,63m. O tratamento também parou. Foi todo feito por conta de Délio, que calcula ter investido R$ 40 mil na carreira do filho. Valor já mais do que recuperado.

Bernard não contou ao clube sobre as visitas ao médico. Não queria passar qualquer imagem de dúvida ou insegurança. Além do talento nato, outros aspectos saltavam aos olhos: a disposição em ouvir os mais velhos e a atenção que prestava em tudo que lhe era dito. Algo próximo do que, no futebol, costumam chamar, de boca  cheia, de profissionalismo.

- Ele sempre soube dessa limitação dele, e corria por todo mundo. Corre até hoje. Nunca precisamos convencê-lo a não desistir nem chamar sua atenção por indisciplina. É bom dizer isso: hoje temos na base atletas mal educados, mal preparados, sem foco, “bad boys”. O Bernard nunca faltou a um treino, não tinha o perfil do boleirão - elogiou Figueiredo.

Na primeira viagem internacional, para a Holanda, Bernard ganhou um par de chuteiras novo do empresário. Só para exibir seus dribles na Europa. Mas foi apreensivo. Não sabia nada de inglês. Parecia que algo de errado ia acontecer. Não deu outra. Ele esqueceu sua bolsa, com as chuteiras, câmera digital e tudo mais, no vestiário do estádio. E não soube pedir ajuda.
Quando o Galo decidiu formar um time de jovens para disputar a Série B do Mineiro com a camisa do Democrata de Sete Lagoas, interior do estado, Bernard não queria ir. Achava que seria um retrocesso. Hoje, é consenso: foi a melhor coisa que lhe poderia ter acontecido.
Bernard apanhou. Muito. Atuava em campos horríveis, contra zagueiros limitados, e no meio. Nada desse jogador rápido que joga pela esquerda. Mesmo assim, fez gols e mais gols. De fora da área, de cabeça, de canela... E durante a competição, já ficou claro para a comissão técnica, que também era do Galo: ele só estava ali de passagem.

filipe soutto atlético-mg treino (Foto: Lucas Catta Prêta / Globoesporte.com) 
Filipe Soutto, quando atuava no Atlético-MG.Volante, hoje no Vasco, é grande amigo de Bernard (Foto: Lucas Catta Prêta / Globoesporte.com)
- Houve um jogo em que acabei assumindo como treinador, e o Bernard sofreu uma pequena entorse no tornozelo. Era um campo muito duro, cheio de buraco. No intervalo, o médico e o massagista passaram pomada, fizeram uma atadura, mas eu mandei tirar. Tirei o Bernard. Ele não entendeu nada, queria jogar, mas eu disse: “Isso não é jogo pra você” - lembrou Mauro, aquele mesmo que o havia convencido a ficar no clube.

Quando voltou, já no time profissional, Bernard ainda andava de ônibus. Até o fim de 2011. O time sob sério risco de rebaixamento, e ele lá, esbarrando em atleticanos, cruzeirenses... Por sorte, nunca houve problemas. Nem ameaças, nada. Fillipe Soutto tem sua versão para o fato:

- Deviam olhar pra ele, daquele tamanho, feinho daquele jeito, e pensar: não é possível, não deve ser ele (risos).

Bernard tirou carteira de motorista, e passou a retribuir as caronas a Soutto. Trocava por chocolates. O parceiro de quarto tinha o hábito de presenteá-lo com caixas de doces. Ambos conviviam em paz. O volante assistia à televisão, e o meia-atacante ouvia música. Pagode, de preferência, mas sem se esquecer do sertanejo e do gospel.

Campeão da Copa das Confederações com a seleção brasileira, xodó de Luiz Felipe Scolari, que disse ter visto alegria em suas pernas, ídolo da torcida, Bernard deve fazer sua despedida nesta noite, na final da Libertadores. A proposta do Shakhtar Donetsk é melhor, mas ele não quer a Ucrânia. O Arsenal, do poderoso e reconhecido futebol inglês, é favorito. Bernard tem foco. Ele pode muito bem escolher ganhar menos.

- Ele é um dos jogadores de maior personalidade com quem já trabalhei - atestou o assessor de imprensa Luciano Signorini, que por muitos anos atuou no Corinthians.

Então, que a Massa desfrute de seu menino nos 90 minutos (ou 120) no Mineirão.

FONTE 
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/atletico-mg/noticia/2013/07/bernard-gigante-do-galo-superou-duvidas-e-quase-jogou-no-cruzeiro.html

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