Há
alguns anos, a equação parecia incompleta. Mesmo endividados, os clubes
se arriscavam em operações impensáveis para o futebol brasileiro.
Ofereciam salários compatíveis com o mercado europeu. Enquanto as
dívidas aumentavam, as receitas não seguiam o mesmo ritmo. Agora a
equação está completa. O resultado são as frias movimentações e as
contratações modestas. A bolha estourou.
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Nesta semana, alguns clubes se reapresentaram para o início
da temporada de 2015, e alguns dirigentes adotaram o mesmo discurso: o
ano será de contenção de gastos. É melhor o torcedor se acostumar a
poucas novidades. A crise financeira dos clubes aparece como principal
razão para a timidez do mercado. A falta de opções também é apontada por
empresários e cartolas. No entanto, o peso maior vem do bolso (veja no vídeo abaixo).
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Vejo um motivo muito claro, no caso para o Grêmio, mas que é comum a
todos: há um esfriamento em função das dificuldades financeiras. Está
faltando dinheiro. Houve uma grande mudança, sobretudo depois da Copa.
Caímos na realidade de forma dura. O Grêmio está fazendo uma
reformulação significativa no seu investimento para ter time
competitivo, mas com outro patamar de valor, outro patamar de folha para
ser sustentável. As receitas são mais ordinárias, é cada vez mais
difícil vender. O próprio mercado europeu não está pagando
– analisa o diretor executivo do Grêmio, Rui Costa.
Compare
abaixo as principais contratações dos mercados mais expressivos do
Brasil nos últimos três anos. Foram listadas apenas aquisições
realizadas no início da temporada:
*Chegaram após o começo dos estaduais
O
Tricolor gaúcho é um bom exemplo para ilustrar o atual panorama. Há
dois anos, anunciava o chileno Vargas, o atacante Barcos, o goleiro Dida
e esperava ir longe na Libertadores. Foi eliminado nas oitavas de
final, mas foi vice-campeão brasileiro. Em 2014 o cenário se alterou,
mas ainda foi possível buscar Dudu na Ucrânia e apostar em nomes como
Alan Ruiz e Pedro Geromel. Em 2015 a realidade é ainda mais dura. O
clube anunciou apenas Douglas, meia de 32 anos que já passou pelo time, o
lateral-esquerdo Marcelo Oliveira, ex-Palmeiras, e abriu mão de Dudu.
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Tivemos que estabelecer metas. Tudo hoje é dentro do limite
orçamentário, e temos que buscar outro perfil, não posso mais ter alguém
do nível do Barcos. Fomos atrás do Dudu, mas não conseguimos segurá-lo,
e agora ele foi disputado a tapas. Tenho que trabalhar diferente. Não é
ter jogadores baratos, mas jogadores que compreendam esse mercado. Eles
não podem chegar aqui e desconhecer a nossa situação – completou Rui
Costa.
Em 2013, o Corinthians gastou mais de R$ 60 milhões para contratar. Em 2014, o time tem só R$ 10 para este fim.
Em
2013, o Corinthians abriu os cofres. Desembolsou mais de R$ 60 milhões
para ter Pato, Gil, Renato Augusto e Guilherme Andrade. Foi um dos
clubes mais gastadores do mundo naquela janela. E agora sofre as
consequências. O ano será de cautela, como afirmou o diretor financeiro alvinegro, Raul Correa da Silva.
Os orçamentos estão reduzidos. Oferecer um salário de padrão europeu,
que se tornou rotina nas últimas temporadas, agora é considerado um
suicídio financeiro. O Fluminense também viveu dias de ostentação. Com a
saída da Unimed, mecenas do clube há 15 anos, a situação se inverteu.
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Pode aumentar o orçamento, mas temos que pagar dívidas. O patrocinador
novo vai nos ajudar a reconstruir o Fluminense. Ato trabalhista,
refis... dívidas do passado que são gigantescas. Se entrar um novo
patrocinador amanhã, não vamos aumentar a folha, e sim melhorar a
condição de trabalho das pessoas que estão aqui. Vai ser um ano difícil,
mas vai ser de recuperação e de uma nova arrancada – afirmou o vice de
futebol do Fluminense, Mário Bittencourt.
Diante
de tal cenário, o que se deve fazer? Conformar-se? Também. Os clubes
buscam alternativas. Flamengo e Atlético-MG também vivem dias de poucas
perspectivas nas finanças, mas encontraram meios de irem ao mercado: as
parcerias. O Rubro-Negro contratou o atacante Marcelo Cirino por R$ 16,5
milhões com a ajuda da Doyen, e o Galo contou com parceiros não
divulgados para pagar R$ 13,5 milhões pelo argentino Lucas Pratto.
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É uma realidade. A situação financeira dos clubes, mesmo que consigam
receitas maiores, vai continuar difícil. Há um ano, pagávamos salários
no mesmo nível de times da Europa. Agora estourou. Não tem dinheiro para
contratar. No nosso caso, tivemos a ajuda de parceiros. Tivemos R$ 49
milhões bloqueados, não temos como investir. O Pratto só veio com o
suporte desses parceiros – comentou o diretor de futebol do Atlético-MG,
Eduardo Maluf.
Enquanto
alguns recorrem a terceiros, a saída para outros é a política-clichê do
bom e barato. Mas ainda é possível encontrar? Por enquanto, pelo menos
no discurso. A saída sempre é correr atrás de jogadores em fim de
contrato. Entretanto, ainda há a luta para negociar os salários, que
estão longe de concorrerem com os valores de até duas temporadas atrás.
No
que deve ser o ano das migalhas, o Palmeiras tem conseguido seus
vinténs. Como previsto, o Verdão iniciou 2015 com boas perspectivas para
seu caixa. Se Zé Roberto não permaneceu no Grêmio pelos altos
vencimentos, o Alviverde paulista apareceu como solução para o veterano
meia. Se Dudu se dividia entre São Paulo e Corinthians, o Palmeiras
apareceu como a terceira e definitiva via.
- Os
clubes brasileiros estão quebrados. Não tem clube com situação boa, que
está pagando em dia. Só o Palmeiras está bem porque o presidente (Paulo
Nobre) colocou alguns milhões do próprio bolso. Acertou a folha,
direitos de imagem, tudo. Quanto ao resto, estão todos com problema. Sem
exceção. Mas mesmo assim não é difícil negociar, principalmente
jogadores em fim de contrato indo para outro clube, empréstimo, nunca
com grandes valores circulando - analisa o empresário Wagner Ribeiro,
que agencia jogadores como Neymar, Lucas e o volante Nilton, que saiu do
Cruzeiro e foi para o Inter.
O
atacante Dudu: o Grêmio não conseguiu
segurá-lo, São Paulo e
Corinthians
tentaram levá-lo, mas quem o
contratou foi o Palmeiras,
time
que começa 2015
com cofres mais
abastecidos
(Foto: Eduardo Deconto)
Há
quem culpe também a falta de opções. Não se contrata tanto nesta janela
porque não há quem se contratar. Aí o problema passa a ser maior.
Envolve também a formação de jogadores.
- Claro que é
a situação econômica mesmo, mas que jogador surgiu? Talvez surja agora,
mas vivemos uma entressafra. Não que não tenha jogador nenhum, mas não
tem tantos. São erros que foram cometidos no passado. Jogador com 17, 18
anos tem que estar jogando, tem que formar. Existe mercado, minha
equipe está trabalhando, mas não tem investimento grande - relata o
empresário Reinaldo Pitta, agente de atletas como Emerson Sheik e
Nixon.
e em 2016, vai ser melhor?
É
bom o torcedor se acostumar com um 2015 humilde, mas e ano que vem?
Dirigentes e empresários são otimistas. Esperam mais dinheiro circulando
para movimentar o mercado. No outro extremo, o consultor de marketing e
gestão esportiva, Amir Somoggi, crê que a realidade penosa para os
clubes seja mais duradoura.
- Essa é uma realidade
em função da situação precária dos clubes. Estão endividados, com folha
salarial enorme, sem receita, e essa é a realidade do mercado. Só vai
passar se os clubes forem geridos de forma mais austera. Se continuar
esse modelo de gastança, não tem como. Mas é difícil pensar que isso
aconteça. Os programas de sócio-torcedor estão no limite, não tem
perspectiva de nova receita ou buscar novas finanças em função dessa
nova era. Faltam patrocínios. Falta credibilidade no futebol para
conseguir patrocínios. Está difícil - analisa o especialista.
O ano de 2015 vai ser das vacas magras, talvez em 2016 se houver maior redução, podemos pensar em uma melhora"
Amir Somoggi, especialista em gestão esportiva
Com
orçamentos apertados e voltados para a diminuição dos débitos, a vida
da maioria dos clubes tende a melhorar a partir do próximo ano. O
atleticano Eduardo Maluf, com mais cautela, acredita em um 2017 mais
tranquilo. Mas Amir Somoggi não vê tanta mudança de postura nas práticas
dos cartolas.
- A prioridade não é pagar as dívidas,
é aprovar a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte com mega
descontos e sem nenhuma contrapartida. Diz-se que o Flamengo tem quitado
suas dívidas, mas só o fez para ter as certidões negativas e ter o
patrocínio da Caixa. Não vejo os clubes com essa prioridade. O mercado
desaqueceu, e o único caminho é reduzir custo. Maximizar receitas. O ano
de 2015 vai ser das vacas magras. Talvez em 2016, se houver maior
redução, podemos pensar em uma melhora - analisa Somoggi.
Com
contratações humildes ou não, uma coisa é certa: a ficha caiu. Como
admitiu o novo presidente do Santos, Modesto Roma Júnior, para o "Arena
SporTV".
- Houve muitos exageros, muita farra do boi
na parte financeira. Pode ter certeza que está na hora de os clubes
tomarem suas medidas de contenção e de responsabilidade. Dentro do clube
não é mais possível ter mês de 60, 90 dias. Não é mais possível haver
gastança que sempre houve e também é possível que trabalhadores tenham
consciência que não dá mais para pagar salários de níveis de 700, 800
reais por mês. Treinadores e atletas têm que ter consciência de que a
realidade hoje é diferente - resumiu.
O próprio
Santos tem um caso emblemático nessa discussão. Em 2014, contratou
Leandro Damião, ex-Inter, por R$ 42 milhões - bancados em empréstimo de
um fundo de investimentos. Após 43 jogos e 11 gols, o jogador foi
emprestado ao Cruzeiro, que pagará 70% do salário dele. Os outros 30%
seguem bancados pelo Peixe.
FONTE: