PHA:
Eu entrevisto Vagner Freitas, presidente da CUT.
Vagner, o que você acha dessa decisão do Supremo Tribunal Federal de mandar cortar o ponto de servidor desde o primeiro dia de greve?
Vagner: O Supremo fica tomando ares de Governo. Isso me preocupa muito! Na realidade, precisa ter uma negociação entre Governo e movimento sindical para que os trabalhadores tenham direito a negociação e direito a greve. Eu não sei se todos sabem, mas o Brasil não ratifica a Convenção 151 da OIT, que dá o direito de negociação aos trabalhadores do serviço público. Por incrível que pareça, o Brasil não é seguidor dessa norma. Então, o que acontece com os trabalhadores do serviço público é que boa parte das greves são feitas para abrir negociação com governador, prefeito, Presidente da República ou com qualquer órgão público. É por isso que tem tanta greve no serviço público. Não há negociação direta, não há um entendimento direto entre as partes. Primeiro, o Supremo não tem que legislar; quem tem que discutir relação de trabalho é a negociação direta entre patrão e empregado. O que o Brasil precisa fazer é ratificar a Convenção 151 da OIT. Aí, os trabalhadores do serviço público, ao invés de fazerem 30 dias de greve para abrir a negociação, vão poder, talvez, em entendimento, chegar a um acordo.
PHA: Acontece que se houver uma negociação entre a categoria e o empregador é possível que seja pago o dia parado, não é isso?
Vagner: Faz parte da negociação. Os bancários acabaram de fazer quase 30 dias de greve. Como tem negociação coletiva entre os banqueiros e os bancários, no desfecho da negociação ficou acertado o pagamento dos 30 dias de greve, em negociação. Ou pode acontecer que não seja - o empregador também não é obrigado a concordar com isso. Depende da capacidade e da força do sindicato na negociação. No setor público, isso não tem, porque não tem negociação. Aí, quando o Supremo vai e toma uma medida como essa, ele aposta no retrocesso. Não incentiva a negociação coletiva, não incentiva a resolução do conflito. O que ele faz é aumentar o conflito. Não ache o Supremo que sindicatos ligados à CUT vão ficar com medo de fazer greve por conta disso! Nós fazemos greve não porque gostamos, e sim, porque não temos condições de ver nossos direitos e nossas reivindicações atendidas. Fizeram greve na época da ditadura militar, não vão fazer agora? Vão fazer, sim, se for necessário e o trabalhador aprovar em assembleia ! O Supremo não precisa ficar aumentando o conflito. Acho que não foi uma boa medida.
PHA: Você deve ter visto uma declaração de um dos juízes do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes, que disse assim: "O Brasil é psicodélico. Em nenhum lugar do mundo há greve de servidor público". Você acabou de mencionar a OIT e a relação entre trabalhadores e o serviço público. O Brasil é o único lugar do mundo em que há greve de servidor público?
Vagner: O Brasil vive uma situação psicodélica, mesmo. Até porque você tem um Governo Golpista no poder - que não foi eleito -, um Poder Judiciário que se arvora a governar o Brasil, um juiz de primeira instância que pode prender, pode pressionar e incriminar, procuradores que não têm provas, mas acham que têm evidências e, por isso, podem condenar um Presidente da República... Neste sentido, eu concordo com o Gilmar Mendes. Em relação à greve, é um desconhecimento dele. Greve de trabalhador do serviço público existe no mundo inteiro. Há poucos dias, a França estava numa greve geral com a participação dos trabalhadores do setor público. Todos os trabalhadores têm direito à greve, em todas as partes do mundo onde há Democracia. É que o Brasil vive em um regime de exceção, e isso me preocupa. Talvez o direito à greve seja só mais um dos direitos que percamos. Eu espero que não percamos a liberdade de expressão, também.
PHA: Outra questão, já que estamos falando em direitos: você deve, evidentemente, estar acompanhando a tramitação, no próprio Supremo, de uma ação de um operário de uma usina de açúcar em Pernambuco, que deve chegar agora a votação no Pleno. É possível que o Supremo decida que o negociado vale mais que o legislado. Ou seja, que o Supremo rasgue a CLT. O que você acha dessa tramitação ? Qual é a sua expectativa sobre a decisão do pleno do Supremo?
Vagner: Eu acho que o Supremo não deve se manifestar sobre esse tema, porque esse é um tema que deve ser negociado na sociedade. Se o Governo entende que vai ter o negociado se sobrepondo ao legislado, nós da CUT não concordamos e temos que fazer a disputa na sociedade. O que está acontecendo é que o Supremo está fazendo o papel do Governo, e ele vai legislando e aliviando - me parece num conluio - a função que seria do Governo Golpista da retirada de direitos. Daqui a pouco, o Temer não vai nem precisar ser julgado pela História como aquele que tirou os direitos dos trabalhadores, porque o Supremo faz isso no seu lugar. Tenho a impressão de um conluio, de um entendimento entre eles, com o objetivo de retirar direitos dos trabalhadores. Isso nos leva à greve geral, isso nos leva ao enfrentamento - porque não há diálogo. Porque a questão do negociado sobre o legislado, para acontecer, só se for acima do que a Lei determina. O que não pode é você rasgar a CLT e o trabalhador só ter direito aquilo que for negociado entre as partes, já que não há condições iguais para negociação coletiva entre patrão e empregado no Brasil hoje. Inclusive porque muitos trabalhadores não podem ser sindicalizados porque serão demitidos, porque os sindicatos não têm acesso aos trabalhadores nos locais de trabalho, porque a legislação, hoje, garante mínimas coisas para os trabalhadores. Isso é um equívoco no Brasil! O Brasil tem a judicialização da política, e aí o Poder Judiciário - até a Suprema Corte - acaba com o debate coletivo na sociedade. Nós não aceitaremos isso de maneira nenhuma! Acho que o Supremo deveria devolver esse assunto ao Congresso Nacional, porque existe um Congresso eleito (deputados e senadores) para legislar sobre questões referentes à sociedade como um todo. E é desnecessário que o Supremo fique se arvorando sobre o Poder Legislativo e o Poder Executivo. É a ditadura da toga. Isso leva o Brasil ao atraso.
PHA: Mas não existe a possibilidade de haver um acordo tácito para fazer com que o Supremo...
Vagner: Eu acho que há um acordo tácito...
PHA: Para o Supremo fazer o trabalho que o Legislativo não quer fazer... O Legislativo não quer sujar as mãos rasgando a CLT e deixa isso para Ministros do Supremo ? Não é possível haver esse acordo?
Vagner: Eu concordo com você, plenamente. Acho que, como o Governo não tem credibilidade, tem 10% de aceitação, um Presidente frágil, acusado e acuado em vários flancos, em plena Lava Jato e outras coisas mais, como eles querem retirar direitos dos trabalhadores, acabam fazendo isso via Poder Judiciário, num conluio. Porque sabem que não conseguem aprovar na sociedade esse tipo de questão. Isso é muito ruim, o Brasil passa por um momento muito duro e, lamentavelmente, o direito dos trabalhadores foi o motivo do Golpe. O Golpe contra a Presidenta Dilma não foi pura e simplesmente contra ela e o PT, mas tinha por objetivo diminuir os direitos dos trabalhadores, diminuir o valor do salário no PIB... E nós vamos fazer um enfrentamento contra isso no Brasil, não tenha dúvida nenhuma!
PHA: E o que você acha dessa decisão, também do Supremo, de promover a desaposentação?
Vagner: É outro absurdo! O trabalhador hoje no Brasil vive a seguinte questão: ele se aposenta, mas a aposentadoria dele não dá para pagar as contas (porque, quando se aposenta, ele perde uma série de direitos que ele tinha quando estava no mercado de trabalho). Aí ele acaba voltando a trabalhar. Só que não tem, depois da volta ao trabalho dele, redimensionado o que ele paga à Previdência para que ele receba depois como aposentadoria. É um absurdo! Então, ele trabalha, contribui e não pode ter revistos os seus benefícios se ele, por acaso, tenha tido empregos com renda maior e que poderiam alterar depois os benefícios que ele recebe. Isso não tem cabimento! É você lesar o trabalhador. O que deveria acontecer é que ele tivesse uma aposentadoria no valor necessário para ele poder continuar provendo a sua família e a ele próprio, para que ele não precisasse voltar a trabalhar, liberando a vaga para outro trabalhador. Mas não é o que acontece no Brasil. Então o trabalhador acaba tendo que, mesmo aposentado, voltar a trabalhar para garantir a sua renda e não passar necessidade. E aí agora o Supremo entende que, se ele trabalhou mais 10 anos depois que se aposentou, esses 10 anos não contam para o recálculo da aposentadoria dele. Nós vamos entrar com uma ação e vamos também na construção do nosso dia 11 de novembro, que é o Dia Nacional de Greve para nós, tratar desse assunto. Vamos ter que fazer um enfrentamento que, na minha opinião, vai chegar à greve geral, para a gente impedir que esses direitos dos trabalhadores continuem sendo retirados pelo Supremo em conluio com o Governo.
PHA: Sobre a possibilidade de 182 mil processos de desaposentação sobre trabalhadores que podem ser obrigados a pagar aquilo que receberam a mais...
Vagner: Eu acho que sim, porque já que você já teve esses 182 mil julgados e já tiveram o seu processo de desaposentação garantido. Agora, como o Supremo vai e diz que essa lei não vale, só espero que eles não exijam que os trabalhadores devolvam o dinheiro. Inclusive, acho que a legislação não permite isso. Mas como no Brasil de hoje a Lei interessa apenas aos mais ricos - e os trabalhadores não estão nisso -, isso talvez aconteça. Seria mais um absurdo, mais uma arbitrariedade.
PHA: Uma última questão, a questão do desemprego: você viu que o desemprego, oficialmente, chegou a 12%. Mas, se você incluir aí os desalentados, aqueles que não procuram mais empregos, é possível que esse número seja de 19%. Qual é a sua expectativa sobre o futuro do emprego no Brasil? E você poderia responder, nesse contexto, quantos metalúrgicos foram demitidos pela destruição da Indústria Naval do Brasil, promovida pelo Juiz Moro e a nova administração da Petrobras?
Vagner: A Lava Jato e o Juiz em questão são responsáveis, na nossa avaliação, por 1,5 milhão a 2 milhões de desempregados no Brasil, por conta da quebra da cadeia Petrobras - não só em relação aos estaleiros da Indústria Naval, mas também da construção civil, com a quebra das empreiteiras. Então, são quase 2 milhões de pessoas desempregadas. Lula, quando foi Presidente da República, tinha elevado a quantidade de trabalhadores e metalúrgicos em mais de um milhão - pelo aquecimento da Indústria Naval e de outros setores da Economia. Esses todos foram demitidos com a crise econômica. E a crise econômica acontece também por causa da crise política, muito por conta da Lava Jato. Porque ninguém vai investir no Brasil, um país que não cumpre seus contratos, onde contratos são quebrados a todo momento. O Governo Golpista diz que o Brasil está tendo um desenvolvimento. Não está tendo desenvolvimento! O Brasil vive uma crise maior do que a que vivia há três, quatro meses. O desemprego aumenta - e não 12%, mas 19%, mesmo! Por que acontece isso? O Governo não tem credibilidade! O Brasil não tem estabilidade política. Eles dizem que vão trazer investimentos estrangeiros, mas isso é uma balela, uma mentira! O próprio Robson (de Andrade), presidente da poderosa CNI, diz que não está havendo investimento estrangeiro no Brasil, porque não há credibilidade do Governo, não há tranquilidade interna para que possa haver investimentos estrangeiros. Quem sofre com isso são os trabalhadores. O Brasil precisa passar por essa crise política para ter alternativa econômica. Pode ter certeza: aumentou o desemprego, a inflação aumentou, a qualidade de vida das pessoas diminuiu muito e não há perspectiva futura.
SOBRE A DECISÃO DO SUPREMO DE AUTORIZAR O CORTE DE PONTO NA GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS
O legislativo, que apoiou e incentivou o golpe parlamentar, diante de um governo fraco quer acumular as funções dos outros poderes constitucionais, aviltando escandalosamente a nossa carta maior. Mais do que interpretar a lei, já legisla na interpretação e exerce funções executiva quando vislumbra a admissibilidade prévia de uma greve pública como abusiva, autorizando o corte de ponto de servidores públicos no início de uma greve.
A greve no serviço público sempre foi criticada, porque não sofria dos mesmos rigores no corte de ponto como no setor privado. Nesse furacão do avanço da direita após o golpe, esta confusão interpretativa passa à população desinformada como uma questão de justiça. E mais uma vez o senso comum, provocado pela mídia, mostra-se equivocado fazendo coro com a direita ensandecida e seu apetite para destruir todos os avanços de conquistas sociais.
Ora, ocorre que a greve no serviço público é COMPLETAMENTE diferente da greve do setor privado. Nela não se encontra a oposição capital / trabalho. No setor privado o trabalhador vende a sua força de trabalho e faz greve quando não está satisfeito com esta exploração, medindo forças com o capital para paralisar a produção. Neste embate o capital pode cortar o ponto e ganha quando a correlação de forças lhes é favorável. Em situação de desemprego, por exemplo. Daí as greves serem escassas nesses momentos. Entretanto, em situação favorável ao trabalho, a greve pode ser vitoriosa com atenção às reivindicações (diminuição de jornada de trabalho, aumento de salário) até a reposição dos dias parados. A greve no setor privado é sempre um confronto entre o capital e o trabalho dentro da possibilidade de aumentar ou diminuir a mais-valia. Um cabo de guerra representativo da luta de classes.
No setor público não é esse o embate. A maioria dos serviços públicos (como saúde e educação, por exemplo) são investimentos que o Estado faz nos seus cidadãos – notadamente aos mais carentes – tirando dos impostos da produção uma quantia para diminuir a injusta distribuição de renda. Por isso o capital briga por um estado mínimo e os trabalhadores necessitam de um estado forte. Governo não está alheio à luta capital/trabalho do setor privado. Ora favorece ao capital (movimentos de direita do governo), ora protege aos trabalhadores (movimentos à esquerda). O governo deveria ser mediador. O centro nas democracias capitalistas. Ocorre que a pressão das forças produtivas leva esse centro à direita forçando a menos investimentos no serviço público, redução de salários dos servidores, mal atendimento à população. Como na aprovação da PEC 241. Se nesse momento irrompe uma greve, ela visa o governo, para que ele retorne mais ao centro, talvez chegar mais à esquerda. O interesse dos grevistas deverá ser mudar a correlação de forças. Cobrar mais investimentos nos programas sociais. Mexer com a posição do estado. Forçar que ele aumente o seu tamanho para abarcar aos mais pobres. Quanto mais o estado se torna mínimo – como quer o capital – mais as políticas sociais são abandonadas. A greve no setor público visa o aumento do papel protetor do estado.
Já participei de greves públicas como servidor e como gestor. No interesse maior, muitas das vezes o gestor público está favorável ao movimento. Também pode acontecer que os movimentos sindicais extrapolem nas questões corporativas do servidor em detrimento ao bem-estar da clientela pública. Cabe o gestor, em situações de excepcionalidade, cortar o ponto. A lei já facultava tal medida. E o gestor pode negociar a radicalidades de situações corporativas com o atendimento à população. Geralmente os dias descontados nesses extremos são devolvidos com a volta da normalidade.
O que o Supremo decidiu ontem foi a admissibilidade preventiva de que toda greve no setor público é ilegal. Tentam comparar uma luta por mais investimentos públicos, de um estado que se rende ao capital, à greve da luta pura e simples da luta de classes entre o capital e o trabalho.
Ledo e ivo engano de entendimento do senso comum. Melhor dizer má-fé dessa politização do judiciário. O judiciário assim deixa a sua função de árbitro para tomar partido descarado do capital e inibir o direito constitucional de protesto do servidor público para a melhoria do estado no seu papel de protetor dos mais desfavorecidos.
Uma atitude golpista por excelência. E há os que insistem dizer que estamos numa normalidade. O estado de direito acabou!
Edmar Oliveira, médico, servidor aposentado do MS, escritor, colaborador do C Af