A
500 dias de a chama olímpica ser acesa, os Jogos de 2016 tem seus
desafios. Começam na segurança e nos transportes, com as peculiaridades
de uma cidade que sofre com violência urbana e nós no trânsito. A eles
se junta um recente, a tecnologia das telecomunicações, que precisa
resolver a falta de sinal na segunda principal área de competição,
Deodoro. Para completar cinco metas, duas bastante específicas do Rio: a
Baía de Guanabara, cuja missão não é nem chegar mais aos 80% de
tratamento do esgoto, como foi prometido no dossiê de candidatura, mas
evitar que o lixo comprometa a competição de vela e nenhum atleta fique
doente; e o quinto, a possibilidade de manifestações populares. O
governo garante que a crise econômica e a operação Lava Jato, que
atingiram empreiteiras envolvidas nas obras olímpicas, não afetaram o
ritmo dos trabalhos.
Infográfico:
confira o andamento das obras olímpicas
O
primeiro mês de 2015 registrou 32 pessoas atingidas por balas perdidas.
Quatro pessoas morreram, sendo duas crianças. O número de vítimas de
bala perdida subiu para 40 no fim de março. A maior parte dos casos
aconteceu em regiões com Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Na
Barra da Tijuca, bairro do Parque Olímpico, tornaram-se frequentes ações
de assaltantes em motos nas principais vias. No final do ano passado,
as iatistas britânicas Hannah Mills e Saskia Clark foram assaltadas
no caminho da Marina da Glória para o hotel, no Aterro do Flamengo,
área onde costuma acontecer esse tipo de ação. Arrastões nas praias da
Zona Sul foram uma das marcas do verão que terminou na última
sexta-feira.
Treinamento da Polícia Militar para as
Olimpíadas no Maracanã (Foto: André
Gomes de Melo/Governo do RJ)
Questionado
sobre a violência na cidade, no fim do mês passado, durante a visita do
Comitê Olímpico Internacional (COI) ao Rio, o presidente do Comitê
Organizador dos Jogos, Carlos Arthur Nuzman, preferiu dizer que no
Brasil não existem atos de terrorismo. O presidente da entidade, Thomas
Bach, mostrou confiança nas autoridades do Brasil, dando a Copa do Mundo
como exemplo. Ressaltou o trabalho do Centro de Comando e Controle e
disse que "os Jogos não podem garantir a segurança da cidade pelos
próximos 10 anos", mas lembrou que os equipamentos ficarão como legado. A
segurança foi um dos principais temas da conversa do dirigente com
Dilma Rousseff, em Brasília. Na ocasião, a presidenta se comprometeu com
a integração das polícias federal, militar e civil durante os Jogos.
Nesta terça-feira, 24 de março, o GloboEsporte.com transmite ao vivo um
programa especial para marcar os 500 dias que faltam para as Olimpíadas
de 2016. A transmissão começa às 14h. Não deixe de participar!
A
integração destas e de cerca de 20 instituições, além das Forças
Armadas, é atribuição do Ministério da Justiça, que contará com um
orçamento de R$ 350 milhões. A pasta trabalha com a estimativa do Comitê
Rio 2016 de 1,5 milhão de torcedores e 20 mil jornalistas. Será preciso
garantir os descolamentos de 10 mil atletas e dezenas de chefes de
estado pela cidade. Muitos deles estarão na cerimônia de abertura do
Maracanã, o que vai demandar um cuidado especial. A preocupação com
a segurança nos Jogos Olímpicos cresceu depois do atentado de 11 de
setembro de 2001, em Nova York. Mesmo não havendo terrorismo no país,
equipes de seguranças estão realizando treinamentos específicos. A Vila
dos Atletas e o Centro Internacional de Transmissão (IBC), que vai
abrigar emissoras de rádio e TV, são considerados os lugares mais
estratégicos.
Vila dos Atletas: área estratégica para a segurana
dos Jogos Olímpicos (Foto: Bruno Carvalho
/ Brasil 2016 - ME)
O
plano de segurança deverá ser finalizado até julho para ser colocado em
prática no primeiro evento-teste do ano, as finais da Liga Mundial de
vôlei, no Maracanãzinho. Ainda não se sabe quantos agentes serão
utilizados nas Olimpíadas, já que no fim do mês passado o Comitê Rio
2016 transferiu para o governo federal a responsabilidade da segurança
dentro das arenas esportivas. O número deverá ser maior do que os 20 mil
agentes que atuaram na final da Copa do Mundo. O trabalho é
coordenado pelo Secretário Extraordinário de Segurança para Grandes
Eventos, Andrei Rodrigues.
- Queremos ter um
desenho próximo do plano das Olimpíadas a partir do evento-teste. Se
houver necessidade, ele pode sofrer adequações. Vamos fazer projeções de
acordo com cada competição, cada nível de atleta e cada país que
estiver em ação. Contando com as Paralimpíadas, serão mais de 30 dias
para operar 24 horas por dia com milhares de agentes. Assim como na
Copa, o grande desafio é pôr em prática o processo que fizemos de
integração com as entidades que atuam na segurança. Não é uma ação que
seja feita por um único órgão - disse o secretário.
As
Forças Armadas vão cuidar de quatro áreas de atuação: defesa aérea,
fiscalização de explosivos, segurança cibernética e prevenção e combate
ao terrorismo. Dentre os equipamentos que serão adquiridos estão quatro
balões que chegam a 300 metros de altura e registram imagens de alta
resolução a grandes distâncias. Também serão adquiridos bombas de efeito
moral e sprays de pimenta para combater possíveis protestos (veja no
quinto item).
Imagine
um ginásio de basquete com uma goteira bem em cima da quadra. Ou uma
pista de ciclismo com buracos escondidos. Problemas que interfiram no
desempenho do atleta. A comparação é válida ao se falar da Baía de
Guanabara, palco da vela dos Jogos Olímpicos, e área de competição mais
problemática do Rio 2016. Da mesma forma que um jogador pode escorregar
ao tentar uma enterrada, um iatista corre o risco de perder uma medalha
se um saco plástico prender em seu barco.
Poluição na Baía de Guanabara: Inea diz que
áreas das regatas estão dentro do padrão de
qualidade (Foto: AP)
A
Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) afirma que em oito anos o
tratamento de esgoto na Baía de Guanabara passou de 17% para 49%. O
governador Luiz Fernando Pezão admite que a meta de 80% estabelecida no
dossiê de candidatura não será alcançada nos próximos 500 dias. Em sua
visita mais recente ao Rio, no fim do mês passado, o Comitê Olímpico
Internacional mostrou preocupação, mas adotou um tom político e disse
que prefere esperar até o fim. Mas pediu que o Comitê Rio 2016
acompanhasse a questão mais de perto. O problema não é apenas o lixo,
mas também a qualidade da água. Alguns atletas estrangeiros já tomam precauções.
Monitoramentos do Instituto Estadual de Ambiente (Inea), porém, indicam
que a qualidade da água nas áreas das cinco raias olímpicas, entre a
Ponte Rio-Niterói e o Pão de Açúcar, está de acordo com padrões
internacionais.
Evento-teste da vela, em 2014 (Foto: PecciCom)
Em março, dois programas que vinham sendo infrutíferos foram suspensos:
o trabalho de dez ecobarcos que recolhiam o lixo da superfície e as 14
ecobarreiras instaladas em córregos. Ecobarreiras mais robustas deverão
ser instaladas em parceria com o Instituto Grael. Ainda este mês o
governo holandês doou um equipamento para monitorar o lixo
e ajudar na orientação dos ecobarcos na direção dos lugares mais sujos.
Um sistema semelhante já existia no Brasil e foi desenvolvido pelo
Coppe/UFRJ, que em recente estudo sobre o legado ambiental dos Jogos
Olímpicos deu um prazo de dez anos para recuperar a Baía de Guanabara. O
instituto de pesquisa em engenharia, porém, acredita que as águas da
baía estão aptas a receber a vela em 2016.
Unidades de
tratamento de rio e estações de tratamento de esgoto não funcionam
plenamente. Falta coleta de lixo nos 15 municípios banhados pela baía. A
SEA diz que pretende conscientizar a população sobre o descarte correto
da sujeira. Uma parceria público-privada no valor de R$ 1,2 bilhão para
o saneamento de esgoto da Baixada e região metropolitana do Rio deverá
ser anunciada em breve.
Iatistas costumam ser procurados pela
imprensa mais para falar (e reclamar) da água da Baía de Guanabara do
que sobre um dos esportes que mais dão medalhas olímpicas ao país. As
campeãs mundiais Martine Grael e Kahena Kunze, que já estudaram
engenharia ambiental, levantam a bandeira pela despoluição de seu local
de trabalho. Já pensaram em não competir como forma de protesto
contra a poluição. Ricardo Winicki, o Bimba, já defendeu a mudança da
vela para Búzios e vários atletas estrangeiros reclamaram da qualidade
da água. O bicampeão olímpico, Robert Scheidt, minimiza o problema,
já que não chove no período dos Jogos, em agosto. A esperança é que a
recuperação da baía não seja deixada de lado depois dos Jogos, a exemplo
de Sydney, que concluiu a limpeza de suas águas dez anos depois das
Olimpíadas de 2000.
O
COI teme que nem as faixas exclusivas para atletas, árbitros,
dirigentes e convidados da entidade possam impedir transtornos nos
deslocamentos. Algumas provas de rua vão fechar vias importantes da
cidade por algumas horas em dias da semana. Para reduzir 30% os
deslocamentos durante as Olimpíadas e 10% durante as Paralimpíadas, a prefeitura propôs uma série de medidas
que serão votadas na Câmara dos Vereadores. A principal delas é mudar
as férias escolares do meio do ano de julho para agosto. Servidores
públicos e empregados de grandes empresas serão motivados a fazer o
mesmo. Dois feriados serão propostos durante os 16 dias de Jogos
Olímpicos: dia 5 de agosto, abertura dos Jogos, e dia 18, prova
masculina do triatlo. Há também medidas que proíbem obras em vias
públicas e impõem horários de cargas e descargas. Em Londres, muitos
moradores deixaram a cidade durante os Jogos de 2012, o que aliviou o
trânsito.
Linha 4 do metrô, que vai da estação General
Osório até a Jardim Oceânico
(Foto: Divulgação)
O
caminho da Zona Sul até o Parque Olímpico da Barra e de lá até Deodoro
está rasgado por obras. Começam na estação General Osório, ponto de
partida da linha 4 do metrô. A perfuração feita pelo Tatuzão até a
futura estação Nossa Senhora da Paz ficou parada por seis meses depois
que uma rua em Ipanema afundou. A máquina alemã que perfura o solo
voltou a operar no fim do mês passado e concluiu o trecho. O Tatuzão vai
ficar parado até abril para manutenção e depois abre caminho para as
estações de Jardim de Alah, Antero de Quental e Gávea. O governo
estadual diz que o trecho a ser perfurado, apesar de maior do que o
inicial, é menos complicado. De São Conrado até a estação final Jardim
Oceânico, os 5 km do túnel abertos a base de explosão já receberam
trilhos. O prazo para que a linha 4 comece a operar é o dia 1° de junho
de 2016, fora dos horários de pico, e plenamente um mês depois, cinco
semanas antes dos Jogos Olímpicos.
A estação Jardim
Oceânico e o terminal Alvorada serão ligados por uma linha de BRT, cuja
construção já toma a Avenida das Américas. Da Alvorada, o BRT já
existente faz a ligação até o Parque Olímpico e a Vila dos Atletas, onde
as avenidas Salvador Allende e Abelardo Bueno estão sendo ampliadas.
Dali sai a Transolímpica, via de 26 km que vai até Deodoro, segunda área
esportiva mais importante dos Jogos. A ampliação do elevado do Joá
também é feita a base de explosões, que desviam o trânsito duas vezes
por dia. As duas pistas vão tentar desfazer o gargalo entre São Conrado e
Barra.
Segunda
área mais importante dos Jogos Rio 2016, depois do Parque Olímpico, o
Complexo Esportivo de Deodoro sofre com a falta de sinal de celular.
Resolver este problema durante as disputas esportivas é um dos maiores
desafios da área de tecnologia do Comitê Rio 2016. Para conectar a
cidade "a qualquer hora, em qualquer lugar”, como prometeu o dossiê de
candidatura, será preciso um trabalho em conjunto da Claro/Embratel,
patrocinadora dos Jogos, com as outras três grandes operadoras do Brasil
- Vivo, Oi e Tim. Diretor de tecnologia do Comitê Rio 2016, Elly
Resende prefere não concentrar as dificuldades em Deodoro, mas admite os
problemas da área:
- Não deveríamos nos limitar a Deodoro.
Estabelecemos uma linha de trabalho que negocia com as outras operadoras
para fazer os ajustes necessários para ter uma cobertura adequada em
todos os locais dos Jogos. A própria Anatel está fazendo uma verificação
de qualidade. É um esforço de todos. Em Deodoro tem um pouco mais de
sombras de cobertura, mas em outros locais bem atendidos é preciso uma
atenção. Quando se coloca muita gente em um local você pode ter
problemas - explicou Resende.
Torcedora usa o celular no Maracanã: trabalho
para oferecer rede WiFi durante os
Jogos (Foto: André Durão)
O
compromisso de conectar a cidade será atingido, mas ficará restrito aos
profissionais que vão trabalhar nos Jogos. Para os cerca de 20 mil
jornalistas credenciados haverá acesso à rede WiFi "best effort", abaixo
da "high quality". A rede mais capacitada para transmitir arquivos
pesados, como fotos em tamanho original e vídeos, terá acesso pago.
Caberá às operadoras ou ao governo fornecer acesso à rede WiFi ao
público nos locais de competição, como aconteceu nos estádios da Copa do
Mundo.
Centro de Tiro em Deodoro: região sofre
com dificuldade de sinal para celular
(Foto: Leonardo Filipo)
-
O que foi dito no dossiê era que nós atenderíamos aos profissionais das
operações dos Jogos com serviço dedicado e isso seria complementado com
as redes disponíveis na cidade de 3G e 4G. Não nos comprometemos em
oferecer serviço gratuito na cidade toda. Estamos trabalhando com as
operadoras e com os programas de acesso gratuito dos governos para
viabilizar WiFi. Nos Jogos de Londres, a British Telecom comercializava o
WiFi, mas de vez em quando liberava o acesso - comparou Resende.
Outra
missão importante do serviço de tecnologia dos Jogos, que terá cerca de
700 profissionais envolvidos, será transmitir as informações internas
dos Jogos. Em caso de falha em um ponto, será preciso estabelecer uma
solução rápida. As informações que vão circular por meio de 10 mil
rádios vai depender de uma frequência protegida pela Anatel.
05
Manifestações populares
Os
focos de insatisfação contra as Olimpíadas são pequenos. Por enquanto,
nada parecido com o "Não vai ter Copa", surgido nas manifestações de
junho e julho de 2013. Naquela ocasião, a revolta contra a falta de
"padrão Fifa" na saúde e educação, junto com os seguidos estouros nos
orçamentos dos estádios, se juntaram às diversas pautas, como aumento
das passagens dos transportes públicos, combate à corrupção e à
violência policial, entre outros.
Protesto contra o COI na porta de um hotel em
Copacabana no Rio (Foto: Leonardo Filipo)
Sem
estouros nos orçamentos, os focos de manifestações contrárias aos Jogos
se concentram nas obras do campo de golfe e da Marina da Glória.
Inspirados no Occupy Wall Street, manifestantes criaram o "Ocupa Golfe" e
o "Ocupa Marina". O primeiro está desde o início de dezembro em frente
ao terreno da Barra da Tijuca onde a instalação está quase pronta. A
ação começou depois da Justiça negar o pedido do Ministério Público para
suspender a licença ambiental da obra. O grupo já sofreu algumas
tentativas de expulsão da Guarda Municipal.
Em fevereiro, o movimento
"Golfe Para Quem?" entrou com uma ação no mesmo MP para investigar um
possível favorecimento do prefeito à construtora que vai construir o
campo de golfe. Já o "Ocupa Marina" surgiu depois do corte de quase 300
árvores na obra de revitalização do local da vela em 2016. Ambos os
movimentos pedem o embargo das obras.
Altair, líder comunitário da Vila
Autódromo (Foto: Thierry Gozzer)
Na
última sexta, a prefeitura desapropriou 58 imóveis na Vila Autódromo,
vizinha ao Parque Olímpico. Os proprietários não entraram em acordo para
deixar suas casas, agora consideradas bens de utilidade pública. Os
valores das indenizações serão definidos pela Justiça. Das quase 600
famílias, 280 tiveram que sair para as obras de duplicação das avenidas
Salvador Allende e Abelardo Bueno. A maioria aceitou ir para o Parque
Carioca, condomínio popular a cerca de 2km dali.
Saiba mais: Filme narra a luta da comunidade Vila Autódromo, vizinha das Olimpíadas
Professor
do Ippur, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da
UFRJ, Carlos Vainer acredita que o crescimento para a Zona Oeste é
equivocado. Atende a interesses de proprietários de terras na região da
Barra da Tijuca, caso do campo de golfe e de empreiteiras que se
beneficiam das obras. Vainer não se arrisca em dizer se haverá novas
manifestações nas ruas, mas diz que a situação do país é pior do que em
2013.
- Como o povo vai reagir, isso é difícil de prever. Mas
as razões e causas que provocaram aqueles movimentos permanecem. E
agravadas por uma crise econômica, que não acontecia em 2013. A
temperatura sobe, o doente pode ficar com febre e decidir se permanece
deitado ou levanta - comparou Vainer.
Aconteçam
manifestações ou não, o governo já se preparou comprando cerca de 9 mil
granadas de efeito moral e gás lacrimogêneo, e quase 1.500 sprays de
pimenta.
Confira as imagens aéreas das instalações olímpicas!
FONTE: