Humorista relembra título do Campeonato Carioca de 1989, que tirou o Botafogo da fila de 21 anos sem títulos, e compara período com ditadura
Adnet posa com a camisa de Seedorf no Engenhão
(Foto: Edgard Maciel de Sá/Globoesporte.com)
(Foto: Edgard Maciel de Sá/Globoesporte.com)
– Sou de 81 e frequento os estádios desde quando eu tinha oito anos de idade. Já fui em muitos jogos, vi muitas decisões, mas na minha opinião o título do Campeonato Carioca de 89 foi mais importante até do que o Brasileiro de 95, com Túlio & Cia. Na época, o Botafogo vivia péssima fase: estava há 21 anos sem erguer um troféu. Foi um período traumático. Aquele título simbolizou um verdadeiro divisor de águas na história do clube e foi muito marcante na minha vida. Naquele dia, graças ao gol do Maurício, pude me afirmar como torcedor e entender o que era ser botafoguense de verdade. Foi uma festa muito bonita – disse Marcelo Adnet.
Nascido e criado no bairro do Humaitá, na Zona Sul do Rio de Janeiro, Marcelo não era como as outras crianças. Seus passatempos preferidos tinham como alicerce manias. Aliás, muitas manias: gostava de conversar com os mais velhos e compartilhar seus gostos. Jogava xadrez na praia, era fissurado em estrelas e planetas, estudava russo por conta própria e adorava ficar em casa na segurança de seus livros. Essa reunião de excentricidades e a fuga de rótulos ou estereótipos são, na verdade, o retrato da infância de Marcelo Adnet, de 31 anos, um dos maiores talentos da nova safra de humoristas brasileiros.
Dentro ou fora dos palcos, o "botafoguense puro – de mãe e pai –" interpreta a si próprio: um jovem comediante apaixonado por futebol que em algum momento da vida sofreu bullying dos amigos de escola para mudar de time, mas não sucumbiu. Descobriu um amor incondicional pelo Botafogo ainda criança e, atualmente, procura exercer seu clubismo de maneira consciente, quando transforma os principais tópicos futebolísticos da semana em piada na sua “coluna humorístico-esportiva” no jornal O Globo.
– É muito difícil escrever para o torcedor, porque somos fanáticos por futebol. Defendemos nosso clube como defendemos um país, uma etnia, uma crença. Nasci botafoguense e cresci com aquela noção de que somos poucos, mas muito honrados. Além dos meus pais, meu tio e meu avô maternos torcem para o Botafogo. Meu pai sempre disse: "Meu filho pode ser tudo, mas vai ter que ser botafoguense". E, para mim, ser botafoguense é ser um herói. O clube não é maioria em nada – em nenhum setor da sociedade. Ou seja, ninguém torce para o Botafogo por causa de títulos e conquistas. Ninguém torce para o Botafogo por conveniência, mas por paixão.
Marcelo Adnet: "Um gauche na vida, uma ovelha alvinegra no mundo" (Foto: Arquivo Pessoal)
Nomes como Marinho Chagas, Mendonça e Alemão passaram pelo Botafogo, viraram ídolos. Mesmo assim, o tão sonhado título teimava em não vir. O fato aguçou a criatividade de Adnet, que mergulhou na história do Brasil para apresentar uma visão humorística do período de raras alegrias alvinegras.
– Em protesto, boicotamos a falta de liberdade no Brasil (risos). Após conquistar o bicampeonato carioca em 1968, quando foi decretado o AI-5, com um time repleto de jogadores da seleção brasileira - como Gérson, Jairzinho e Paulo César Caju -, o Botafogo voltou a ganhar somente em 89, ano das primeiras eleições diretas. Ou seja, um clube que demonstrou coragem e boicotou o período ditatorial inteiro (risos). Gosto de fazer essa brincadeira.
– Fui em vários jogos naquela ocasião. Vi o empate sem gols do Botafogo com o Bangu na Taça Rio, mas assisti à decisão contra o Flamengo em casa, por motivos de segurança, junto dos meus pais. O Maracanã estava lotado. Foi uma noite mágica – 21 de junho, 21h, 21 graus, 12 minutos do segundo tempo, 21 anos depois, gol do Maurício, o camisa 7, após cruzamento do Mazzolinha, o camisa 14 (14+7= 21). Enfim, muitas coincidências. Do jeitinho que o botafoguense gosta. Foi um jogo que me contagiou. O Flamengo de Zico, Bebeto & Cia. tinha um time bem melhor. Mesmo assim, jogamos com muita raça e humildade e conseguimos conquistar o título.
Aos 7 anos, o pequeno Marcelo entendeu o que era ser botafoguense de verdade (Foto: Arquivo Pessoal)
– Foi um grito de libertação, de independência. Aquele título gerou uma comoção muito grande. Quando o jogo acabou, lembro dos meus pais comemorando fervorosamente e decidindo que iam para a sede social do clube, em General Severiano. E me levaram junto. Foi um dia muito marcante na minha vida. Eu estava lá, cantando o hino do clube, em meio a uma multidão apaixonada e enlouquecida. Uma festa e tanto. Assim sou eu, um gauche na vida, uma ovelha alvinegra no mundo.
Marcelo Adnet em "dia louco do Rio para
São Paulo" (Foto: Reprodução / Twitter)
São Paulo" (Foto: Reprodução / Twitter)
Virou comediante
Atualmente, a rotina pesada de gravações fez com que o humorista fixasse residência em São Paulo e, consequentemente, acompanhasse com menos frequência os jogos do Botafogo. A frase “Minha casa é uma van” resume bem o entra e sai ao qual é submetido todo santo dia entre aeroportos e compromissos. Mesmo assim, Adnet encontrou uma saída um tanto quanto inusitada para praticar sua fidelidade ao clube da estrela solitária.
– Já fui mais aos estádios. Um dos momentos mais memoráveis foram as inúmeras idas de van ou de "996" até Niterói para acompanhar o sucesso do Fogão na Série B do Brasileirão, no Caio Martins. Atualmente, quando não consigo assistir aos jogos do Botafogo pela televisão na minha casa ou na casa de amigos, tento acompanhar pelo rádio via internet. Ou tento outra jogada: coloco na busca do twitter a palavra Botafogo e vejo tudo o que está sendo twittado no momento do jogo. Vou acompanhando tudo em tempo real de acordo com o ponto de vista dos torcedores.
Mestre de cerimônia, Adnet apresenta Seedorf à torcida do Botafogo, no Engenhão (Foto: Arquivo Pessoal)
– Faço esse trabalho de coração. Para mim, é muito gratificante e um motivo de orgulho poder participar. Quando o Maurício, por exemplo, me liga perguntando “você poderia ...?”, eu já respondo que sim antes de saber o que é. O Botafogo é a única instituição para qual eu trabalho de graça. Sobre o Seedorf, trazê-lo foi um ato de grandiosidade. Fazia tempo que o clube não contratava um jogador desse gabarito – concluiu.
* Texto de Igor Castello Branco, sob supervisão de Alexandre Alliatti e Márcio Mará.
Ricardo Cruz, Josimar, Wilson Gottardo, Mauro Galvão e Marquinhos; Carlos Alberto Santos, Luisinho e Vítor; Maurício, Paulinho Criciúma e Gustavo (Mazolinha). | Zé Carlos, Jorginho, Aldair, Zé Carlos II e Leonardo; Aílton, Renato e Zico (Marquinhos); Alcindo (Sérgio Araújo), Bebeto e Zinho. |
Técnico: Valdir Espinosa. | Técnico: Telê Santana. |
Gol: Maurício, aos 12 minutos do segundo tempo. | |
Estádio: Maracanã. Data: 21/06/1989. Competição: Campeonato Carioca. Árbitro: Valter Senra. Público: 56.412 pagantes FONTE: http://globoesporte.globo.com/bau-do-esporte/noticia/2012/11/meu-jogo-inesquecivel-o-grito-de-libertacao-de-adnet-ovelha-alvinegra.html |
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