Limbert e Carola convivem com o vazio deixado pela morte do filho mais velho e com o arrependimento de terem permitido viagem a Oruro
A caminho do trabalho, a parada no cemitério “Parque de las Memorias”,
em Cochabamba, na Bolívia, é obrigatória para o professor de História
Limbert Beltrán. É a maneira que ele encontrou de seguir próximo de
Kevin Douglas Beltrán Espada, seu filho mais velho, morto por um tiro de
sinalizador durante o jogo Corinthians x San José.
Muito embora o trágico dia 20 de fevereiro de 2013 seja tratado por Limbert como um “pesadelo”, a realidade martela sua cabeça todos os dias. Difícil se conformar com o fato de seu filho mais velho, de apenas 14 anos, nunca mais voltará daquela viagem a Oruro, na qual foi ver o time de coração pela primeira vez.
- Todos os dias, quando deito a cabeça no travesseiro, eu penso que vou
acordar desse pesadelo. Só quero ter um pouco de paz para seguir
adiante - resume.
No primeiro contato telefônico com a família de Kevin, a reportagem do GLOBOESPORTE.COM sugeriu um encontro em local neutro, um restaurante ou algo parecido. Até para amenizar o peso de falar novamente sobre a tragédia. Mas Limbert fez questão de marcar no cemitério onde o filho está enterrado.
- Eu passo todos os dias aqui antes de ir ao trabalho para falar com ele. É uma maneira de eu estar próximo. Foi o que sobrou para mim. Em casa, eu sinto um vazio enorme com a ausência dele. Não consigo sequer falar. Aqui no cemitério é onde consigo desabafar, falar alguma coisa - explicou o pai de Kevin.
Ao chegar perto do túmulo do filho, com a lápide encravada na terra e enfeitada por três vasos de flores, Limbert se agacha e toca a terra, batendo com a mão aberta e depois dando um soco, simulando um cumprimento.
- Era assim que nos cumprimentávamos todos os dias - disse o professor, com a voz embargada e os olhos cheios de lágrima.
Carola Beltrán, mãe de Kevin, não adotou a mesma rotina do marido de passar todos os dias pelo cemitério por conta das atividades no trabalho. Também professora, ela tem horários distintos de Limbert. Mas na última quarta-feira ela estava lá. Vestida de preto, abatida, ela também se agachou. E beijou as flores.
- Fique em paz, meu filho - sussurrou.
As duas cenas são tristes. Doídas. Em nenhuma circunstância é natural
ver os pais se despedirem do filho. Muito menos tão cedo. Mas pior ainda
é o sentimento de culpa que ambos carregam por terem liberado o filho
para ir com o primo Beymar até Oruro para assistir ao jogo.
- Nós o protegemos tanto durante esses 14 anos. Eu não me conformo de não ter dito não para ele aquele dia. Para você ter uma ideia do quanto nos preocupávamos com ele, quando ele tinha de pegar ônibus, nós o levávamos até a porta do veículo e depois ligávamos para o avô dizer se ele havia chegado. Pensando nisso, como eu permiti uma viagem de ônibus até Oruro? Como? - questionou o pai.
Carola é mais calada. Suspira a todo o momento, como quem tenta conter as lágrimas. Mas não consegue evitar esporádicos choros.
- Por quê? Por quê? Eu não consigo entender, não encontro resposta. Não tenho ânimo para mais nada - declarou a mãe.
Xodó da família
Kevin, de 14 anos, era o mais velho dos quatro filhos de Limbert e Carola – os outros são Jhojan, de nove, Alexandra, de oito, e Matías, de dois. Os três recebiam os cuidados do mais velho enquanto os pais trabalhavam. Tal carinho com os irmãos fazia o garoto ainda mais especial aos pais.
- Era um menino incrível, dedicado, educado... Não consigo entender
como uma tragédia dessas pode ter acontecido com ele - repete o pai.
Mesmo sem ter condições financeiras, Limbert e Carola decidiram enterrar o corpo de Kevin no “Parque de las Memórias” porque era um lugar que chamava a atenção do garoto quando ele passava de carro com o pai.
- Eu pedi ajuda à minha família para deixá-lo aqui. Sei que não é um lugar que condiz com as minhas condições, mas sempre que passava em frente o Kevin alertava para a beleza do local, cheio de árvores. Ele até se surpreendeu na primeira vez que me perguntou e eu disse que era um cemitério - contou Limbert.
O carro em que Kevin passeava com o pai era justamente um presente para o filho mais velho. O Mitsubishi, ano 1998, foi comprado em 2003, depois de um temporal.
- Eu estava com o Kevin e a Carola na rua e caiu uma tempestade horrível. Chamei vários táxis para nos levar para casa e nenhum parou, com medo de molharmos os estofados. Naquele dia, olhei para o meu filho, com apenas quatro anos, e disse que ele teria um carro. No dia seguinte peguei um empréstimo e comprei.
O carro azul pertence até hoje à família Beltrán. Custou à época US$ 6 mil, parcelados em muitos anos com o banco. Era nele que Limbert estava ensinando Kevin a dirigir nos fins de semana, para daqui a alguns anos ter mais experiência para passar no exame de direção.
- Não deu tempo - lamentou o pai do garoto.
A mãe, Carola, em uma última declaração na conversa, realizada em boa parte do tempo dentro do carro azul por conta da chuva, desabafou.
- Só quero que tudo isso acabe e que o nome do meu filho saia da mídia. Queremos ter um pouco de paz, que deixem de falar do meu Kevin.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/corinthians/noticia/2013/04/presos-em-pesadelo-pais-de-kevin-carregam-culpa-por-morte-de-garoto.html
Muito embora o trágico dia 20 de fevereiro de 2013 seja tratado por Limbert como um “pesadelo”, a realidade martela sua cabeça todos os dias. Difícil se conformar com o fato de seu filho mais velho, de apenas 14 anos, nunca mais voltará daquela viagem a Oruro, na qual foi ver o time de coração pela primeira vez.
Pais de Kevin Espada, Limbert e Carola Beltrán se culpam pela morte do filho (Foto: Leandro Canônico)
No primeiro contato telefônico com a família de Kevin, a reportagem do GLOBOESPORTE.COM sugeriu um encontro em local neutro, um restaurante ou algo parecido. Até para amenizar o peso de falar novamente sobre a tragédia. Mas Limbert fez questão de marcar no cemitério onde o filho está enterrado.
- Eu passo todos os dias aqui antes de ir ao trabalho para falar com ele. É uma maneira de eu estar próximo. Foi o que sobrou para mim. Em casa, eu sinto um vazio enorme com a ausência dele. Não consigo sequer falar. Aqui no cemitério é onde consigo desabafar, falar alguma coisa - explicou o pai de Kevin.
Ao chegar perto do túmulo do filho, com a lápide encravada na terra e enfeitada por três vasos de flores, Limbert se agacha e toca a terra, batendo com a mão aberta e depois dando um soco, simulando um cumprimento.
- Era assim que nos cumprimentávamos todos os dias - disse o professor, com a voz embargada e os olhos cheios de lágrima.
Carola Beltrán, mãe de Kevin, não adotou a mesma rotina do marido de passar todos os dias pelo cemitério por conta das atividades no trabalho. Também professora, ela tem horários distintos de Limbert. Mas na última quarta-feira ela estava lá. Vestida de preto, abatida, ela também se agachou. E beijou as flores.
- Fique em paz, meu filho - sussurrou.
Fique em paz, meu filho"
Carola Beltrán, à beira do túmulo de Kevin
- Nós o protegemos tanto durante esses 14 anos. Eu não me conformo de não ter dito não para ele aquele dia. Para você ter uma ideia do quanto nos preocupávamos com ele, quando ele tinha de pegar ônibus, nós o levávamos até a porta do veículo e depois ligávamos para o avô dizer se ele havia chegado. Pensando nisso, como eu permiti uma viagem de ônibus até Oruro? Como? - questionou o pai.
Carola é mais calada. Suspira a todo o momento, como quem tenta conter as lágrimas. Mas não consegue evitar esporádicos choros.
- Por quê? Por quê? Eu não consigo entender, não encontro resposta. Não tenho ânimo para mais nada - declarou a mãe.
Xodó da família
Kevin, de 14 anos, era o mais velho dos quatro filhos de Limbert e Carola – os outros são Jhojan, de nove, Alexandra, de oito, e Matías, de dois. Os três recebiam os cuidados do mais velho enquanto os pais trabalhavam. Tal carinho com os irmãos fazia o garoto ainda mais especial aos pais.
Kevin Douglas Beltrán Espada tinha 14 anos Foto: Reprodução / Facebook)
Mesmo sem ter condições financeiras, Limbert e Carola decidiram enterrar o corpo de Kevin no “Parque de las Memórias” porque era um lugar que chamava a atenção do garoto quando ele passava de carro com o pai.
- Eu pedi ajuda à minha família para deixá-lo aqui. Sei que não é um lugar que condiz com as minhas condições, mas sempre que passava em frente o Kevin alertava para a beleza do local, cheio de árvores. Ele até se surpreendeu na primeira vez que me perguntou e eu disse que era um cemitério - contou Limbert.
O carro em que Kevin passeava com o pai era justamente um presente para o filho mais velho. O Mitsubishi, ano 1998, foi comprado em 2003, depois de um temporal.
- Eu estava com o Kevin e a Carola na rua e caiu uma tempestade horrível. Chamei vários táxis para nos levar para casa e nenhum parou, com medo de molharmos os estofados. Naquele dia, olhei para o meu filho, com apenas quatro anos, e disse que ele teria um carro. No dia seguinte peguei um empréstimo e comprei.
O carro azul pertence até hoje à família Beltrán. Custou à época US$ 6 mil, parcelados em muitos anos com o banco. Era nele que Limbert estava ensinando Kevin a dirigir nos fins de semana, para daqui a alguns anos ter mais experiência para passar no exame de direção.
- Não deu tempo - lamentou o pai do garoto.
A mãe, Carola, em uma última declaração na conversa, realizada em boa parte do tempo dentro do carro azul por conta da chuva, desabafou.
- Só quero que tudo isso acabe e que o nome do meu filho saia da mídia. Queremos ter um pouco de paz, que deixem de falar do meu Kevin.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/corinthians/noticia/2013/04/presos-em-pesadelo-pais-de-kevin-carregam-culpa-por-morte-de-garoto.html
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