terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Rico por natureza, Chelsea tem época pré-Abramovich como sua 'revolução'


Berço de ouro não era suficiente para tornar clube grande, até que geração
de Gullit e Di Matteo dobra número de títulos, muda patamar e atrai russo

Por Cahê Mota Direto de Londres

“Não somos um clube que surgiu do nada”. A frase de Rick Glanvill, historiador oficial do Chelsea, expressa bem aquele que talvez seja o único trauma que o dinheiro de Roman Abramovich não conseguiu resolver: as acusações de que tratava-se de um pequeno antes da chegada do russo. Questionamento até certo ponto exagerado por parte dos rivais e que persegue um clube rico pela própria natureza, mas que precisou esperar quase 100 anos até aprender a conjugar com frequência o verbo vencer. Se os últimos nove anos elevaram os Blues a uma potência europeia, o passado do provável adversário do Corinthians no Mundial de Clubes reserva uma história de altos e baixos, ostentação e insegurança, e uma revolução financeira que pavimentou o caminho para o sucesso pouco antes da chegada do dono atual.

Fundado em 1905 por moradores de Fulham, bairro nobre de Londres, o Chelsea surgiu para incluir o futebol nas atividades do estádio de atletismo Stamford Bridge, já com 28 anos, e mostrou poder logo em sua primeira temporada. No lugar do amadorismo, o clube optou por nascer profissional e no terceiro ano disputou a primeira divisão. Sucesso meteórico, mas que também imediatamente deu lugar a uma rotina oscilante que nunca permitiu aos Blues uma identidade, fosse de grande ou até mesmo de pequeno, tamanhas idas e vindas na tabela.

– O Chelsea foi fundado por pessoas ricas e com planos grandiosos. Uma prova disso é que o clube já começou no profissionalismo e alcançou a primeira divisão no segundo ano. Em seguida, teve a maior média de público da Inglaterra. Sempre tratou-se de um grande clube, mas que não se acostumou com o sucesso em campo. Havia um grande estádio, uma grande torcida, grandes jogadores, mas faltavam os títulos. Sempre houve muito dinheiro, mas não o costume de vencer – resumiu o próprio Rick Glanvill.

Rick Glanvill livro clube museu Chelsea fotos históricas (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)Rick Glanvill posa com o livro no museu do Chelsea (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)

Acessos e rebaixamentos fizeram parte da realidade azul entre 1907 e 1930, quando, após excursão pela América do Sul, voltou à elite para estadia de 32 anos. Neste período, conquistou o primeiro título, em 1955, solitário até a chegada de Abramovich, 48 anos depois. As quatro décadas seguintes ainda reservariam mais quatro troféus, que se intercalaram com períodos sombrios. O pior deles, nos anos 70 e 80, quando, independentemente do que fizesse em campo – e não era muito – o Chelsea tinha mais destaque pelo que seus torcedores faziam fora deles. Os Blues eram vistos como uns dos piores hooligans.

As origens não deixavam, o dinheiro muito menos, mas aos 90 anos o Chelsea caminhava para ser um pequeno e se agarrava como podia ao status de clube médio. Foi quando o clube decidiu se desprender do berço genuinamente inglês, genuinamente londrino, e resolveu espalhar seu dinheiro pelo mundo. Praticamente uma década antes da chegada de Abramovich, ao término da temporada 1994/1995, uma reunião definiu que o “quase pequeno” precisava abrir mão de suas vaidades para se tornar “quase grande”.

– É fácil identificar o Chelsea, basta olhar suas origens, o local onde joga. É uma área realmente especial de Londres, de gente rica, e sempre tratou-se de um clube que gostava de mostrar isso. O mais difícil foi entender que essa condição não era suficiente para transformá-lo em um dos maiores. Tudo mudou quando foi tomada a decisão de comprar gente de fora, trazer grandes nomes – explicou Simon Haydon, editor-chefe da agência de notícias AP, uma das maiores do mundo.

Stamford Bridge estádio Chelsea  (Foto: Getty Images)Visão aérea do Stamford Bridge. Clube foi fundado por moradores de Fulham (Foto: Getty Images)

Di Matteo é o primeiro herói de geração estrelada por Gullit
Farto do rótulo de time de bairro que sequer conseguia se impor nacionalmente, o Chelsea resolveu usar de um expediente que tornou sua marca maior oito anos depois para se mostrar para o mundo: abrir os cofres. E o impacto foi imediato. De mero coadjuvante, o clube passou a protagonista, e estampou páginas de jornais Europa afora com as chegadas de nomes mundiais como Gianfranco Zola, Gianluca Vialli e o maior deles: Ruud Gullit. Aclamado como um dos maiores de sua época, o holandês foi um tiro certeiro e levou para o Oeste de Londres prestígio e visibilidade.

Gullit museu Chelsea fotos históricas (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)Ruud Gullit no museu do Chelsea: estrela da
geração (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)

– Assim começa a história do Chelsea moderno propriamente. Era necessário arriscar, investir para que o clube crescesse internacionalmente, disputasse competições europeias com frequência. Foi quando o Chelsea ganhou as páginas do mundo, a repercussão cresceu, e conquistou também resultado em campo – resumiu Glanvill.

Se em 90 anos de história os Blues tinham conquistado apenas cinco troféus, a primeira revolução financeira dobrou este número e levou o clube aos primeiros lugares da já rentável e badalada Premier League. Em oito anos, até a aparição de Abramovich, foram seis títulos: duas Copas da Inglaterra, uma Copa da Liga, uma Supercopa da Inglaterra e, acima de tudo, uma Copa dos Campeões da Europa e uma Supercopa da Europa. O Chelsea ainda não era gigante como Manchester United, Liverpool e Arsenal, mas se fazia perceber e preocupava.

museu Chelsea fotos históricas (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)Fotos do começo da história do Chelsea (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)

Em duas dessas conquistas, as duas Copas da Inglaterra, um nome não tão badalado ganhava força e surgia como ídolo: Roberto Di Matteo. Autor de gols nas duas decisões em Wembley, o então meia-atacante italiano virou xodó, mais querido até mesmo que Gullit e Vialli, que chegaram a exercer também o papel de treinador, e deu início a uma trajetória consolidada na temporada passada, como comandante da elenco que venceu mais uma Copa da Inglaterra e a tão sonhada Liga dos Campeões.

Antes de ser demitido, há menos de duas semanas, Di Matteo atendeu o GLOBOESPORTE.COM e lembrou aqueles passos importantes para que o Chelsea se tornasse gigante.

– Fomos muito bem. Foi um período bem sucedido. Conseguimos ganhar copas domésticas e internacionais, como a Supercopa diante do Real Madrid. Tudo aquilo foi um começo para que o clube alcançasse essa nova dimensão.

Roberto Di Matteo Ruud Gullit Chelsea (Foto: Getty Images)Roberto Di Matteo e Ruud Gullit em 1997, muito antes de Abramovich aparecer no Chelsea (Getty Images)

Vitória sobre o Liverpool, vaga na Champions e um novo dono
O sucesso dessa geração é apontado ainda como fundamental para que Roman Abramovich escolhesse o clube para investir. O raciocínio é simples: se comprar os maiores era inviável diante do sucesso e da história, o russo naturalmente buscaria quem estivesse próximo e pudesse alcançar tamanho status. É a partir deste pensamento que surge aquele que, para muitos, é apontado como jogo mais importante da história do Chelsea, diante do Liverpool, em 11 de maio de 2003.

Abramovich não ia comprar o melhor time da Inglaterra. Isso é um fato. Mas ele também não compraria pior. Era importante estar ali, entre os 5, e era onde estávamos."
Rick Glanvill, historiador do Chelsea

Já com nomes como os franceses Marcel Desailly e Gallas, além dos jovens promissores John Terry e Frank Lampard, no elenco, os Blues chegaram a última rodada da Premier League na quarta colocação e só tinham uma opção: vencer para disputar pela segunda vez na história a Champions League. A chance de classificação por si só já tornava a partida especial. Entretanto, ela se tornaria ainda mais importante diante do burburinho de que um desconhecido russo chamado Roman Abramovich depositaria rios de libras para assumir o clube, em vias de se desfazer do elenco exatamente por problemas financeiros.

Com um Stamford Bridge lotado, o finlandês Sami Hyppia abriu o marcador logo nos minutos iniciais para o Liverpool. Ainda no primeiro tempo, porém, Marcel Desailly empatou e o dinamarquês Jesper Gronkjaer fez o gol que, para muitos, foi responsável por Abramovich decidir gastar quase 150 milhões de libras (R$ 515 milhões na cotação atual) e dar início, na temporada seguinte, a uma nova história.

– Abramovich não ia comprar o melhor time da Inglaterra. Isso é um fato. Mas ele também não compraria os piores. Era importante estar ali, entre os cinco, e era onde estávamos. Éramos um clube com potencial de vencer, que tinha perdido a Premier anos antes na última rodada, e tinha a competição mais importante da Europa pela frente. O investimento perfeito. Aquela vitória contra o Liverpool mudou tudo. Mudou a nossa história – analisou Rick Glanvill.

Jesper Gronkjaer Chelsea Liverpool (Foto: Getty Images)Gronkjaer celebra a vitória do Chelsea sobre Liverpool no último jogo antes da Era Abramovich (Getty Images)

A vitória por 2 a 1 sobre os Reds foi o ato final de uma reunião que começou em maio de 1995, mas que se tornou um degrau fundamental para que o Chelsea se tornasse grande. Fundamental até mesmo para que o historiador Glanvill pudesse rebater com a frase que deu início ao texto as acusações de que sem Abramovich os Blues não seriam nada.

– Não é possível mensurar o tamanho da contribuição de Mister Abramovich para esse clube, mas é importante lembrar que não somos um clube que surgiu do nada. Terminávamos em terceiro, quarto, quinto na Premier League, tínhamos acabado de conquistar alguns títulos. Não éramos como o Manchester City com o Sheik, por exemplo.

A verdade é que, se “não surgiu do nada”, o Chelsea precisou do empurrão do russo para alcançar tudo. De “quase grande”, o clube virou gigante graças à parceria que, em sua décima temporada, já rendeu 12 títulos, mais do que os 11 dos 98 anos anteriores.

Terry Lampard Chelsea Liga dos Campeões (Foto: Getty Images)Terry (centro) e Lampard (direita) são os únicos remanescentes do 'velho' Chelsea (Foto: Getty Images)

FONTE:

Nenhum comentário: