quinta-feira, 3 de abril de 2014

Olimpíadas em casa: os perigos da internet e a importância do sono

COB programa palestras para conscientizar atletas sobre os efeitos 'do estar conectado' antes e durante os Jogos, e a respeito do poder reparador do sono


Por Rio de Janeiro

volei natalia jogadoras seleção brasil corredor internet (Foto: Globoesporte.com)Jogadoras da seleção de vôlei no corredor do hotel emTóquio 
(Foto: Globoesporte.com)

A caminhada de cerca de 50 metros dos quartos até o ginásio do CT de Saquarema passou a ser feita sem os celulares. Bernardinho queria que aquele momento antes do treino fosse dedicado exclusivamente ao time, sem as distrações das redes sociais. A rotina de estar sempre online, preocupado em abastecer os perfis pessoais, pode parecer algo inofensivo, mas não para o americano John Underwood. Expert em performance e consultor da U.S. 
Navy Seals (tropa de elite da Marinha dos EUA), ele acredita que a "Geração Internet" pode ter seu desempenho comprometido exatamente pelo excesso de estímulo cerebral. Por isso, considera importante que atletas tenham conhecimento de que é preciso levar em consideração o nível de fadiga do cérebro, e que os treinadores tenham conhecimento do estilo de vida de seus comandados quando eles estiverem fora do alcance de seus olhos, nas outras 21 horas do dia.

A experiência de Underwood será usada pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) na preparação para os Jogos do Rio. Ciente de que não terá como proibir em 2016 o acesso da delegação à grande rede, a entidade pretende dar informações para que os possíveis integrantes saibam o que pode ou não ser benéfico antes e durante o evento. O objetivo é tentar minimizar tudo que possa aumentar a pressão de competir em casa. De acordo com Jorge Bichara, gerente geral de performance esportiva do COB, o "efeito internet" pode mexer emocionalmente com os atletas, que ficariam expostos não apenas aos elogios, mas às críticas, conselhos e xingamentos. O aspecto do sono também é relevante.

- A última fronteira do desempenho humano será o cérebro. Nos próximos dez anos, a maior parte do desempenho humano vai ser sobre impulsos cerebrais e estrutura muscular. O corpo se recupera de forma diferente do cérebro. Sacrifícios eram mais fáceis nas duas últimas gerações. Atletas hoje querem viver a vida como todo mundo, e a sobrecarga de informações os afeta. 
Precisam entender que o excesso de estímulo cerebral pode afetar o desempenho. E isso é algo tão importante quanto o treinamento e é preciso prestar atenção - disse Underwood, que já trabalhou com os Comitês Olímpicos dos Estados Unidos e do Canadá. 


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Ver TV demais, jogar videogame demais, estar conectado e exposto à luz azul por muito tempo "não deixam o cérebro desligar". Contribuem para comprometer o processo de recuperação, considerado por ele tão importante quanto o treinamento. O especialista inclui também na lista o uso de álcool e maconha.

- Não dormir afeta a frequência cardíaca, a função muscular e a liberação de hormônio. Alguns atletas são obsessivos compulsivos e acham que não podem tirar um dia de folga. Mas eles têm que lembrar que o cérebro também precisa descansar. O que afeta o desempenho é o sono. Se você dorme uma hora e meia menos do que está acostumado, o estado de alerta diminui em até 30% o tempo de reação ao estímulo. O álcool impede o sono REM (fase que restabelece a parte psicobiológica e cognitiva), diminui a capacidade de saltar, afeta a visão e o sistema imunológico, fazendo com que lesões demorem mais a serem curadas. A maconha faz o tempo de reação ser afetado, além da comunicação entre áreas do cérebro. Se você não teve um bom desempenho, posso dizer em nove de dez vezes que não foram seus músculos, mas seu cérebro. 

Bicampeão olímpico dos 400m rasos, Michael Johnson acompanhou a palestra do especialista no ano passado, durante o Fórum Internacional sobre Esportes de Elite realizado na sede do COB. Também vem tentando se adaptar a uma realidade diferente da que viveu nos tempos em que dominava as pistas. 
Atualmente, ele presta assessoria técnica aos atletas e treinadores brasileiros através de seu instituto, em Dallas, nos Estados Unidos. 

- Os atletas são muito jovens e não tão amadurecidos como a última geração. Eles têm que atualizar Facebook, Twitter... Eu tenho que entender que isso faz parte da vida deles, embora ache ridículo. Eles têm muitas distrações - afirmou na ocasião. 

John Underwood consultor COB atletas (Foto:  Heitor Vilela / COB)John Underwood durante palestra na sede do COB (Foto: Heitor Vilela / COB)

Para tentar evitá-las, a psicóloga da seleção brasileira de handebol, Alessandra Dutra, diz que está sendo feito um trabalho nas categorias de base a respeito do uso do celular e da internet.

- No futebol, já participei de equipes importantes onde a comissão técnica recolhia todos os celulares. No handebol, para disciplinar, os telefones são recolhidos para quando chegarem ao profissional já estarem acostumadas. É importante para não gerar um desgaste, uma foto- estimulação e também informações que possam afetá-las. Se um atleta vê uma manchete falando mal dele, pode ficar vulnerável e não se recuperar no dia seguinte.

Cesar Cielo sabe bem disso. Ao longo da carreira, aprendeu a se proteger das palavras que exerciam um poder perigoso sobre ele. Criou uma regra de ouro para poder conseguir entrar num clima de isolamento para um campeonato.

- Na verdade, duas ou até três semanas antes de uma competição como essa eu tenho uma regra de não entrar na internet. Qualquer notícia, qualquer coisa que saia eu acabo não vendo porque acho que atrapalha. Pode mudar o seu humor, o seu pensamento. É uma das poucas regras que eu tenho, mas que eu acho que é uma das mais importantes... Então, ficar bem focado no que estou fazendo, não entrar na internet, ficar pensando apenas naquilo que você acha que é importante e aí, depois que passar a prova, não tem mais problema. O mais importante é não deixar nada externo mudar a sua confiança, o seu humor, a sua sensibilidade. É uma das coisas que tento fazer todas as vezes que tem uma competição grande e importante - disse Cielo. 
sono

Nem todos conseguem estabelecer uma rotina como o tricampeão mundial. Nem todos conseguem ter um sono tranquilo às vésperas de uma competição importante. O COB vem preparando uma palestra para explicar a função do sono no processo de recuperação. O responsável será Marco Tulio de Mello, professor doutor da disciplina de Medicina e Biologia do Sono do departamento de Psicobiologia da Unifesp.  No ano passado, 120 atletas brasileiros foram submetidos a exames para identificar distúrbios do sono.
 
Cesar Cielo natação Mundial Barcelona (Foto: Getty Images)
Cielo evita a internet antes e durante 
competições importantes para manter 
o foco (Foto: Getty Images)

- No período que a gente dorme tem duas fase fundamentais. A delta é importante para a recuperação física. É quando é liberado o GH, hormônio que ajuda a recuperar todas as questões físicas. A do sono REM restabelece a parte psicobiológica e cognitiva. Nesse trabalho, observamos quais atletas não passam bem por essas fases, que têm ronco, apneia, movimentam as pernas ou rangem os dentes. Os que têm apresentam um sono pobre e acabam não se recuperando. Com o conhecimento de dados que temos vamos poder ajudá-los no dia a dia, passando conhecimento para os técnicos e fisioterapeutas também. Nesses exames que fizemos, não chegou a 5% o total com distúrbio. Eu não esperava isso. Na população em geral, a média é de 65%. Em São Paulo, o percentual chega a 82% - disse Marco Tulio.

A ansiedade de disputar as Olimpíadas em casa também é um fator que pode afetar a performance. A insônia pode prejudicar uma saída, roubando do atleta o reflexo, a atenção e a concentração.

- O atleta que não consegue dormir na véspera de uma estreia não vai passar no sono delta e vai chegar cansado fisicamente. Não vai ter a concentração adequada porque não passou pelo sono REM. Com o trabalho, podemos associar dados do sono, do estresse, da ansiedade, características de depressão para saber quais atletas podem ter um quadro agudo de insônia. É importante também fazer um trabalho onde tenha controle emocional. O atleta tem que entender também que na hora de dormir o celular não pode ficar ligado. Para se concentrar, é preciso se afastar um tempo da internet. Essas mídias trazem o fator positivo de interação e acesso ao conhecimento. Mas o negativo é que se distancia das pessoas mais próximas. O atleta é um somatório de detalhes. A falta de qualquer um pode levar à perda de medalha. O que não entende que é preciso descansar e se recuperar é um desastre total durante uma competição. Ele chega mais cansado e não rende - afirmou Marco Tulio, lembrando que trabalho semelhante já foi desenvolvido pela Austrália e Estados Unidos. 


FONTE:
http://globoesporte.globo.com/olimpiadas/noticia/2014/04/olimpiadas-em-casa-os-perigos-da-internet-e-importancia-do-sono.html

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