Carioca tenta esticar a carreira até o
Open, mas se despede do vôlei no Rio de Janeiro. Ex-parceiras recebem
elogios, mas CBV é motivo de mágoa e queixas
Por Helena Rebello
Rio de Janeiro
O sorriso fácil de Renata Trevisan em breve só será visto na praia em
momentos de lazer. Quarta colocada nos Jogos de Pequim ao lado de
Talita, a carioca repensou trajetória e planos e, após um ano de
“intenso conflito interno”, decidiu parar de jogar o vôlei das areias.
Dividida entre a necessidade de viajar pelo mundo para cumprir o
calendário da modalidade e a vontade de acompanhar de perto o
crescimento do filho Felipe, agora com pouco mais de dois anos, a
defensora fará suas últimas partidas como profissional em casa, no Rio
de Janeiro. A partir desta sexta-feira, o esforço final em quadra será
para prolongar a carreira em apenas mais uma semana. No Nacional, Renata
buscará a classificação para o Open para dar adeus de volta à elite,
que competirá de 7 a 9 de dezembro na Praia de Copacabana.
Em entrevista ao SporTV.com, Renata relembrou alguns episódios
marcantes de sua carreira e reverenciou Adriana Behar e Shelda, além de
ex-parceiras e treinadores. Não poupou, no entanto, críticas à
Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), que recusou seu pedido de um
wild card (convite) para que a despedida fosse confirmada para o
principal Circuito organizado pela entidade no país.
- Vejo minha carreira como vitoriosa. Batalhei muito e não tive nada
fácil. Corri muito atrás, investi dinheiro, contei com “mãe e
paitrocínio” para conseguir as coisas e dou muito valor a isso. Eu vivi
para o vôlei e fiz tudo por ele. (...) Hoje eu saio triste porque acho
que o vôlei de praia está regredindo. Acho que o que foi conquistado na
época de Adriana Behar e Shelda parece estar regredindo. Não acho que
está fazendo bem para o vôlei. Acho que há falta de reconhecimento da
CBV, não só comigo, mas com vários atletas. Realmente fico chateada com a
forma como eles tratam atletas que representaram o Brasil, sem qualquer
consideração - disse Renata, que completa 31 anos no dia 7 de dezembro.
Abaixo, confira a entrevista na íntegra.
O sorriso fácil de Renata: quarta colocada em Pequim se despede do vôlei (Foto: Helena Rebello/Globo.com)
GLOBOESPORTE.COM: No início deste ano você ainda sonhava com os Jogos de 2016. Quando decidiu parar?Renata: Eu
tinha objetivos maiores e queria jogar até 2016, mas o fato de ter que
viajar todo o Circuito Mundial de novo me deixava triste ao pensar no
meu filho. Ter que viajar, ficar de dois a três meses fora, me deixava
triste. Esse foi um ano de conflito interno muito grande. Minha lesão no
ombro direito (tendinite) estava séria e, conversando com o meu coach
sobre o que poderia me fazer feliz, e vi que não era mais jogar vôlei.
Quando eu consegui assumir isso para mim, porque era difícil, parece que
as coisas melhoraram. Meu ombro melhorou, parece que tirei uma pressão
que estava em cima de mim.
Talita e Renata brincam com o técnico Abel, que as
comandou em Pequim (Foto: Divulgação/CBV)
Já pensou o que vai fazer daqui em diante?
Não tenho planos ainda. Jogar e treinar são as únicas coisas que tenho
certeza que não quero fazer. Devo terminar a faculdade de Fisioterapia,
pois só falta agora cumprir o período de estágio. Quero ter um diploma,
mas não sei se quero atuar na área. Ainda estou pensando. Gosto muito da
parte de administração, então talvez eu faça algum curso para gerar
oportunidades nesta área. Meu marido está ampliando a empresa dele e
quer que eu vá trabalhar junto. Não sei se é isso que quero para minha
vida, mas pelo menos não vou ficar parada. Estou aberta a propostas.
Fazendo uma análise da sua carreira, qual considera seu melhor ano?
Foi 2008, sem dúvidas. Disputar as Olimpíadas é o ápice para qualquer
atleta, e eu consegui. Vejo minha carreira como vitoriosa. Batalhei
muito e não tive nada fácil. Corri muito atrás, investi dinheiro, contei
com “mãe e paitrocínio” para conseguir as coisas e dou muito valor a
isso. Eu vivi para o vôlei e fiz tudo por ele. Eu fiz ioga para melhorar
o vôlei , qualquer coisa para melhorar meu vôlei. A partir do momento
em que eu tive que me dividir, comecei a repensar. Eu passei a sentir
que eu não estava me dedicando mais 100% e, por isso, não conseguia mais
ficar feliz.
Você e a Talita se classificaram para
Pequim como segunda dupla e, com toda expectativa pela recuperação ou
não da Juliana, ficaram ainda mais em segundo plano. Em algum momento
isso incomodou?
Tudo isso que aconteceu com a Juliana foi ótimo para mim e para a
Talita, porque a imprensa ficou toda nela e na Larissa para saber se ela
estava bem. Elas tinham ganho tudo, eram o time número 1, então a
pressão estava com elas. Quando a Ana Paula chegou (para substituir
Juliana), o foco continuou com elas. Achamos ótimo. Quando elas foram
eliminadas o foco voltou para a gente, mas já tínhamos superado a parte
mais difícil, estávamos amadurecidas no torneio. Éramos quintas do
ranking e já tínhamos cumprido o nosso papel. Chegando nas semifinais,
estávamos acima da nossa posição no ranking. Estávamos bem tranquilas.
Quando a pressão passou para a gente, já estávamos preparadas.
Qual foi a derrota mais dolorida, a da semifinal ou da disputa de terceiro lugar?
Nas semifinais perdemos para Walsh e May, de quem nunca tínhamos
vencido. Na época elas eram imbatíveis, e só Juliana e Larissa, poucas
vezes, haviam vencido. O mais doído foi o terceiro lugar. A
dupla era difícil (as chinesas Chue e Zhang Xi), mas cada dupla tinha
ganho cinco confrontos até então. Sabíamos que tínhamos condições de
ganhar, e foi por isso que doeu mais.
Da alegria pela classificação às semis à decepção pela perda do bronze em Pequim (Foto: Divulgação/CBV)
No final de 2008, quando você e a Talita encerraram a parceria, ela ficou com a comissão técnica. Como foi esse episódio?
Foi difícil porque já estava com o Abel (técnico Abel Martins) há seis
anos (quatro com Talita e dois com Shaylyn). É um cara que eu adoro, mas
acontece. Ele ficou com a Talita, que formaria um time bom com a Maria
Elisa. Tanto que foram para mais uma edição das Olimpíadas. Mas no final
foi bom para mim. Eu estava há seis anos com o mesmo técnico, e ter
treinado com outro, que foi o Pompilho (Mercadante, atual técnico de Val
e Taiana), foi essencial para o meu crescimento. Foi muito importante
ver o vôlei através de outra pessoa.
Quando você se sentiu de fato como referência para a dupla em termos de experiência?
Depois das Olimpíadas. A partir de então eu tinha esse conhecimento a
passar. Eu fui jogar com a Val e sentia que ela esperava isso de mim,
que eu a comandasse dentro do jogo e passasse tudo para ela. Engraçado
que foi com ela que eu mais aprendi. Ela é quem eu mais admiro no vôlei
de praia e é minha amigona hoje em dia. Ter treinado com ela e o
Pompilho foi o meu maior crescimento. Na hora fiquei chateada por perder
a comissão que eu amava, uma parceria vitoriosa, mas foi bom depois.
Renata e Val em 2009: dupla foi prata no Grand
Slam de Moscou (Foto: Divulgação / CBV)
Tem algo que você faria de diferente ou de que se arrependa em sua trajetória?
Não mudaria nada. Sempre fui honesta com as minhas parceiras. Tenho
certeza de que todas falariam isso de mim. Sou amiga de todas as
parceiras que eu tive, talvez mais agora do que quando jogávamos juntas.
A relação que temos nessa experiência é o que fica. Hoje sou amiga da
Talita, da Val...
Você se considera querida pelos colegas de profissão?
Acho que sim. Sempre fui muito correta nas minhas atitudes, e acho que
as pessoas me admiram por isso. Sempre fui honesta. Mas acho melhor
perguntar para os outros. Vejo pelo carinho das pessoas quando parei de
jogar para ter meu filho, quando voltei e agora também. Esse é o maior
reconhecimento.
Qual a melhor dupla que você já enfrentou?
Tecnicamente, indiscutivelmente foram Adriana Behar e Shelda. A Behar é
baixa e jogava tão bem quanto a Walsh com 1,90m. Tecnicamente é uma
dupla perfeita e que lutou muito por tudo o que conquistou. Elas sempre
defenderam os direitos dos atletas e bateram de frente com gente grande
por isso. Lembro da primeira vez que ganhei delas. Eu já tinha vencido
outras duplas importantes, mas meu pai me cobrava que nunca tinha as
tinha vencido. Já no final de 2005, eu e a Talita ganhamos delas numa
final (do Open de Bali, na Indonésia, em setembro). Na mesma hora liguei
para o meu pai e ele falou “Até que enfim, hein?!”.
O que você levar de melhor do vôlei de praia?
Ter conhecido o mundo através do esporte, fazendo o que eu mais amava.
Ter ido para as Olimpíadas foi a melhor coisa da minha vida até então, e
só foi superada depois pelo nascimento do meu filho. Além dos amigos
que conheci e vou levar para o resto da minha vida.
Elize Maia e Renata desenham jogadas na areia
(Foto: Helena Rebello/Globoesporte.com)
E do que você menos gosta no esporte?
Posso falar? Hoje eu saio triste porque acho que o vôlei de praia está
regredindo. Acho que o que foi conquistado na época de Adriana Behar e
Shelda, do ranking feminino ser igual ao do masculino (hoje há 16 times
no masculino e 12 no feminino nos Opens), aumento de premiação, tudo
isso parece estar regredindo. Não acho que esteja fazendo bem para o
vôlei. Acho que há falta de reconhecimento da CBV, não só comigo, mas
com vários atletas. Realmente fico chateada com a forma como eles tratam
atletas que representaram o país, sem qualquer consideração hoje.
Você
se refere ao fato de não ter recebido um wild card para o Open do Rio
de Janeiro? (Renata disputará o Nacional, que classifica os finalistas
para o Open)
Não foi só isso. Tem muito mais coisa por trás. Fiquei triste por não
ter ganho o wild card, como acho que eles deveriam ter dado para a Carol
(Solberg) quando ela voltou da gravidez, para o Bernardo e para o Léo,
que venceram em Curitiba. A falta de critério deixa as pessoas à mercê
deles. Se você não faz o que eles querem... Não tem nenhuma conversa com
a CBV. Fico realmente chateada com a falta de reconhecimento da minha
confederação, das pessoas que me comandam e fazem o campeonato. Eu estou
no Rio de Janeiro, na minha casa, e não ganho um wild card na minha
última etapa. É chato.
De que você vai mais sentir falta?
De competir. Gosto de brigar por alguma coisa, de ter um objetivo e
fazer de tudo para alcançar. Mas não sei se vou sentir falta mesmo.
Depois que eu tive filho, minha vida mudou. É como se eu estivesse
vivendo outra vida. Estar com ele hoje, não perder nenhuma festa na
creche dele é o que vale para mim.
E se ele quiser jogar vôlei?
Vai ter o meu apoio. Ele adora vôlei e, quando vê na televisão, fala:
“Estão jogando igual mamãe”. Vou incentivar o esporte de modo geral. Ele
já faz natação, capoeira e judô na creche. Não vou forçar nada mas, se
ele quiser jogar vôlei, vai ter meu total apoio.
Renata com o filho Felipe e o marido Alexandre: família fez o vôlei perder espaço (Foto: Arquivo Pessoal)
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