sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Do outro lado: legião de brasileiros naturalizados quer brilhar no Mundial

Por diferentes motivos, sete judocas que nasceram no país vão defender seleções como Guiné-Bissau, Canadá, Líbano, Portugal, Grécia e Israel

Por Gabriel Fricke Rio de Janeiro

De 26 de agosto a 1º de setembro, o Maracanãzinho vai receber 783 judocas (477 homens e 306 mulheres) de 124 nações diferentes para o Mundial de judô do Rio de Janeiro, que terá transmissão do SporTV. E, entre os brasileiros que lutarão em casa, diante de sua torcida, a competição terá um gosto diferente para pelo menos sete deles que, mesmo tendo nascido por aqui, estarão do "outro lado".

Taciana Lima (48kg), Nacif Elias (81kg), Victor Karabourniotis (73kg), Camila Minakawa (57kg), Sérgio Pessoa (60kg), Carlos Luz (81kg) e Hernan Birbrier (60kg) se naturalizaram e vão defender outras bandeiras. Guiné-Bissau, Líbano, Grécia, Israel, Canadá, Portugal e Argentina, respectivamente, são os países que abriram os braços para os brasileiros. Ou seja, uma verdadeira legião de naturalizados na principal competição da temporada 2013.

Montagem judocas naturalizados (Foto: Editoria de Arte)Brasileiros naturalizados competem por outros países no Mundial do Rio (Foto: Editoria de Arte)
 
As histórias, trajetórias e motivos que levaram cada judoca a vestir as cores de outra nação são diversos. Mas todas convergem em um ideal comum: tornar-se ídolos e estar em grandes competições, de olho, é claro, nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016. O fato é que, se é um dos maiores exportadores de craques para a Europa e outros grandes centros no futebol, o Brasil começa a ter sua qualidade reconhecida internacionalmente também no judô, a ponto de atletas de ponta, com passagens pela seleção, buscarem novos caminhos no exterior.

Gostaria de representar a seleção, mas foi o caminho mais fácil para mim"
Victor Karabourniotis
 
- O Brasil evoluiu muito no judô em diversos sentidos. Na estrutura, por exemplo. As chances de entrar aqui ficaram menores. As pessoas estão se profissionalizando cada vez mais facilmente. Gostaria muito de representar a seleção brasileira, mas foi o caminho mais fácil para mim - comentou Victor Karabourniotis, que é judoca do Palmeiras, mas defende a Grécia.

- Meu pai e minha mãe são gregos. Isso facilita bastante. Fomos para a Grécia, fiz uma seletiva e passei. Lá é menos concorrido. Eu lutava por São Paulo e pelo Brasil. Não houve nada de pressão por parte deles. Eu amo o Brasil, não tenho nada contra a seleção. Eu sonho bastante representar o Brasil, mas a seleção grega me dá mais chance no momento. Acho que vai ser uma satisfação muito grande lutar aqui. O coração vai bater mais forte, com certeza - contou o judoca, que mora em São Paulo.

Enquanto Victor se naturalizou grego por conta de sua origem familiar e para ter mais chances, há histórias mais complexas, como a da pernambucana Taciana Lima, que atualmente mora em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O caso dela remete aos anos 80, quando o pai veio da Guiné-Bissau para o Brasil estudar, conheceu sua mãe e a engravidou. Os dois perderam contato. Após encontrá-lo pela internet, ela só falou com o guineense pela primeira vez, por telefone, em 2007, e o conheceu dois anos depois, na África.

taciana lima judo guiné-bissau (Foto: Reprodução/Twitter) 
Taciana Lime defende o amarelo, preto, verde e vermelho da Guiné-Bissau (Foto: Reprodução/Twitter)
 
Campeã africana neste ano, a atleta acredita que já deu sua contribuição para o Brasil. Além disso, um dos outros motivos que a levaram a defender as cores da Guiné-Bissau foi a idolatria. Segundo ela, no país da África, há uma carência por ídolos no esporte. Por lá, também falta estrutura. Taciana relata que há poucos praticantes de judô e não há nem tatame.

- Eu não consigo ver assim, tipo, 'não estou representando o Brasil'. Ganhei muitas medalhas pelo Brasil, contribuí bastante. As crianças me têm como referência aqui e é gratificante. Estou com 29 anos e é uma oportunidade que apareceu. Aqui é muito comum uma judoca ser campeã pan-americana, por exemplo. Lá é muito difícil ser campeã africana. Recebi muitas mensagens emocionantes das pessoas depois de vencer. A Guiné-Bissau é um país muito pobre mesmo. Não é fácil. Eles me têm como uma heroína. E o fato de ter trocado o Brasil, um país rico, com estrutura, pela Guiné-Bissau é um orgulho para eles - comentou Taciana, que acredita ter grandes chances de medalha, mesmo sabendo que terá pela frente, em sua chave, a atual campeã olímpica Sarah Menezes.

Nacif Elias 'vira' libanês por dificuldades financeiras e liberdade de escolha de torneios
Outro caso de atleta naturalizado é o de Nacif Elias, que optou por vestir o quimono com a bandeira do Líbano. Vindo de família libanesa, ele afirma que se viu em dificuldades financeiras para seguir a carreira no Brasil. Na opinião do judoca, o nível técnico no país está muito alto, mas faltam clubes, por exemplo.

Nacif Elias em ação pelo Líbano (Foto: Arquivo pessoal) 
Nacif Elias em ação pelo Líbano, de quimono branco (Foto: Arquivo pessoal)
 
Além disso, a questão da liberdade de escolha das competições que vai disputar pesou. De acordo com ele, quando defendia a seleção brasileira, era preciso seguir o que a  Confederação Brasileira de Judô (CBJ) determinava, como lutar na categoria médio (90kg), ao invés dos seus originais 81kg, meio-médio.

- Os atletas vão ficando mais velhos e perdem privilégios. O bolsa-atleta, por exemplo, um ou outro só que ganha. Pela parte financeira, eu parti para o Líbano, que me deu mais oportunidades. Em questão de estrutura para treinar, ainda está atrás do Brasil, mas deram quimonos, dinheiro para comprar suplementos, e vão dobrar minha premiação quando eu ganhar uma competição. Não estava gostando de competir fora dos 81kg, quero dar sequência nessa categoria. Me sinto mais forte. Aqui temos apenas três ou quatro clubes grandes. Eu vejo que alguns estão migrando por falta de oportunidades. O Brasil investe muito na base, mas se esquece dos atletas de 25, 26 anos. Eu me naturalizei por conta da minha liberdade. Não tenho nada contra o Brasil, só a agradecer. Eu queria só liberdade para poder competir as minhas competições e meus campeonatos - disse Nacif, acrescentando ainda que os libaneses buscam uma referência no esporte, assim como o caso de Taciana, e os guineenses.

- Eles estão precisando de um ídolo. Quero ser o ídolo dessa galera. O Líbano vem em uma crescente. Eu nunca estive tão bem treinado. Abdiquei três ou quatro anos da minha vida só para esse Mundial. O maior problema dos atletas do Brasil é que não são atletas mesmo. Estou focado aqui. Espero que dê um bom resultado. Me esforcei o máximo possível para levar meu título, não só para o Líbano, mas para o Espírito Santo e o Brasil também. Afinal, eu sou naturalizado, mas nasci aqui, né? - brincou o agora libanês, que conta que, após o Mundial de Judô do Rio de Janeiro, segue para o Líbano para treinar e, mais tarde, para os Jogos da Francofonia, em Paris, na França.

Sérgio Pessoa: mudança de país em busca da qualidade de vida quando novo

judoca Sérgio Pessoa (Foto: Reprodução / Facebook Oficial) 
Sérgio Pessoa (à esquerda) defende o Canadá (Foto: Reprodução / Facebook Oficial)
 
A história do judoca Sérgio Pessoa é um pouco diferente das de Taciana, Nacif e Victor. Ele se mudou para o Canadá quando novo pelo desejo de sua família de buscar mais qualidade de vida, não pelo esporte. A naturalização ocorreu porque a confederação do país o ajudou desde que passou a praticar o judô em Montreal.

- Mudei para o Canadá porque minha família decidiu viver fora do país em busca de novas oportunidades e qualidade de vida. Hoje moro no Canadá com meus pais e irmãos. A confederação de cudô do Canadá sempre me ajudou na minha carreira desde o início. Mesmo quando ainda não era naturalizado. Fui muito novo, em 2005, e não foi por causa do judô.

judoca Sérgio Pessoa (Foto: Reprodução / Facebook Oficial) 
Sérgio Pessoa posa para foto com o uniforme canadense (Foto: Reprodução / Facebook Oficial)
 
Para Sérgio, o judô brasileiro tem ótima estrutura. Além disso, dá apoio financeiro e tem bons resultados reconhecidos internacionalmente. Contudo, ele explica que, por conta da grande concorrência, muitos dos lutadores precisam buscar chances de brilhar por outras bandeiras.

- O judô do Brasil tem bons clubes, atletas, técnicos e patrocinadores. A seleção recebe um bom apoio financeiro e, além disso, tem ótimos resultados no circuito internacional. Não sei quais são os motivos que levaram outros atletas a lutar por outros países. Pessoalmente, vejo o Brasil como uma potência do judô e com muitos atletas de qualidade. A mudança de nacionalidade de alguns atletas pode ter sido por falta de espaço na seleção, justamente porque há muitos atletas de alto nível - relatou Sérgio, que se diz bem preparado para o Mundial de Judô e satisfeito com a oportunidade de lutar no Rio de Janeiro.

- Lutar no Rio sempre é diferente porque tenho amigos e familiares que sempre me acompanham. Então é uma sensação legal de lutar aqui, mas hoje me vejo bem integrado no meu país (Canadá) e na seleção canadense. Não penso em lutar pelo Brasil - concluiu.

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