terça-feira, 23 de julho de 2013

De máscaras da morte a apitos: a saga de uma torcida que não desiste

Atlético-MG chega à decisão da Taça Libertadores com fé no apoio dos torcedores, que deixam de lado a vantagem do Olimpia no jogo de volta

Por Diego Rodrigues Rio de Janeiro

O som ecoa: “Eu acredito!” E não são apenas aqueles fanáticos que contribuíram para uma média de público de 19 mil no estádio Independência durante a disputa da Taça Libertadores. Multiplique algumas vezes, chegue ao número total de torcedores do Atlético-MG espalhados pelo país e some todo o tipo de crença. Jogue dentro de um caldeirão “uma torcida apaixonada”, como costuma bradar, e chegará ao motivo de toda a mobilização do “Galo, um time de massa”. Ainda assim ficou sem entender a razão de ter gente acampada, dormindo, cantando, emocionada e virando noite à beira de um gigante Mineirão ainda adormecido? Tudo isso duas semanas antes do grande evento.

Não, você não está diante de uma manifestação. Ao menos não daquelas motivadas pela insatisfação política. Neste momento eles querem se manifestar, mas querem manifestar uma paixão impossível de ser descrita em palavras. Queriam apenas garantir seus ingressos para o que pode ser o jogo mais importante da história dessa paixão chamada Clube Atlético Mineiro. Afinal, quando pisarem no Mineirão às 21h50m (horário de Brasília) de quarta-feira, todos, com todas as letras, vão acreditar: “Yes, we C.A.M” - uma alusão do Atlético-MG ao slogan de campanha de Barack Obama nas eleições presidenciais nos Estados Unidos de 2008, que dizia "Yes, we can" ("Sim, nós podemos").

Vão acreditar que vencer por três gols de diferença do Olimpia não é um absurdo. Vão acreditar que aquela reluzente taça precisa terminar a segunda partida da decisão da Libertadores na mão de Ronaldinho Gaúcho. Até porque “Ronaldinho é o terror”. E se ele não conseguir balançar a rede, “Tardelli, gol, gol!” E, se os paraguaios quiserem se aproveitar de contra-ataques, “uhu, uhu, Pierre é pitbull”. Se ainda assim abrirem espaço para uma finalização, precisarão lembrar que “é o melhor goleiro do Brasil, Victor”.

chamada_Botaoteca_Atletico-MG (Foto: Infoesporte)
Todos que caíram no Horto terminaram mortos. Foi assim desde o reencontro da massa com a Taça Libertadores após 13 anos, na estreia contra o São Paulo, diante de 18.187 pagantes, no dia 13 de fevereiro. Um tipo de simbiose tão natural que é capaz de criar uma atmosfera que não permite outro resultado que não seja o triunfo. Triunfos que vão de duas vitórias simples (2 a 1 contra São Paulo e The Strongest) e uma goleada (5 a 2 no Arsenal-ARG) de impossibilitar gritos, de olhares fixos, tudo para ver uma atuação magistral de Ronaldinho na fase de grupos, seguida de um passeio por 4 a 1 em novo encontro com os paulistas, agora pelas oitavas de final.
Mas passam também pelos semblantes preocupados, carregados de tensão e silêncio capazes de remeter ao funeral mais dolorido. Só que a morte anunciada nunca convenceu ninguém no Independência. Por mais que muitos estivessem devidamente equipados com a “máscara da morte”, quem falece em Minas Gerais não é o atleticano. Mesmo que o adversário consiga ter um pênalti aos 48 minutos do segundo tempo para avançar nas quartas de final, “caiu no Horto, está morto”. Lembrando: “é o melhor goleiro do Brasil, Victor”. Riasco precisou ver de perto a bola tocar nos pés do camisa 1 para entender bem isso. O Tijuana-MEX ficou para trás. O presidente Alexandre Kalil chorou. Milhares choraram.

A emoção tem uma pitada de desconfiança. A superstição que aquela máscara criou não parecia muito confortável. Foram abolidas em boa parte. Que tal um novo artifício? Se os gritos saíram com tanta empolgação e força, por que não utilizar todo esse fôlego para desestabilizar argentinos sedentos por uma vaga na final? Era preciso assustá-los e motivar seu próprio time a reverter a derrota por 2 a 0 fora de casa. Apitos espalhados, pulmões inflados, barulho ensurdecedor, mosaico tatuando no estádio o que eles mais aprenderam a fazer em casa: “vencer”, dizia. Teve de tudo contra o Newell’s Old Boys, pela semifinal. Paralisação por falta de luz, tempo para atendimento do goleiro Guzmán... Nesse meio tempo, o que passa pela cabeça? Atleticanos só queriam deixar bem claro: “Eu acredito”, com gritos repetidamente insistentes.
Faltava um gol. Viria o destino, irônico como ele só. Aos 50 minutos, uma explosão da massa: 2 a 0 para o Galo. Se existia algum resquício de azul da época de Cruzeiro no sangue de Guilherme, pode ter certeza que ele descoloriu para um branco de paz, paz com a torcida. E foi tingido de preto, o preto da morte, pois quem cai no Horto e não é Galo está morto, meu amigo. Veio Victor de novo, mais um pênalti defendido e... para eles o goleiro é o melhor do Brasil e ponto. Passou a disputa por pênaltis, classificação garantida e virou uma arena cheia de “galo dooooooido, doido, doido, doidooooo!” O Atlético-MG, sim, ao lado da torcida, estava pela primeira vez na final da maior competição sul-americana de clubes.


Mosaico Torcida Atlético-MG (Foto: Editoria de Arte)
O primeiro jogo da decisão foi longe, no Paraguai, estádio Defensores del Chaco. A derrota por 2 a 0, bem no fim, não desanimou os os que lá compareceram e em alguns momentos chegaram a fazer mais barulho que os locais. Também não desanimou os que se dispuseram a ir ao aeroporto de Confins, de madrugada, receber o time em plena quinta-feira pós-derrota. E não desanimou aquele atleticano que entregou, em um restaurante, um bilhete para Diego Tardelli dizendo: “Eu acredito”. Mais: vai duvidar de alguém capaz de ajoelhar na frente de Cuca?
- Um cara ajoelhou na minha frente e disse: "Cuca, a minha vida está nas tuas mãos, salve a minha vida". E não é um que fala isso, porque esse é o título que eles querem - conta o treinador.
Na quarta-feira, quando a bola rolar, eles vão pedir: "Vai pra cima deles, Galo!" Exigirão: “lutar, lutar, lutar! Vencer, vencer, vencer!” Eles acreditam que o Galo é o time da virada, o time do amor. Mas, mais que isso, fazem questão de deixar bem claro: “Atlético, gostamos muito de você, êêê. A alegria de viver. Quando te vemos vencer, entidade venerada por milhões, contagiando multidões de gerações em gerações. Sentimento de amor sincero ao Alvinegro”.

O Independência estará impossibilitado de receber o jogo por ter capacidade inferior (23 mil) à exigida pela Conmebol para a decisão, que pede 40 mil no mínimo. O palco, o Mineirão, tem capacidade para 63 mil. Todos, dentro ou fora, acreditam, acreditarão. Até porque, “Yes, we C.A.M”.

torcida atlético-mg CT  (Foto: Fernando Martins) 
Torcida do Atlético-MG dá força ao time antes do jogo contra o Newell's, pela semi (Foto: Fernando Martins)
  
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/atletico-mg/noticia/2013/07/de-mascaras-da-morte-apitos-saga-de-uma-torcida-que-nao-desiste.html

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