Apaixonado pelo time, Lito Villagra, de 62 anos, mantém há uma década o site de apoio ao Querido do Paraguai - sem mudar o visual que lembra primórdios da internet
Em um quarto dos fundos de uma grande casa de arquitetura
antiga, na rua Paseo de las Delícias, em Assunção, Carlos Villagra se mantém
concentrado à frente do computador, que ruge diante de seus quase dez anos
de uso. Jornais cujas capas têm o Nacional-PAR como protagonista se espalham
por todo o quarto, que tem ainda uma camisa enquadrada, flâmulas, cachecóis, o
tambor de um dos filhos e vários outros adereços tricolores como decoração.
Todos servem de inspiração para que Carlos, mais conhecido como Lito Villagra,
abra o seu Front Page para fazer o post diário no site NacionalQuerido.com.
A
página lembra visualmente os primórdios da internet e cintila o branco,
azul e vermelho,
quase em comunhão com o restante dos adereços do cômodo. Sem pressa,
Lito
escolhe as palavras para atacar a Conmebol, que suspendeu o paraguaio
Riveros
com três cartões amarelos para a final, mas antes já havia perdoado
Romagnoli,
do San Lorenzo, e Marcone, do Arsenal de Sarandí.
“Conmebol tramposa” é o
título preparado por ele, algo como “Conmebol trapaceira”. Nada de novo
para um
dos torcedores mais conhecidos do Nacional-PAR, que recebe o San Lorenzo
nesta quarta-feira, às 21h15, no jogo de ida da final da
Libertadores 2014.
Lito Villagra usa o site criado por ele
para criticar a Conmebol às vésperas
da final da Libertadores
(Foto: Daniel Mundim)
Há dez anos Lito Villagra, de 62 anos, gasta tempo e
dinheiro para manter o seu site. Sozinho. Ainda que sempre admita que não saiba
mexer na internet. Há dez anos o portal tem a mesma cara e o mesmo objetivo:
ser um porta-voz do torcedor “nacionalófilo”, como gosta de chamar. O aspecto
rústico, as cores gritantes e o exagero no culto ao clube são marcas
registradas do domínio, que chegou a ter 10 mil acessos por mês com a boa fase
do Nacional na Libertadores. Os ataques aos adversários contrastam com a atenção
e a hospitalidade do senhor, que é médico, mas já foi de comerciante a
radialista e escolheu amar o Querido quase que por dó ao clube.
- Vivia em Buenos Aires, na ditadura de Stroessner. Meu pai
era militar e olimpista (torcedor do Olimpia). E eu, por costume familiar,
também era olimpista. Mas lendo os diários paraguaios, comecei a não gostar
mais do Olimpia. Era muito poderoso, favorecido por arbitragens, e um tio avô
meu, do lado de minha mãe, Julio Decoud, foi um dos fundadores do Nacional, e
isso ajudou. Aos 12 anos, em Buenos Aires, eu disse: esse é o meu clube.
Lito começou sua paixão pelo Nacional e esperou muito tempo
para ver glórias. Chegou a ser tesoureiro do clube no início dos anos 1980,
quando o time participou da primeira Libertadores, mas viu o seu time perder
muito espaço. O Olimpia ganhava o apelo dos paraguaios com os seguidos títulos
além do tricampeonato na Libertadores. O Cerro seguia popular. E o Tricolor
virava time de bairro. Em 2004, Villagra decidiu tentar mudar a situação.
Lito Villagra é torcedor fanático do
Nacional-PAR e criou um site em
homenagem ao clube
(Foto: Arquivo Pessoal)
A volta do orgulho nacionalófilo
Após oito anos morando nos Estados Unidos, Lito regressou ao
Paraguai em 2004. A Academia acabara de voltar à primeira divisão depois de
cinco anos na segunda divisão. Diante do pessimismo de torcedores e dirigentes,
o fanático torcedor decidiu tomar uma atitude para resgatar o orgulho perdido
pelos tricolores. Nascia o NacionalQuerido.com.
- Eu escutava dirigentes do Nacional dizendo que éramos
pequenos, pobres, clube de bairro, humilde e eu dizia: ‘Bom, certamente somos
isso, mas não há clube que tenha petróleo. Que seja rico e não dependa de seus
dirigentes e jogadores’. Então decidi que tinha que levantar a autoestima dos
nacionalófilos. Os cinco anos a segunda divisão mataram os poucos torcedores
que tínhamos, porque se iam todos. Até mesmo meu filho, que passou a ser
Olimpia. Aí veio a ideia do site. E usei o Front Page, porque era a única coisa
que eu sabia mexer – relembra.
Estilo retrô: com cores fortes e letras
grandes, site lembra os primórdios da
internet (Foto: Reprodução)
A opção pela já atrasada ferramenta de administração de
sites continua até hoje. Lito não se desapega. Segundo ele, é mais fácil na
edição,
principalmente no que se refere à escolha das cores das letras – que devem
sempre estar bem divididas entre azul, branco e vermelho. É até difícil pedir
ajuda no manuseio do programa, porque poucos ainda sabem a maneira correta de
se usá-la. Sendo assim, quem entrou na página em 2004 e voltou dez anos depois
se deparou com, praticamente, a mesma coisa. Mas isso, para Villagra, é o de
menos.
- Esse é um portal do torcedor do Nacional. É a voz do
torcedor, é a voz que se equivoca, que fica p... que insulta. Não tenho
compromisso como os diários, como o site oficial. Não tenho que falar como
eles. Tenho que falar como os torcedores. Por isso às vezes chamamos o juiz de
f... da p..., porque é o que o torcedor fala. É o que eles gostam. E eu não
poderia fazer nada disso se o site não fosse como é – reitera.
Os dias finais do portal
Apesar do relativo e improvável sucesso – principalmente no
Brasil, onde, segundo Lito, tem a maioria de seus seguidores –, Villagra não
alimentará mais o pitoresco portal em 2015. Após duas cirurgias, problemas na
vista e cerca de 25 mil dólares gastos nos dez anos que mantém o site, Carlos
deve encerrar os trabalhos no NacionalQuerido.com. O domínio tem validade até o
último dia deste ano, e ele não pretende renová-lo.
Fanático pelo Nacional-PAR, Lito Villagra
tem vários objetos do clube espalhados
pela sua casa (Foto: Daniel Mundim)
- A verdade é que tudo tem um ciclo. Já não sou um garoto de
25 anos, e o Nacional já recuperou sua mística. Foi campeão três vezes,
recuperou sua história fantástica, muita gente voltou a torcer, mesmo que sejam
alguns que, depois de 30, 40 anos, tenham voltado só porque o time está na
final da Libertadores. Sacrifiquei muito a minha família pelo Nacional. Minha
esposa trabalhou lá comigo, e olha que ela é torcedora do Olimpia. Então,
resolvi parar. Espero que apareça alguém para continuar o trabalho.
Um legado o site deve deixar. Enquanto o mantinha no ar,
Lito ia à Biblioteca Nacional do Paraguai e investigou 50 anos da Academia. A
pesquisa aumentou sua paixão pelo clube e deve render um livro de anedotas, que
são contadas em pílulas em qualquer resposta que dê sobre qualquer coisa relacionada
ao Querido do Paraguai. O “pioneiro” do futebol no país em tudo, segundo o
fanático.
A atual direção do clube é idolatrada por ele. O atual
presidente, Robert Harisson, é filho de Oscar Harrisson, que salvou o clube da
quase extinção no início deste século. Lito credita a eles o otimismo atual,
que o faz crer no título da Libertadores. Villagra, um dos filhos e mais dois
netos estão garantidos para o jogo de ida no Defensores del Chaco. O título pode não chegar para a Academia. Mas, ao menos, boas
postagens no NacionalQuerido.com estão asseguradas para depois das partidas.
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