domingo, 15 de novembro de 2015

De coração aberto, Hamilton fala de tudo, menos de F-1: "Estou relaxado"


Tricampeão relembra luta contra discriminação no início da carreira, diz não ligar mais para críticas e admite rejuvenescimento com fase solteira: "Nunca me senti tão feliz"




Por
São Paulo


Livio Oricchio - Especialista GloboEsporte.com (Foto: GloboEsporte.com)
Lewis Hamilton, GP do Brasil, Fórmula 1 (Foto: Reuters)Hamilton revela estilo conservador e garante que não perdeu o valor do dinheiro (Foto: Reuters)


Lewis Hamilton é o tipo de piloto que tem muitos fãs no mundo todo, não apenas na Inglaterra, onde nasceu, numa área de classe média ao norte de Londres, há 30 anos. Por mais que o novo padrão de vida que os três títulos mundiais – o último deles conquistado este ano - lhe permitem ter seja até exótico, como se pode entender de suas viagens regulares, com jato próprio, pelo Caribe, Califórnia, Colorado, o primeiro piloto negro na F-1 passa um ar que não esconde sua origem simples.

Neste domingo, ele larga às 14h (de Brasília), em Interlagos, estimuladíssimo a repetir o que seu ídolo, Ayrton Senna, conseguiu em duas ocasiões, em corridas épicas, em 1991 e 1993, pela McLaren. Sai da segunda colocação no grid, pois na pole está o companheiro de Mercedes, Nico Rosberg, com quem teve algumas rusgas por ultrapassá-lo logo depois da largada.

E depois da definição do grid, neste sábado, a declaração de Hamilton não deixa dúvida sobre qual será sua estratégia logo que os faróis vermelhos apagarem: “A melhor chance que terei para assumir a liderança será na largada e nos pit stops”. O inglês vai provavelmente forçar a manobra no S do Senna se tiver a oportunidade.


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O foco da conversa exclusiva do GloboEsporte.com com Hamilton, porém, não é o que ele poderá fazer no 44º GP do Brasil, em Interlagos, neste domingo, mas quem é Hamilton, por ele próprio. O piloto aceitou falar de sua vida pessoal, do que faz quando não está nos autódromos, de seus sonhos, os novos desafios e até do amor.


CONFIRA A ENTREVISTA COMPLETA

Livio Oricchio: Lewis, você é um homem diferente hoje, mais relaxado, ri com maior frequência, demonstra estar em sintonia consigo próprio. Você pode descrever melhor esse seu momento excepcional, como homem e profissional?
Lewis Hamilton: Eu vivo meus sonhos, agora, todos os dias. Desde criança eu queria ser como Ayrton Senna. Colocava enorme pressão em mim mesmo, desde os oito, nove anos (início no kart), e foi assim por muitos anos. Chegar na F-1 não foi fácil para todos nós da família e ser o primeiro negro também a chegar no topo...

Você sentiu resistência por causa disso?
Com certeza, há resistência no mundo todo para uma pessoa de cor dar um salto, conseguir uma promoção, ou seja lá o que for, em qualquer cenário. Na F-1 definitivamente também foi o caso. Comigo, pode-se dizer, tive sorte nesse sentido. Quando cheguei aqui, fui colocado numa caixa fechada e não podia manobrar, ser eu mesmo. Demorou bom tempo até eu poder sair dessa caixa e me sentir, de fato, fora dela.
O sucesso rápido que fiz ajudou a mudar essa situação, capitalizei com isso. (Aos 22 anos, em 2007, Hamilton estreou na F-1, na McLaren, e estabeleceu de cara um recorde impressionante, o de número de pódios seguidos para um novato: nove.)

Você falava das razões de todos o verem diferente este ano, mais sereno e ainda mais eficiente como piloto.Sim, me sinto mais relaxado, hoje, não preocupado com o que dizem, escrevem a meu respeito, não faz a menor diferença para mim. Ok, não é um processo simples e fácil, mas avancei muito nesse sentido.
Esse foi o ajuste que fiz em mim este ano. É como tirar um elefante dos ombros. Vale para qualquer um, no trabalho, na escola. As pessoas que se sentiam como eu na verdade encontram-se dentro de um casulo, impossibilitadas de serem elas mesmas. Tem sido fantástico sentir-se livre.
"Jesus, it is burning!". Jesus, está queimando, diz Hamilton. O sol, no fim da tarde, incide diretamente nas salas das equipes, em Interlagos. A parede para o paddock é de vidro e o ar condicionado não vence o calor gerado com a entrada dos raios solares. Como havia uma equipe do SporTV aguardando a conversa do GloboEsporte.com para realizar a sua entrevista com Hamilton, o piloto pediu o rebatedor, aquele disco grande, usado pelas equipes de TV para refletir a luz, a fim de servir de anteparo e, dessa forma, permanecer na sombra. Hamilton pessoalmente segurou no início o disco, mas depois recebeu ajuda. E quando alguém diz que a nova obra de Interlagos atendeu apenas parcialmente as necessidades da F-1 acaba por ser criticado.
Este ano, estou apenas correndo, desfrutando da minha paixão pela velocidade, e tudo parece fluir muito melhor. Nunca pilotei tão bem.

O que você faz que não fazia antes?
Se há algo que posso apontar é o fato de eu não me apegar tanto às coisas como antes, eu não me preocupo mais com quase nada. Como disse, se as pessoas começam a falar negativamente de mim, eu não deixo me afetar, não trago para dentro de mim.

Costumava incomodá-lo?
Automaticamente, sim. Acredito que a maioria aqui tem bom coração, claro, alguns não. Algumas pessoas, às vezes acontece, não têm intenção de te atingir negativamente, mas seus comentários não passam uma sensação agradável. É o mesmo que uma criança na escola ouvir que é feia, o cabelo também é feio.
Agora criei barreiras e essa negatividade fica fora. Tudo o que dizem, escrevem tem zero diferença em mim, porque sei quem eu sou, quais são os meus valores, em parte também porque estou crescendo como homem. Não preciso da avaliação de ninguém, apenas Deus pode me julgar. No fim, o importante é saber que minha família e meus amigos sabem quem eu sou e que sou uma boa pessoa.

O que você faz fora dos fins de semana de competição?
Amo carros, naturalmente, novos carros, modelos de produção limitada, música, gasto muito tempo ouvindo, tocando, nunca estudei música, mas toco guitarra desde os 13 anos. Eu a trouxe para cá, toco no hotel. Gosto também de moda, bebidas, ler, aprender sobre tudo. Deixe-me ver... gosto me manter longe da F-1 e fazer coisas diferentes. O trabalho na F-1 é quase sempre o mesmo. Vou num desfile de moda, gosto de desafios fora do esporte.

Tem namorada?
Não tenho. Estou solteiro realmente. Não ficava sem namorada, putz... desde que tinha 21, 22 anos de idade, é muito tempo atrás. (Hamilton e a cantora havaiana Nicole Scherzinger, sete anos mais velha, mantiveram uma relação, por vezes tumultuada, por vários anos. Acabou em março deste ano.)

Qual a diferença entre estar namorando e viver agora a vida de solteiro?
Quando você está num relacionamento você sacrifica muita coisa para primeiro que ele possa acontecer e depois se manter. Dedica na sequência tempo... Depende também do tipo de relacionamento. Sobre estar solteiro, tem sido uma experiência rejuvenescedora, estou aprendendo mais sobre eu mesmo, vivo período muito bom da minha vida, posso dizer fantástico, nunca me senti tão feliz. (Hamilton adora colocar nas mídias sociais fotos das festas que frequenta e com quem está, como com a cantora Rihanna, durante carnaval de rua na ilha de Barbados, em agosto.)

Que tipo de mulher você gosta?
Não tenho um tipo de mulher específico, olhando para as namoradas que tive, pode parecer que eu tenho um tipo, mas não há. Gosto de alguém divertido, que tenha bom coração, bons valores, que recebeu boa orientação da família, mais bonita por dentro que por fora, o que não é fácil encontrar, que goste de crianças, cheia de energia para ir atrás dos seus objetivos, respeito as mulheres independentes.

Planeja formar família, vem a sua mente ter filhos?
Sim, quando estava numa relação, mas agora estou sozinho, num período da vida que isso não faz parte, virei a chave, acontece de tempos em tempos. Meu foco é obter sucesso na minha atividade, me desenvolver ao máximo no que faço, acho que estou nos meus melhores anos (como piloto).
Quanto a formar a minha família, chegará uma hora que vou pensar com seriedade em ter filhos, ter um pedaço de mim correndo ao meu redor, pensar no futuro dele. Vê-lo nas corridas será um desafio completamente novo. Temos de ter sempre novos desafios, senão a vida se torna muito chata.
Eu vivo minha vida, hoje, um pouco no limite, você vê tantas coisas acontecendo, como agora em Paris, o avião que caiu no Egito, há duas semanas, os atentados na Turquia, nunca se sabe o que pode acontecer. Aprendi a viver me divertindo, seja no que for e melhor ainda ao lado de pessoas que sentem o mesmo.

Você é conservador ou agressivo com o dinheiro que ganha? (Estima-se que Hamilton fature, entre o contrato com a Mercedes e publicidade, cerca de 45 milhões de euros, R$ 190 milhões, por ano)
Eu diria que sou conservador, não faço investimentos, por exemplo, na bolsa de valores, ou algo do gênero. Eu invisto em algumas propriedades, como numa casa para a minha irmã, outra para minha família, compro carros, o que amo, um pouco em arte. Sou muito consciente com dinheiro, especial depois de 2008 (ano do primeiro título, em que assinou vários contratos publicitários).
Não preciso focar minhas ações apenas em ganhar muito mais dinheiro. Não sou daqueles que quando passa a ganhar dinheiro quer muito, muito mais. Eu entendo que existe inflação, essas coisas. Eu tenho, hoje, mais dinheiro do que já tive e achei que teria, mas minha missão não é trabalhar para ganhar mais e mais, estou contente com o que tenho, em resposta à pergunta, sou bastante conservador.

Em 2007 você disse (ao hoje repórter do GloboEsporte.com) que o preço de uma bicicleta que havia visto e o agradou era alto e não comprou. Hoje compraria?
Ainda hoje, acontece de eu dizer quando me falam o preço de algo que me interessei e achei caro: o quê? Você está louco? Claro eu compro algumas coisas que são caras, como este cordão (de ouro maciço, grande, pesado, usado no pescoço). Eu disse na hora: você está louco? Quando era pequeno, lembro, eu tinha muito pouco dinheiro, fazia economia em tudo. E por isso que quando ouço hoje certos valores pergunto se o vendedor está louco.

Acontece comigo também de estar numa loja, ver alguém perguntar o preço e eu ouvir, por exemplo, 100 libras. Então eu vou e pergunto o valor do mesmo objeto. O cidadão me olha e Ah! (identificando tratar-se de Hamilton) e responde para mim, 500 libras (Hamilton ri alto).

Tenho consciência disso, não faço essas loucuras, é injusto, odeio desperdiçar dinheiro, odeio comprar coisas e deixar lá em casa, sem uso, na garagem. Meus carros eu os adoro, compartilho com meus cachorros, ou uma namorada. Eu uso, os mantenho espalhados, ficam em Mônaco, no Colorado, em Los Angeles, Nova York, enfim, onde costumo ir, e eu me divirto com eles. (Três deles, por exemplo, são muito exclusivos, como a La Ferrari, de US$ 1,5 milhão (R$ 5,5 milhões), o Shelby 427 Street Cobra, modelo de 1967, e a Maserati Gran Cabrio. Hamilton desfila com eles em Mônaco.)

Depois de 20 minutos de papo, está na hora de colocar fim à conversa. Hamilton é quem agradece não ter falado apenas de F-1.

FONTE:
http://globoesporte.globo.com/motor/formula-1/noticia/2015/11/de-coracao-aberto-hamilton-fala-de-tudo-menos-de-f-1-estou-relaxado.html



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