Flamenguista na infância, atacante apanhava quando flagrado jogando bola. Adulto, canta hino do Galo desde antes de defender o clube e tem tatuagem de Garrincha
Luan perambulava emocionado pelo gramado do Mineirão depois da goleada de 4 a 1 sobre o Flamengo, nesta quarta-feira. Parecia pensar na vida. A comoção era um pouco pelo ambiente de mais uma virada, um pouco também por ele ter sido o protagonista da façanha, mas a base dela, seu centro, era outro. É que foi um jogo emblemático para ele. De certa forma, na partida foram representadas todas as lutas do atacante. E também o amor pela avó, responsável por sua criação, falecida em 2004. O nome dela, Ranuzia, está tatuada em sua pele. Uma pele que era flamenguista na infância e que hoje é alvinegra em cada poro.
Luan, eufórico, celebra gol marcado contra
o Flamengo (Foto: Cristiane
Mattos / Ag. Estado)
O jogador, cercado por uma torcida em surto no Mineirão, pensava nas dificuldades da infância. Seu pai saiu de casa quando ele ainda era bebê – tinha menos de um ano. Parte de sua formação também não foi acompanhada pela mãe, que se afastou quando casou novamente. Foi sob a bênção de Ranuzia, em São Miguel dos Campos, cidade 60km distante de Maceió, capital de Alagoas, que ele começou a trajetória que o levou ao gramado do Mineirão nesse 5 de novembro de 2014.
Luan quando criança (E): família rubro-negra (Foto: Denison Roma/ GloboEsporte.com)
É irônico: jogar no Flamengo, sua vítima, era um sonho de Luan nos tempos de menino. Ou apenas jogar futebol, fosse onde fosse. Os amigos o ironizavam. Diziam que ele iria fracassar. Falavam que ele era doido de sonhar tão longe – anos depois, já como profissional, seria chamado de “doidinho” pelos colegas de time. Muito mais interessado na bola do que nos estudos, apanhava da mãe quando era flagrado no campinho. Ela queria que ele fosse pastor.
Mas Luan sempre soube que tinha mais talento para os gols do que para os sermões. E agora ele vive a comprovação disso. Fazer o gol decisivo, ser o melhor em campo, cair ainda mais no gosto da torcida – tudo isso é complemento para a arrancada que ele dá em 2014.
É um processo iniciado de verdade em 4 de setembro, no duelo da volta das oitavas de final da Copa do Brasil, contra o Palmeiras. Ele voltou a ser titular e foi o dono do segundo gol da vitória por 2 a 0. A partir dali, começou a rechaçar um rótulo que sempre o incomodou: o de talismã.
Ser um amuleto, pensava Luan, significava ser reserva. E ele não queria isso. No ano passado, foi mais titular do que suplente no Brasileirão. Antes disso, porém, sofreu. Chegou ao clube lesionado. Teve que se livrar de um problema no púbis para começar a se destacar. E conseguiu. Sofreu pênalti na final do Mineiro de 2013, fez gol contra o Tijuana no primeiro jogo das quartas de final da Libertadores. E aí ouviu a frase de Cuca, seu técnico na época: “Esse guri está virando um talismã”.
A partir de então, a luta do atacante foi para se consolidar no time. Mas nova lesão atrapalhou o plano. Ele passou por cirurgia no joelho e ficou afastado dos campos no primeiro semestre de 2014. Teve que esperar para se consolidar de vez só agora, quase no fim do ano.
Lema de Garrincha e carinho dos colegas
Luan tem tatuagem com frase de Garrincha (Foto: Carlos
Velardi/EPTV)
O curioso é que a identificação entre Luan e o Atlético começou antes mesmo de ele defender o clube. Nos tempos de Ponte Preta, em um jogo no Independência, o atacante, no banco de reservas, começou a cantarolar o hino do Galo junto com a torcida. Luquinha, colega dele na Macaca, olhou com cara de espanto:
- Tá doido, Luan?
E o “doidinho” reagiu:
- Olha que torcida fera essa aí.
Foi o bom desempenho de Luan pela Ponte que chamou a atenção do Galo. Antes, ele defendeu o Atlético Sorocaba, do interior paulista – também apelidado de Galo. Ajudou o time a conquistar a Copa Paulista e ir para a Copa do Brasil. E viveu emoções fortes – numa espécie de preparação para o que experimentaria em Belo Horizonte.
Em 29 de novembro de 2008, Luan ficou no banco do Atlético Sorocaba na final da Copa Paulista. Foi a campo no segundo tempo. E se mostrou decisivo para que o time alcançasse uma grande façanha contra o XV de Piracicaba. Foi dele o segundo gol da vitória por 3 a 2. A virada saiu aos 47 minutos do segundo tempo.
Luan vive intensamente o Atlético. No hino nacional, não canta o trecho que fala em “cruzeiro”. Antes de grandes jogos, fica nervoso, chega a vomitar de ansiedade. E é adorado pela maioria do elenco. Em vez de um doidinho, os jogadores costumam ver nele um jovem (tem 23 anos) bastante carente, consequência das dificuldades na infância – da ausência da figura paterna.
Tantas lutas na carreira poderiam fazer do futebol uma guerra de sobrevivência para Luan. Mas o curioso é que ele parece levar a profissão com extrema leveza. E uma frase de Garrincha tatuada em seu braço esquerdo resume isso: “O que eu queria eu fiz e faço até hoje, que é brincar de bola”.
Brincando de bola, Luan busca seu primeiro título nacional. Ele é o goleador do Galo na Copa do Brasil, com quatro gols. Deixou sua marca duas vezes contra o Palmeiras, nas oitavas de final, uma diante do Corinthians, nas quartas, e agora o mais importante deles, na virada sobre o Flamengo, seu time de infância, o time de dona Ranuzia.
FONTE:
http://glo.bo/1xnC1dk
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