A CRÔNICA
Soassem no início da madrugada desta quinta-feira as sete trombetas do
apocalipse, deixasse o mundo de existir, deixasse o futebol de existir
também (o que talvez seja ainda mais grave), Atlético-MG e Cruzeiro
poderiam mergulhar na eternidade aconchegados na certeza de que gravaram
no campo do Independência, instantes antes, o maior episódio de suas
vidas como seres inseparáveis, como entidades unas, como eternos rivais
que não vivem um sem o outro. A vitória de 2 a 0 do Galo, gols de Luan e
Dátolo, foi o primeiro episódio dos dias mais emblemáticos de
rivalidade entre os dois gigantes de Minas Gerais – terra tão vasta
quanto é seu futebol. Eles jamais decidiram um campeonato nacional. Pois
chegou o momento, e quem começou a se apossar dele foi o Atlético. Até
derrota por um gol no Mineirão, dia 26, torna o time de Levir Culpi
campeão.
Afinal, vantagem de 2 a 0 em um clássico desse tamanho não é pouca coisa. É enorme. É coisa de doido, de Galo Doido, de "doidinho" – como é chamado Luan, o autor do primeiro gol, o atacante que cantou o hino do Atlético no banco de reservas da Ponte Preta, quando foi enfrentar seu futuro time no Independência, o jogador que carrega no braço, tatuada, uma frase de Garrincha: “O que eu queria eu fiz e faço até hoje, que é brincar de bola”. Coisa de doido como só um argentino é capaz de ficar em um clássico. Dátolo, um dos melhores em campo, marcou o segundo na etapa final.
A maluquice é que os atleticanos, em uma noite sem poréns em campo, precisam lidar com uma ressalva: não são campeões ainda. Longe disso. E por uma série de motivos: o time do Cruzeiro é muito bom; o aproveitamento celeste no novo Mineirão é de 86%; a casa será praticamente toda azul, com maioria esmagadora de cruzeirenses. Mas controlar o rival virou uma especialidade alvinegra: no sexto clássico do ano, foi a terceira vitória do Atlético, e os outros terminaram empatados. Nada de o Cruzeiro vencer ainda.
Certo é que as trombetas do apocalipse não serão loucas de tocar até lá. Há um clássico de sair faísca pela frente. Para ser campeão, o Cruzeiro precisa vencer por três gols de diferença ou devolver os 2 a 0 e tentar a sorte nos pênaltis. Se o Atlético fizer um gol, a Raposa precisará fazer quatro.
Luan, imune a pressões
Pressão mesmo Luan sentia quando jogava nos campos de barro de São Miguel dos Campos, em Alagoas. Menino, ia de pés descalços, olhos arregalados e ouvidos alertas brincar de bola. Era proibido. Se sua mãe o flagrasse ali, ele levaria uma surra. Ela queria que ele fosse pastor, não jogador. Mas ele não era doido de pensar a mesma coisa. Sabia que a bola seria sua vida. Parecia sentir que faria 1 a 0 para o Atlético-MG sobre o Cruzeiro nesse 12 de novembro de 2014.
O lance veio à luz quando o jogo ainda era um recém-nascido. O que são oito minutos quando vistos pelo prisma da posteridade? O Galo começava a formular uma pressão no Horto, a torcida quicava nas cadeiras do Independência, e Marcos Rocha tinha um lateral a cobrar pela direita. Das mão dele, a bola viajou até a área. Foi afastada. E voltou para ele. O novo cruzamento parecia teleguiado a cair no meio da área. Onde estava Luan. Onde estava o gol. De cabeça, o atacante venceu Mayke e encontrou o canto à esquerda de Fábio.
O Independência entrava em surto. Luan, o doidinho, mergulhava em euforia. O Galo pulava na frente.
O atacante estava em posição irregular, um pouco adiante da linha de marcadores, quando cabeceou para o gol. A arbitragem não viu, tampouco os jogadores do Cruzeiro, que logo partiram em busca de uma reação. Moreno, em chute cruzado, forçou Victor a boa defesa. Ricardo Goulart quase aproveitou bola mandada na área pelo boliviano. Mas foi só.
Foi só porque o Cruzeiro não foi aquele Cruzeiro de sempre. Em boa parte do primeiro tempo, os jogadores celestes pareciam presos por cordas, pareciam ter chumbo nas chuteiras. Por mais que tentassem, não conseguiam se sobressair à caça atleticana. Éverton Ribeiro pintou como boa opção – só que sem vitória pessoal. Ricardo Goulart caiu na areia movediça da defesa. Marcelo Moreno ficou isolado. Faltou à Raposa aquela fluência que a transformou em uma equipe encantadora.
E aí o Galo, sem ser acossado, encontrou ambiente para seguir no ataque. Carlos, duas vezes, arriscou voleios – lances bonitos, mas sem sucesso. Dátolo encontrou o cantinho inferior de Fábio, que, atento, conseguiu defender. E sucederam-se lances de bola aérea, marcação cerrada e equilíbrio de ações – a posse de bola terminou 50% a 50% na etapa inicial.
Dátolo, enlouquecido: 2 a 0
O Cruzeiro voltou com Nilton no lugar de Lucas Silva no segundo tempo. O plano era dar maior firmeza na marcação para, assim, poder explorar mais o ataque. Mas o Galo seguiu irretocável em campo. Dátolo, com dois minutos, já arriscou chute a gol. Fábio pegou. Mais do que uma tentativa, foi um aviso. Porque aos 13 a bola entrou.
Foi de novo em um lateral. De novo com Marcos Rocha. Ele cobrou na área, Carlos ajeitou e Dátolo mandou o chute seco, cruzado. 2 a 0. Loucura do argentino. Loucura no Independência.
"Caiu no Horto, tá morto", tanto dizem os atleticanos. Coube ao
Cruzeiro tentar dar alguma sinal de vida. Júlio Baptista e Dagoberto
foram as novas tentativas de Marcelo Oliveira. Aí a Raposa apresentou
crescimento. Mas sem alcançar chances reais de gol - Éverton Ribeiro,
antes, arriscara com perigo para Victor.
Conforme o tempo passava, mais o Cruzeiro se postava à frente, mais o Galo se virava para manter o resultado, mais a torcida ficava entre a euforia e a apreensão. E ainda havia os contra-ataques atleticanos. Em um deles, Diego Tardelli quase fez. Fábio salvou.
Os minutos finais foram de agulhadas no ouvido com as vaias da torcida enquanto o Cruzeiro tinha a bola. Tão de pé quanto os jogadores, os torcedores viram as ações derradeiras. E elas mantiveram o 2 a 0, enorme vitória do Galo, enorme vantagem – mas não suficiente para dizer que o Cruzeiro saiu morto do Horto.
Afinal, vantagem de 2 a 0 em um clássico desse tamanho não é pouca coisa. É enorme. É coisa de doido, de Galo Doido, de "doidinho" – como é chamado Luan, o autor do primeiro gol, o atacante que cantou o hino do Atlético no banco de reservas da Ponte Preta, quando foi enfrentar seu futuro time no Independência, o jogador que carrega no braço, tatuada, uma frase de Garrincha: “O que eu queria eu fiz e faço até hoje, que é brincar de bola”. Coisa de doido como só um argentino é capaz de ficar em um clássico. Dátolo, um dos melhores em campo, marcou o segundo na etapa final.
"Doidinho" Luan foi de novo decisivo para o Galo
ao fazer o primeiro gol da final
(Foto: Gustavo Andrade)
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A maluquice é que os atleticanos, em uma noite sem poréns em campo, precisam lidar com uma ressalva: não são campeões ainda. Longe disso. E por uma série de motivos: o time do Cruzeiro é muito bom; o aproveitamento celeste no novo Mineirão é de 86%; a casa será praticamente toda azul, com maioria esmagadora de cruzeirenses. Mas controlar o rival virou uma especialidade alvinegra: no sexto clássico do ano, foi a terceira vitória do Atlético, e os outros terminaram empatados. Nada de o Cruzeiro vencer ainda.
Certo é que as trombetas do apocalipse não serão loucas de tocar até lá. Há um clássico de sair faísca pela frente. Para ser campeão, o Cruzeiro precisa vencer por três gols de diferença ou devolver os 2 a 0 e tentar a sorte nos pênaltis. Se o Atlético fizer um gol, a Raposa precisará fazer quatro.
Luan, imune a pressões
Pressão mesmo Luan sentia quando jogava nos campos de barro de São Miguel dos Campos, em Alagoas. Menino, ia de pés descalços, olhos arregalados e ouvidos alertas brincar de bola. Era proibido. Se sua mãe o flagrasse ali, ele levaria uma surra. Ela queria que ele fosse pastor, não jogador. Mas ele não era doido de pensar a mesma coisa. Sabia que a bola seria sua vida. Parecia sentir que faria 1 a 0 para o Atlético-MG sobre o Cruzeiro nesse 12 de novembro de 2014.
O lance veio à luz quando o jogo ainda era um recém-nascido. O que são oito minutos quando vistos pelo prisma da posteridade? O Galo começava a formular uma pressão no Horto, a torcida quicava nas cadeiras do Independência, e Marcos Rocha tinha um lateral a cobrar pela direita. Das mão dele, a bola viajou até a área. Foi afastada. E voltou para ele. O novo cruzamento parecia teleguiado a cair no meio da área. Onde estava Luan. Onde estava o gol. De cabeça, o atacante venceu Mayke e encontrou o canto à esquerda de Fábio.
Dátolo brilhou mais uma vez com gol em momento
decisivo (Foto: Reprodução/TV Globo Minas)
O atacante estava em posição irregular, um pouco adiante da linha de marcadores, quando cabeceou para o gol. A arbitragem não viu, tampouco os jogadores do Cruzeiro, que logo partiram em busca de uma reação. Moreno, em chute cruzado, forçou Victor a boa defesa. Ricardo Goulart quase aproveitou bola mandada na área pelo boliviano. Mas foi só.
Foi só porque o Cruzeiro não foi aquele Cruzeiro de sempre. Em boa parte do primeiro tempo, os jogadores celestes pareciam presos por cordas, pareciam ter chumbo nas chuteiras. Por mais que tentassem, não conseguiam se sobressair à caça atleticana. Éverton Ribeiro pintou como boa opção – só que sem vitória pessoal. Ricardo Goulart caiu na areia movediça da defesa. Marcelo Moreno ficou isolado. Faltou à Raposa aquela fluência que a transformou em uma equipe encantadora.
E aí o Galo, sem ser acossado, encontrou ambiente para seguir no ataque. Carlos, duas vezes, arriscou voleios – lances bonitos, mas sem sucesso. Dátolo encontrou o cantinho inferior de Fábio, que, atento, conseguiu defender. E sucederam-se lances de bola aérea, marcação cerrada e equilíbrio de ações – a posse de bola terminou 50% a 50% na etapa inicial.
Dátolo, enlouquecido: 2 a 0
O Cruzeiro voltou com Nilton no lugar de Lucas Silva no segundo tempo. O plano era dar maior firmeza na marcação para, assim, poder explorar mais o ataque. Mas o Galo seguiu irretocável em campo. Dátolo, com dois minutos, já arriscou chute a gol. Fábio pegou. Mais do que uma tentativa, foi um aviso. Porque aos 13 a bola entrou.
Foi de novo em um lateral. De novo com Marcos Rocha. Ele cobrou na área, Carlos ajeitou e Dátolo mandou o chute seco, cruzado. 2 a 0. Loucura do argentino. Loucura no Independência.
Fábio e a defesa do Cruzeiro sofreram com as
bolas aéreas do Galo (Foto: Gustavo Andrade)
Conforme o tempo passava, mais o Cruzeiro se postava à frente, mais o Galo se virava para manter o resultado, mais a torcida ficava entre a euforia e a apreensão. E ainda havia os contra-ataques atleticanos. Em um deles, Diego Tardelli quase fez. Fábio salvou.
Os minutos finais foram de agulhadas no ouvido com as vaias da torcida enquanto o Cruzeiro tinha a bola. Tão de pé quanto os jogadores, os torcedores viram as ações derradeiras. E elas mantiveram o 2 a 0, enorme vitória do Galo, enorme vantagem – mas não suficiente para dizer que o Cruzeiro saiu morto do Horto.
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